Voltemos a Victor Hugo. Desta vez, não peço mais desculpas ao meu leitor. Não é por desatenção, mas porque este texto é a complementação do anterior, Traduzindo uma página de Victor Hugo ou o Titã-Anão. Hugo é grande, sua grandeza literária e humana ultrapassa todas as barreiras, destacando-o de uma miríade de escritores medíocres, que sequer fazem sombra a seu calcanhar. Movido por essa grandeza, ele escreveu grandeza maior, Os trabalhadores do mar (todas as referências serão retiradas da edição Notre-Dame de Paris/Les travailleurs de la mer; textes établis, présentés e annotés por Jacques Seebacher et Yves Gobin, Paris: Gallimard, 1975).
VARREDURA
Hora
de limpar
gavetas
entulhadas,
descartar
remédios
vencidos,
separar
os vestidos
que não
cabem mais
no corpo
crescido.
Hora
de refazer
os planos,
entregar
os pontos
do que
não foi
resolvido.
Aprendi que não adianta brigar com os fatos. Eles são insistentes. Por mais que você queira superá-los, não levar em conta e esquecer, eles não desistirão de existir. A única maneira de lidar com eles é conviver e aceitá-los.
Quando minha família perdeu tudo, culpamos a justiça e os bancos que haviam emprestado o dinheiro. Doeu. Foi terrível. Mas com o tempo entendemos que a culpa era nossa, por termos acreditado no que se provou um mau investimento. Fomos despejados e ficamos sem nada.
À enorme deferência com que foi recebido por todos, responderia com aquele distanciamento, a princípio, tímido e quase confuso, mas que tão logo se transformaria em mal disfarçado aborrecimento assim que pôde dar os primeiros andamentos à obra.
O livro é sempre tratado como a Geni da cultura, mas sempre resiste.
Estava lendo texto de Machado de Assis sobre “O jornal e o livro”, publicado no Correio Mercantil em 1859.
Com loas ao papel do jornal, Machado sugere o aniquilamento do livro.
Machado indaga: O jornal matará o livro? O livro absorverá o jornal?
Vejam o que dizia nosso maior escritor:
Ocorre-me a questão. Será que ainda existe alguma pedra daquele antigo piso com suásticas retirado, em princípios de 1995, do terraço dos fundos do Palácio da Redenção, a sede do Governo da Paraíba? Data de novembro de 2020 a última notícia que tive disso.
Na ocasião, eu produzia matéria para o “Jornal do Commercio”, do Recife. Fui ao Palácio, onde o então Chefe da Casa Civil do Governador, o saudoso Cláudio de Paiva Leite, me falou da remoção dos tais ladrilhos
Já adolescente, pude ver, sim, toda a cidade de Alagoa Nova numa lapinha geral, felizes todos, nem tanto pelos três Reis Magos, como pela adoração de todas as gentes, pobres e ricas, novas e velhas, todas como uma só criança. A cidadezinha inteira um presépio de peregrinos a darem trégua ao trabalho de fardos, fusos, pinhões e desfibradeiras para festejar o nascimento de Jesus. E, por que não dizer, o deles.
Negro, de família pobre, vindo do interior. Um dos muitos meninos que correm atrás de uma bola e de futuro pelos campinhos de grama, barro, areia ou de paralelepípedos espalhados pelo Brasil afora. O tempo tratou de construir um roteiro perfeito em que mais um capítulo foi escrito no último dia 29 de dezembro de 2022.
A região do Brejo, com suas riquezas naturais, a força criadora de sua gente e a vontade de progredir, está presente no romance do jornalista Rubens Nóbrega, que chega às nossas mãos. A “Baixa do Mel” (Ideia, 2022), nos leva a caminhar soltos pelas paisagens humanas dos entrançados acontecimentos familiares que o autor utiliza para prender a todos com sua narrativa.
Muitas das histórias do livro, inventadas ou recriadas, de certa forma são conhecidas de muitos, principalmente de quem nasceu e conhece a realidade da região do Brejo. O autor viveu na infância em Bananeiras, e com certeza presenciou fatos marcantes na história da cidade e do lugar.
Não tenho medo da morte. No balanço geral o meu saldo é positivo. Gracias a la vida siempre. Aos sessenta e quatro anos juntei bem mais que cabelos brancos. Criei filhas, vi nascer netos e neta. Plantei coentro e cebolinha. Gozei dentro. Escrevi poemas e publiquei livros. Ganhei algumas alegrias, perdi outras. Quando amei olhei nos olhos. Até aqui nada foi meia boca. Não há meias verdades na minha história. Dei cabeçadas. Não sei se aprendi. Acho que não. Algumas coisas a gente nunca aprende. Apenas se sabe que machuca, dói, sara e fica no grau para a próxima pancada. O sangue das emoções jorra na face. É sempre tudo muito claro. Quase ninguém percebe. Nem eu.
Num fenômeno artístico, geralmente, uma “obra de arte” é criada como uma necessidade humana que surge a partir da relação de estranheza entre o processo da vida e a materialização da arte. Diante disso, é possível encontrar uma relação das transformações sociais e históricas com um acontecimento cultural. Por isso, o desafio de entender a arte em sua manifestação social, faz-se necessário unir várias análises que constituem as interpretações de cultura que orientam os seus autores. Essa divergência teórica foi estudada pelo sociólogo alemão Georg Simmel (1858—1918). No seu ensaio O conceito e a tragédia da cultura (1911), ele analisa a relação do ser humano com a realidade do mundo, o que dá início ao processo entre sujeito e objeto.
Que seria de nós se não fossem as lembranças?... Guardadas na memória, essa dádiva que o cérebro esconde em seus mistérios são tijolos com os quais se erguem nossa história, sentimentos e emoções que emolduram a consciência e que nos acompanharão seja aqui ou acolá.
Eu bem que suspeitava... aquela rebeldia constante, aquela agitação interminável de pilha alcalina, seu inexplicável gosto por rolo de papel higiênico e a mania de roubar chupeta do filho do vizinho... tinha alguma coisa diferente, algo errado, mas agora ficou claro. A psicóloga informou que o nome é TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). A psicóloga de cachorro explicou:
⏤ Fechei o diagnóstico! Lola é hiperativa e vocês precisam ter paciência, seu aprendizado será mais lento, ela não consegue se concentrar.
Como já disse, meu primeiro poema longo - Trigal com Corvos - me custou uma década para chegar a finalista do prêmio Nestlé, e mais dois anos para que eu o publicasse e ele vencesse o prêmio João Cabral de Melo Neto, da União Brasileira de Escritores, Rio. Minha versão do Jardim das Delícias, do Bosch, me consumiu seis meses. O painel Homenagem a Shakespeare, da UFPB, nove. E - caramba, como foi longa a novela O Direito de Nascer, da Rádio Nacional, que minha mãe e minhas irmãs ouviam enquanto costuravam, quando eu era menino! Como eram demoradas as indecifráveis – e por isso místicas – missas em latim, e as novenas, trezenas (o hipnótico balanço dos turíbulos a espalhar lentos incensos nos espaços gigantescos da catedral de Sorocaba, da igreja de Santa Rita, da igreja de São Judas Tadeu) !
Um dos textos de Rubem Braga de que mais gosto é sobre uma feira que o cronista descreve da janela do seu apartamento em Copacabana. Quando ele o escreveu não se acrescentava o adjetivo “livre”, pois as feiras eram por natureza um espaço de liberdade. Tudo ali se vendia, tudo estava ao alcance do olho do freguês.
Braga mostra o que pode haver de belo naquele ajuntamento aparentemente banal. Destaca, por exemplo, uma mulher que sopesa um molho de hortaliças com um “experiente carinho”.
Na transformação de nosso estado de espírito, os sons são as primeiras manifestações dentre as linguagens que utilizamos. A palavra é a outra que nos fascina e atrai o olhar. As letras são os símbolos e objetos admirados por quem as entende.
Mugimos com super poderes, enxergamos e andamos pelas águas. Após os cinco ou sete anos de idade, as combinações se tornam muito mais complexas, nos provando que o consciente é uma falsa voz que transborda através da fala e da escrita. Parece que falamos para outros universos onde existem criaturas com ultra poderes. Nossa taxa de sílabas pode chegar a 200 por minuto, tal como satélites sem capa
Pelé morreu. Dá para acreditar? Parece que não, mas é o jeito. Afinal, tratava-se de uma morte anunciada. Ele já estava condenado, recebendo apenas os cuidados paliativos: o corpo ferido irremediavelmente não mais respondia a quaisquer tratamentos. Fez-se o possível. Mas há, sabemos, um limite para tudo. Os seres e as coisas têm fim. Entretanto, repito: dá para acreditar?
Ídolos populares da altitude de Pelé parecem eternos. A gente se acostuma tanto com eles, com a presença cotidiana deles na nossa vida, através da televisão, dos jornais e demais meios de comunicação social, que nem sequer admitimos a hipótese de não tê-los mais.
“Quando eu não mais existir. Quando tudo o que fui tiver se convertido em pó, tu, minha única amiga, que eu amei tão ternamente e tão profundamente, tu, que sobreviverás a mim, não visites meu túmulo. Ali, nada haverá para fazeres. Não me esqueças, mas não me tragas à tua mente em meio aos teus afazeres, alegrias e necessidades. Não quero perturbar o curso da tua quieta vida. Mas, nas horas de solidão, quando aquela tímida tristeza te visitar, pega um dos nossos livros favoritos e procura neles as páginas, as linhas e as palavras que costumavam – lembras? – trazer doces e silenciosas lágrimas aos olhos de nós dois, simultaneamente. Lê, fecha teus olhos e estende tuas mãos ao teu ausente amigo. É um conforto para mim, agora, pensar que um leve toque então alcançará as tuas mãos. Tu, a quem eu amei tão ternamente, tão profundamente”.
Como é que não contemporâneos resolviam o problema do consumo de água potável, e do uso doméstico em geral, no porvir de nossas cidades coloniais e até mesmo em tempos republicanos não tão distantes, pois água encanada e esgoto são serviços essenciais que as governanças públicas envolvidas têm retardado, em demasia, a oferecer com suficiência e qualidade, às populações aglomeradas de todas as classes sociais e cidades do país? Pela magnitude do problema, meu questionamento poderia ser absurdo, mas não é.
A velhice até que é boa
também tem a sua graça
livra de muita trapaça
exageros e engodo.
As vezes ficamos gordos
em área inconveniente
quem nunca teve cintura
até fica mais contente
eis que culpa a velhice
e vamos seguindo em frente.
Outra coisa que gostei
foi de acordar mais cedo
antes dormia um bocado
disso não faço segredo
dormia mais que S. João
segundo meus companheiros
Agora acordo cedinho
imitando outros bichos
aproveito mais o dia
parece até que espicho
mexendo nos cacarecos
costurando outros vestidos
com o resto de meus sonhos
que estavam adormecidos
Estou gostando da amiga
ela me trouxe mais calma
mais alegria na alma
antes eu tinha no corpo
agora sou menos escopo
tenho sido mais centrada
outra coisa que gostei
foi ver meus netos nascendo
agora é que entendo
quando minha mãe falava:
"filha, a nossa alma
fica mais rica com os netos".
Eles são do meu afeto
coroas no meu reinado!
Amigo agora eu te digo
só não gosto dos achaques
dói a perna, dói o braço
as pernas ficam mais finas
essa é a triste sina
dos velhos, mulher ou macho.
Mas temos muita vantagem
somos bem mais resolvidos
olhamos menos pro umbigo
vemos por todos os lados
enxergamos o escondido
escutamos o calado.
Coisa boa na velhice:
a contagem regressiva
agora levamos a vida
antes, ela nos levava
levamos menos porrada
e damos mais gargalhadas.
Apaixonei-me por Klima
quem sabe alguém me anima
a entender a ironia…
Não gosto de ambiguidade
de mentiras ou engodo
prefiro o todo errado
meio torto, atrapalhado
ao santinho do pau oco
Mas vejam que absurdo
minha Valsa dos Adeuses
percebi que o percevejo
sempre esteve na garganta
com seu odor que espanta
até quem não se asseia
Oh meu Deus! Eu quero ajuda
para sair da armadilha
da cobra que se enrodilha
agora em meu pescoço
em minha mente em alvoroço
qual biruta sem controle
meu avião fez um pouso
aterrissou apressado
sem rumo desengonçado
se transformando em destroço
Oh Jesus! Eu quero tanto
que me ajudes neste conto
ou romance do Kundera
Meu Senhor, ai quem me dera
jamais ter sido o algoz
quando em verdade, era a vítima
de um script encenado
num carnaval com um reinado
comandado por um momo
quase nu, sem adereço
apenas a fantasia
em seu mundinho pelo avesso
menor que casca de noz!
Imaginava eu que herdaria os negócios da família
foram quatro gerações
viajei ao exterior
fui à meca daquele ofício…
Ao retornar
queria aprender com outros mestres
conviver e me aperfeiçoar sob o comando de pessoas mais exigentes
Os empregados de meu pai poderiam ser complacentes comigo
eu precisava de excelência e para obter excelência se faz necessário rigor.
E assim fui me aperfeiçoando
preparando-me para aprender com meu pai
alguns segredos daquele ofício,
estavam guardados com ele
toda a simplicidade e beleza
das coisas singelas
todo o requinte
que só encontramos na natureza
da vida, das coisas, das pessoas…
Um dia recebi uma ligação
meu pai se fora ainda jovem
em nossa cultura 55 anos se é jovem em seu ofício
voltei para assumir e continuar com os negócios da família
mas sem o meu pai para me indicar os caminhos...
Procurei os meus próprios caminhos
nas memórias da infância
na riqueza dos rios,
da floresta e das montanhas.
Na sexta-feira (23) nossa conversa foi sobre discos. Vou tomar como referência a indústria fonográfica de meados da década de 1970. Pode ser uns anos antes. Pode ser uns anos depois. Era o tempo dos discos de vinil. Era por meio deles que consumíamos música. Eram eles que, no caso dos colecionadores, formavam nossos preciosos acervos domésticos. No Brasil, os discos rodavam em 33rpm. 45rpm, só nos singles importados vindos quase sempre dos Estados Unidos ou da Europa.
Ano velho passando, ano novo chegando, será que o mundo melhorou? Claro, pois na vida não existe marcha à ré. Tudo evolui. Esta minha reflexão adveio de um desejo enorme de olhar para trás…
E tudo começou com aquele homem magro, quase nu, todo ensanguentado, pregado numa cruz, entre dois malfeitores. Um homem cujo crime foi amar a todos sem distinção. Pediu água e lhe deram vinagre. Pediu amor e lhe deram ódio, diante de uma multidão enlouquecida pelo fanatismo religioso, provou que nem sempre a voz do povo é a voz de Deus.