"— Dotô, mermo quando eles tem pena e dá uma grana, de vez em quando eles humilha nóis. Fica dizendo que o dinheiro não é pra nóis comprá droga".
Era meio dia e o sol castigava a cidade. Um calor terrível. O sinal fechou e eu parei. Duas filas se formaram com outros automóveis p...
Feliz Natal?
"— Dotô, mermo quando eles tem pena e dá uma grana, de vez em quando eles humilha nóis. Fica dizendo que o dinheiro não é pra nóis comprá droga".
ÁGUA A água dura o tempo de seu gosto, o reflexo oblíquo do Sol que insiste, o pormenor dos cinquenta tempos do Mundo ...
No rasante da libélula
A água dura o tempo de seu gosto, o reflexo oblíquo do Sol que insiste, o pormenor dos cinquenta tempos do Mundo no rasante da libélula É esta água, repasto de surpresas, não a mesma, sempre a mesma, dispersa no azul redondo Água que transborda e cessa, recria e arrasta, carrega o som e derrama o silêncio
Uma plantinha cresce aos pés de Nossa Senhora da Conceição. Dela, sim, no seu nicho de 122 anos, a uns 30 metros do solo. É arte de um ...
Uma santa de mãos postas
Os pássaros, minha gente, costumam enfeitar nichos e monumentos sem a percepção de que as sementes não digeridas são, às vezes, de arvoredos com troncos capazes de rachar o bloco de cimento onde vinguem e cresçam, espantosamente,
Se existe um profissional para quem devemos o maior respeito do mundo é o coletor de resíduos, que anda agarrado nas traseiras dos veí...
'Nenhuma noite do ano é tão feliz como esta'
Expostos ao contato com mau cheiro e à contaminação de resíduos deteriorados, eles cumprem uma tarefa visceralmente importante para a vida urbana. Ai do mundo urbano se não fosse o seu trabalho.
Entrei no café do Paraíba Hotel e terminei num desengano bem mais sério: a pobreza de mãos pedintes, de miséria exposta, que lotava as...
Saí para me enganar
Em muitas casas os pés de acerola estão enfeitados feito árvores de Natal já há algumas semanas. Dezenas de bolinhas vermelhas contra...
Des(fruta)mento
Em mim não há, no momento, coisas que me dêem alegria suficiente para compartilhar, repartir. Estou andando na rua no exercício de bus...
Hoje eu quero sair só!
Fico tentando me apegar ao que eu era, ao que pensei e sonhei para mim, a fim de não me perder, mas não consigo fazer isso por muito tempo. Me canso, Me canso muito. Busco ver em meio aos elementos que tenho comigo, algo que combine com essa vida que tenho agora – a minha, aquela onde eu era a filha, a irmã, a amiga, a professora, sei que não terei nunca mais, nunca mais! Muita coisa aconteceu fora desse trilho. Aconteceu e a resiliência humana permite que a gente vá se moldando, se refazendo.
Há 21 anos, morreu George Harrison. Dos quatro Beatles, o guitarrista teve a trajetória mais espetacular. Vindo de uma família muito ...
George
Dos quatro Beatles, o guitarrista teve a trajetória mais espetacular. Vindo de uma família muito pobre, aos 17 anos tornou-se uma das maiores celebridades do planeta. Entrou no túnel de delícias do mundo material com sua carteirinha de milionário aos 20 anos e emergiu do outro lado como um homem que resumia seu propósito na vida a uma busca incansável para responder a três perguntas: quem sou eu, por que estou no mundo e para onde vou.
Uma insônia inquietante me atormentava naquela noite. Eu não conseguia dormir. O galo já cantara uma vez e, como um noctívago, saí a ca...
O curioso périplo noturno de Beaurepaire-Rohan
No alto, uma meia lua chorosa se escondia entre nuvens semicarregadas que pareciam estáticas, deixando tudo em tênue penumbra.
Vaguei sem medo pelo Centro e o Varadouro. Aqui e acolá, caíam finos chuviscos, mas não me importei. Tivera o cuidado de levar comigo
Alguns críticos jamais perdoaram a suprema heresia de Mario Quintana estrear com um livro de sonetos - ...
Vinte e oito anos sem e com Mário Quintana
Um querido amigo genial, o Professor Luíz Dias Rodrigues, Luizito, disse-me, certa vez, que era muito reticente em produzir textos, poi...
Quando devemos dizer
Luizito era um gênio autêntico e a sua humildade era fruto da sua sabedoria. Sua mente fervilhava de conteúdos e de idéias, mas ele preferia a condição de leitor.
Com esse critério, produziu textos preciosos, que enriquece quem os lê.
Penso que as mais intensas lembranças da infância são marcadas pelo q...
Terrores infantis
Grande parte deles está ligada aos “fantasmas” da noite e aos tipos conhecidos como “doidos”. Qual a criança que não chegou a tremer sob os lençóis com medo da visão de algum ente sobrenatural? Podia ser a imagem de alguém que morreu ou de uma dessas personagens que povoam as histórias contadas em filmes, gibis ou por pessoas próximas.
A igreja católica utiliza o calendário gregoriano, que é o calendário solar para contagem dos anos, meses, semanas e dias e que tem com...
Maslenitsa
Mas o Carnaval Russo não é uma comemoração oficial da igreja ortodoxa. Lá ele se chama Maslenitsa e, como no Brasil, precede a quaresma, ou seja, é de origem pagã. A igreja adaptou
Quando chegava dezembro, o mês das festas, íamos à capoeira buscar os galhos de árvore para mamãe montar a árvore do Natal, como fazíam...
Árvore do Natal
Ao alvorecer do novo ano, nossa residência era preparada com simplicidade. Todos os cômodos da casa eram caiados de branco. Consistia, basicamente, em uma árvore enfeitada com algodão e uma mesinha no canto da sala onde depositavam-se imagens de barro representando a Sagrada Família, com o Menino na manjedoura, alguns bois e carneirinhos.
Essa coisa de vocação umas vezes é muito simples e outras é muito complexa. Há crianças que praticamente já nascem chamadas para um ofí...
PS Carvalho: a estrela sobe
Domingo. Sol à pino. Dia da final da copa do mundo. Brasil torcendo pela Argentina? Muitos farão isto, justificando que o Messi merece...
O corredor do absurdo
Mas o inusitado perpassa a vida, mesmo para os que insistem em considerar possível manter-se “isentos” dentro de sua bolha do “paraíso terrestre”.
Trânsito lento na mão oposta em frente a UFES. Uma corrida de rua, de um homem só.
Quando Duque e Rex chegaram na nossa vida havia uma forte sensação (pelo menos da minha parte) de que eles iriam ensinar algo valioso a...
Duque e Rex
Os dois nasceram com cegueira total, provavelmente causada por cruzas mal planejadas ou mal intencionadas.
“Decorridos dois anos da conquista de Olinda, à qual incendiaram devido às dificuldades de fortificá-la, os neerlandeses ainda se ach...
A difícil conquista da Paraíba pelos holandeses – A segunda tentativa
Experimente caminhar na calçadinha da praia do Cabo Branco, um pouco antes das 5 horas da manhã, com o Sol no horizonte ainda lutando p...
Para amar João Pessoa
… conforme a minha peça teatral "A verdadeira estória de Jesus." LUCAS - Mas ... vejam! Vejam! Lá está o Salvador, ...
A noite de Natal em diálogo dos quatro evangelistas
LUCAS - Mas ... vejam! Vejam! Lá está o Salvador, chegando!
MATEUS - Onde, onde?
LUCAS - Lá está: por trás dos rolos de fumaça que sobem da névoa suja em que Jerusalém está imersa! Em cima... do outdoor com o perfil de Tibério e os símbolos do comércio e indústria sob a legenda “Pax Romana”.
MARCOS - O que estou vendo (ri) é a Constelação de Virgem .
LUCAS - Exatamente!
Meu querido Gonzaga, Pensei em fazer algo diferente, para falar de seu livro "Com os olhos no chão" . Já não me apetece a ...
Carta a Gonzaga Rodrigues
Pensei em fazer algo diferente, para falar de seu livro "Com os olhos no chão". Já não me apetece a moda acadêmica das resenhas críticas ou da análise e da crítica literária. Não que eu não vá mais fazê-las, mas suas crônicas merecem bem mais. Por outro lado, meu querido, o texto de Antônio Barreto Neto, “Notas de um escritor no seu lugar de cronista”, que você escolheu como prefácio, está atual, apesar dos seus 44 anos, revelando o rigor e a sobriedade de quem sabe das coisas.
Recebi o seu livro como um grande presente de Natal. Sim, porque a cada crônica, sentia-me como renascido e atento à vida, degustando-a a cada frase que expressava, na sua simplicidade, a grandeza e a profundidade do olhar avisado do escritor, que se destaca na observação e transformação do que vemos e não percebemos. Completa-o o tom sóbrio do projeto gráfico de Juca Pontes, aliado à economia do lírico traçado de Flávio, num desenho que exprime a contemplação da vida, em que vemos encontrar-se “tudo muito longe, tudo muito perto” (Nino).
Viajo, meu querido amigo, na sua leitura, de braços dados com o lirismo, a política e o engajamento político, a história, o humor, a sensualidade, a discriminação, a fome, a miséria, a doença, a preocupação com o meio ambiente e com o descaso de nossa memória. Viajo com o cronista que se autodefine, que coloca os seus olhos, postos muitas vezes no chão, como o menino a catar moedas, mas com a cabeça ligada nas alturas, na tentativa de entender um pouco desse mundo que nos cerca. Viajo com as formas simples de seu escrever, revelando no corriqueiro e no estilo sem rebuscamentos desnecessários, uma vida dedicada à leitura e à literatura, criando perfis irretocáveis, como o de Nathanael Alves (As goteiras de Nathanael).
Os olhos no chão jamais dirão de um fechamento ou isolamento a respeito do meio circundante e dos seus circunstantes. Eles são capazes de ver a flor que fura as frestas do cimento ou fura o asfalto, como diria o poeta; a beleza da flor e da resistência da vida, que só quer uma desculpa – uma fresta de nada – para poder se insinuar, persistir e se realizar poeticamente à nossa frente, em que poeticamente se juntam “a flor, o pólen, o beijo alado, o fruto” (A floração de setembro).
Você, meu amigo, amigo que a madureza me deu, é um homem do tempo, que busca vencê-lo através do que escreve. Suas crônicas, em lugar de ficarem aprisionadas na estagnação da efemeridade jornalística, ganham a perpetuidade e a imortalidade do volume em livro, de onde a cada leitura, saem zombando do tempo, na transformação do, aparentemente, banal cotidiano, em verdadeira e atemporal vivência, o mais das vezes, poética, na percepção de que “o mundo, vasto ou pequeno, reside em nós mesmos” (Indo e vindo).
Como não me emocionar, meu amigo, quando a memória se impõe, nos dias já difíceis pelo simples ato de viver, mas que se tornaram mais árduos com a doença, com a internação, com o sanatório e o gosto das coisas que não aconteceram? A crônica da maçã me sabe à Maria Betânia de Capiba, naquele que é um dos versos mais bonitos sobre a saudade – “Beijo, que vive, com esplendor, nos lábios meus, para aumentar a minha dor”. E Jeconias, onde se vê claramente um livro de memórias delineado, que o amigo talvez relute em terminar e, se terminou, em publicar? Crônica esplêndida, no dilaceramento da dor e da aflição, mas permanente no coração, também expressando grande amor. Há ali, mais do que a memória autobiográfica, meu amigo. Há a criação literária inconteste, de que citarei um pequeno trecho:
Na narrativa, sente-se uma dupla fruição: a da memória, resgatada pelo olhar, que emana da foto; a fruição do texto, que flui para dentro do leitor, tornando-o espectador e cúmplice do acontecimento, caminhando junto ao momento flagrado, na esperança de desvendar o mistério da mulher “verdinha”, no silêncio da “rua, só e absoluta”, insinuando “vestígios de amor nesse instante fotográfico”. Simples e natural fruição. Grandiosa e incomensurável fruição. Texto para ser emoldurado e posto nas salas de aulas de todas as escolas, como exemplo inquestionável do que é o saber e o sabor do escrever.
Alonguei-me, meu amigo, e poderia ir mais adiante, embalado, sem exageros no que digo, pelo encantamento do seu texto, a me comprovar, com o perigo de me repetir, que a crônica conhece dois momentos importantes: um é quando de sua publicação no jornal, aquele “texto de um palmo, escrito às carreiras, com previsão para durar um dia, uma hora, nem sempre sobre assunto grave ou tema republicano” (A morte perdeu seu tempo). O outro, quando ela passa a fazer parte de um livro, dialogando com os outros textos similares que a acompanham, de que vai surgindo, de modo mais claro e uno, para o leitor, o estilo inconfundível do cronista. Enquanto se encontra no jornal, a crônica se isola na diversidade que a circunda, sendo por ela, muitas vezes, engolida, ainda que, momentaneamente, encontre repercussão em algum leitor, no breve instante de sua leitura. Se nesse momento breve, a crônica transcende o aspecto múltiplo e fugaz do jornal, no livro ela se mostrará ainda melhor, por não se dispersar na variedade dos assuntos. E o cronista se revela, em ou outro momento, quando o fato trivial ultrapassa os limites do comezinho, ganhando a autonomia, o viço e a sustança que a poíesis lhe concede.
Você, meu querido amigo, na sua humildade de andar com os olhos no chão e de nunca se lamentar ou mendigar reconhecimento, sempre se fez maior aos meus olhos, com a beleza das coisas ditas e, sobretudo, das não-ditas, com aquele gosto proposital de incompletas, mas cheias das sinuosidades machadianas, que põem a trabalhar a nossa imaginação, viajando nos intervalos incertos da “sem-resistência” da prima Salete (Rosa de Garanhuns), tomada pela possibilidade do amor, a melhor das incertezas que alegram o nosso coração.
Grato, gratíssimo, pelo presente, que acolho com o meu melhor abraço e o espírito em festa.
Do seu,
Milton Marques Junior
Gosto muito do mês de dezembro. Mesmo sendo o último do ano, para mim funciona como se fosse o primeiro. É nesse mês que eu me sinto...
A lista de dezembro
É nessa época que costumo fazer uma retrospectiva de minha vida, avaliando o que deu certo, o que deu errado, o que falei, quando devia ter me calado, o que calei, quando precisava mesmo era ter falado.
"— Meu amigo brasileiro, você foi a única pessoa que conheci nos últimos anos que não me propôs qualquer negócio, que nem sequer p...
Construindo amizades
Na primeira noite da estadia eu tocava “Wave” para mãe Leca, solitários naquele maravilhoso lounge quando o casal encostou. Ela pediu licença, assumiu o piano e executou Für Elise maravilhosamente, reduzindo-me à minha insignificância. Ele perguntou se eu cantava. “- Claro, desde que você cante antes”. O cidadão era um tremendo tenor. Show.