O primeiro sorvete que eu provei na vida foi na barraca de Seu Aníbal, no Miramar. Era um quadradinho equilibrado num desses palitos ...

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O primeiro sorvete que eu provei na vida foi na barraca de Seu Aníbal, no Miramar. Era um quadradinho equilibrado num desses palitos de dentes. Feito numa caçamba de gelo metálica, daquelas que tinham uma espécie de maçaneta no meio, o sabor era sempre maracujá, e não estranhamente tinha o mesmo gosto do refresco de maracujá que Seu Aníbal vendia no balcão. Muitos anos depois entendi aquele fenômeno. Mesmo sem instrução, o comerciante havia intuído a lei de Lavoisier, onde nada se perde e tudo se transforma. O que não vendia como refresco ele congelava e comercializava como sorvete.

O trânsito, como era de esperar, foi limitando os meus espaços de motorista, vendo mais carro do que estrada. E só nas horas desertas ...

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O trânsito, como era de esperar, foi limitando os meus espaços de motorista, vendo mais carro do que estrada. E só nas horas desertas venho conseguindo reempossar-me um pouco da mais sedutora das cadeiras, a de motorista. Sem direito a carro de brinquedo, de vez em quando me surpreendo “virando” o motor no bico, vuum-vuum, no imaginário da infância. Às seis da manhã, sem interferência das buzinas, isto ainda é possível.

Embora órfã de pai morto precocemente, Ernestina era lídima representante da elite rural de então, e que, apesar do evidente desconhec...

Embora órfã de pai morto precocemente, Ernestina era lídima representante da elite rural de então, e que, apesar do evidente desconhecimento que carregava de sua própria história – e a de seu povo, que não fora escrita, sequer rascunhada para conhecimento popular –, encontrava-se, como a maioria dos que mantinham contatos com o então dito mundo civilizado, voltada para os ditames soprados do exterior, e não por outra coisa que um lance de oportunidades conferido por este mesmo destaque social, Ernestina constituíra-se em uma figura um tanto à frente do seu tempo, como também em um modelo de educação quase inatingível para as moças daquele lugarejo afastado, encimado sobre o extenso páramo sertanejo.

Meu grupo de leitura, Frederica , completa três anos este mês de outubro. A cada mês, um livro, e boas discussões pelos cafés da cidad...

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Meu grupo de leitura, Frederica, completa três anos este mês de outubro. A cada mês, um livro, e boas discussões pelos cafés da cidade. O encontro de agosto foi na antiga fazenda Boi Só, hoje um condomínio e morada de uma das participantes que, gentilmente, nos convidou para um lanche na hora do lusco fusco.

Quando a seca arruinou o sertão nordestino, revelava a fome e o desespero em toda a sua extensão, ações de José Américo d...

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Quando a seca arruinou o sertão nordestino, revelava a fome e o desespero em toda a sua extensão, ações de José Américo de Almeida no Ministério da Aviação e Obras Públicas (1930-1934), em favor dos flagelados, estrondaram aos quatro cantos do País. Este brejeiro conhecia intimamente o drama da seca e seus efeitos porque viu perto todas as calamidades em épocas diferentes, com suas tragédias humanas. Sabia da longa viagem do beato que foi ao Imperador com carta do padre-mestre Ibiapina para pedir arrego, quando o sol inclemente dizimava tudo e fazia as pedras esbrasear.

Em um ano, a Terra dá uma volta inteira pelo Sol. Leva 365 dias. São 12 meses. E quem terá inventado meses, anos, o tempo?… Janeiro, J...

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Em um ano, a Terra dá uma volta inteira pelo Sol. Leva 365 dias. São 12 meses. E quem terá inventado meses, anos, o tempo?… Janeiro, Julho, Maio, são bonitos os doze nomes de trinta dias. Todos a gosto. De três em três, viram estações, de agosto a agosto.

Mas o tempo não é numérico, há séculos, milênios. Se for procurar, vira ano-luz, que bonito! Embora o tempo sirva para contar história. Muitas. História do mundo, de guerra e de paz, Tolstoi, de Deus, que tudo criou “em 6 dias”… Eita dias grandes! Vinte e quatro horas, mais de mil minutos, oitenta e tantos mil segundos. Se for olhar o tempo no microscópio capaz de encontrarmos também por lá alguns segundos-luz…

Antigamente os apaixonados faziam pactos de morte. Conscientes de que o tempo é o maior inimigo da paixão, procuravam escapar a ele por ...

Antigamente os apaixonados faziam pactos de morte. Conscientes de que o tempo é o maior inimigo da paixão, procuravam escapar a ele por uma via radical: tirando a própria vida. Às vezes isso dava problema, pois nem sempre um dos dois (ou ambos) queria mesmo morrer…

O local é um terreno ermo, iluminado brandamente pelo luar. Eles vão serenos, de mãos dadas, curtindo aqueles últimos momentos juntos.

Toda minha vida está lá em casa, móveis antigos, quadros, fotos da família, inclusive daqueles que não estão mais além delas, suas rou...

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Toda minha vida está lá em casa, móveis antigos, quadros, fotos da família, inclusive daqueles que não estão mais além delas, suas roupas que ainda uso, as cartas que me escreveram nos aniversários, e os cartões que vieram junto com os presentes. Minha casa é um abrigo, um acorde da razão onde o tempo para, e não quero que ele se esconda e me deixe fora de seu reinado, no sigilo de toda atenção que eu deixo lá dentro. Sempre permiti que a vergonha ficasse de lado, para não ser minha limitação de amanhã e impedir de ser eu mesmo com minhas gavetas da memória.

Há algum tempo, escrevi sobre Manelito Vilar, que havia falecido em 28 de julho de 2020, em plena pandemia. Intitulei meu texto, que fo...

Há algum tempo, escrevi sobre Manelito Vilar, que havia falecido em 28 de julho de 2020, em plena pandemia. Intitulei meu texto, que foi publicado neste mesmo ALCR, de “Um herói paraibano”, e até hoje essa crônica apologética dedicada ao grande empreendedor na área do agronegócio em nosso Estado teve meu recorde de “curtidas” dos leitores: mais de trezentos polegares para cima. Fiquei surpreso com essa reação, não manifestada até então com tanta ênfase, mas depois compreendi a razão do entusiasmo: não foi exatamente o texto e sim o personagem-tema que mobilizou as mais diversas admirações e cumprimentos.

Paraíba, 9 de outubro de 2022

Paraíba, 9 de outubro de 2022

Antes de mais nada, registre-se que este não é um texto alarmista, visto que não guarda semelhança com outros que pululam por aí, disse...

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Antes de mais nada, registre-se que este não é um texto alarmista, visto que não guarda semelhança com outros que pululam por aí, disseminados pelas redes sociais. É tão somente uma constatação da realidade que nos cerca. Ou, para ser menos combativo, um ponto de vista acerca de nosso

Um dos sons mais conhecidos pelos brasileiros é aquele que anuncia o programa radiofônico “A Voz do Brasil”. O programa, que resiste há...

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Um dos sons mais conhecidos pelos brasileiros é aquele que anuncia o programa radiofônico “A Voz do Brasil”. O programa, que resiste há 87 anos - foi “ao ar” pela primeira vez em 22 de julho de 1935 – inicialmente chamava-se “Hora do Brasil” – e tinha a finalidade declarada de irradiação para todo o país de “chronicas feitas dentro da technica do radio, sobre o momento nacional; cultura geral, assumptos historicos, agricolas, artisticos, educacionais, sportivos, judiciarios, literarios, sobre turismo, assumptos infantis e informação em geral”. Apesar da amplitude dos assuntos da pauta do programa, “A Hora do Brasil” era, na realidade, um instrumento de propaganda do governo do Presidente Getúlio Vargas.

Que palavras agrupar para escrever sobre Otávio Sitônio Pinto, logo ele um e...

Que palavras agrupar para escrever sobre Otávio Sitônio Pinto, logo ele um exímio encantador de palavras? Inibe-me utilizar as minhas para falar sobre as dele, ora serpentes venenosas, ora favos do mais puro mel. Umas e outras, porém, desprovidas de qualquer excesso, tanto que o veneno liberado por aquelas não é letal; e tampouco dulcíssima a colmeia de onde ele extrai essas últimas. Em Otávio, palavras e sentimentos são sopesados e medidos, principalmente quando buscam reconstituir tudo o que, aparentemente sólido e impregnado de eternidade, o tempo desmanchou no ar.

Sou filho de Lourdes, migrante nordestina, natural do sertão do Rio Grande Norte. Para os oriundos da adversidade, não tem cantilen...

poesia capixaba jorge elias neto
Sou filho de Lourdes, migrante nordestina, natural do sertão do Rio Grande Norte. Para os oriundos da adversidade, não tem cantilena e lamentação. Existem trabalho e o instinto de sobrevivência. Sou neto de Isabel, a quem devo tudo que sou como poeta. Sou irmão de Voltaire, nordestino que despertou meu sonho de poeta, cuja atitude de ao ver a avó ajoelhar-se e beijar-lhe os pés, apenas hoje entendo. Era uma santa. Dediquei a ela meu primeiro poema publicado:

Patrício Macário, general reformado, completa cem anos, no dia em que morre, 10 de março de 1939, em Itaparica. Nesse mesmo dia, ele te...

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Patrício Macário, general reformado, completa cem anos, no dia em que morre, 10 de março de 1939, em Itaparica. Nesse mesmo dia, ele teve sua canastra roubada por três ladrões. Um pouco antes de sua morte, nos festejos de seu centenário, organizado pela sobrinha Isabel Regina, Patrício Macário resolve falar da sua compreensão da vida, iniciando com a consciência de que não era

Na Argentina os hermanos chamam gorjeta de propina. No Brasil os políticos chamam propina de “faz-me rir”. Essa bobagem toda para trata...

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Na Argentina os hermanos chamam gorjeta de propina. No Brasil os políticos chamam propina de “faz-me rir”. Essa bobagem toda para tratar de um assunto que foi objeto de estudo pela respeitadíssima Lies University.

Tratando da gorjeta, os pesquisadores estabeleceram algumas balizas interessantes. A primeira delas é a de que quando uma mesa num restaurante ou boate é ocupada por várias pessoas e cada uma pagará sua parte, em 86.5%

Durante muitos anos, vivi as eleições intensamente. O marido candidato participava das reuniões, das campanhas, depois perifericamente,...

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Durante muitos anos, vivi as eleições intensamente. O marido candidato participava das reuniões, das campanhas, depois perifericamente, e, mais adiante, de forma ausente. Pensava em marketing, santinhos, frases. Tudo uma loucura. Desgastante. No dia da votação, passava o dia todo vestida a caráter. Camiseta, boné, broches, bunners. Plantada nas esquinas dos colégios fazendo boca de urna. Silenciosa ou ativamente. Não pode! Ficava tensa. Mas tudo em nome da revolução! — me dizia Juca. E eu, mesmo reticente, ia.

“Espie no caminho que vem gente” . Era assim mesmo, exatamente assim, que o Pitiguari cantava no meu quintal, lá por volta dos meus...

canto passaros bem te vi pitiguari vem tiziu
canto passaros bem te vi pitiguari vem tiziu
“Espie no caminho que vem gente”. Era assim mesmo, exatamente assim, que o Pitiguari cantava no meu quintal, lá por volta dos meus dez anos de vida. Não era “gente de fora vem”, como querem os da Bahia e de outros quintais brasileiros.

Outro pássaro mensageiro das nossas mais caras visitas, o Vem-Vem, cantava, justamente, como nos soava seu nome. Não era o “fim-fim”, nem o “vim-vim” de outras paragens.

Aurora de largas nuvens, orvalho de poesia e sonho. Segue o vento ao sabor do tempo, feito o majestoso rio que corre à procura do ...

Aurora de largas nuvens, orvalho de poesia e sonho. Segue o vento ao sabor do tempo, feito o majestoso rio que corre à procura do mar. O tempo de Ângela Bezerra de Castro, permanentemente, nos ensina e nos convida a horizontes de esperança e sinceridade, de reflexão e conhecimento, de afeto e grandeza.

E foi bem assim e muito mais além da noite, o que se assistiria nos salões da Sonho Doce, tendo o céu e as estrelas por testemunha, a assinalar misto de magia e felicidade. Encontro de amigos e queridos para celebrar uma vida plena, cheia de graça e bem vivida.

O canto e a batida das asas refletiam o silêncio na praça. O dia seguinte das travessuras dos números. Papéis pelo chão davam testemunh...

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O canto e a batida das asas refletiam o silêncio na praça. O dia seguinte das travessuras dos números. Papéis pelo chão davam testemunhos da briga pelas digitais enquanto a vida acorda preguiçosamente como de costume. Pouco a pouco, a luz esquentava o dia e invadia todas as frestas de casas, recantos de todas as esquinas, enquanto as castanholas gigantes agitam suas copas ao toque do vento. Há uma brisa branda vindo no sentido sudeste, sobre que ameaça tornar-se tempestade.

Como uma conversa com minha filha – ainda menina – ampliou a visão que eu tinha da construção de personagens como Jesus, Moisés e o s...

Como uma conversa com minha filha – ainda menina – ampliou a visão que eu tinha da construção de personagens como Jesus, Moisés e o super-homem.

Houve um dia em que Andréia – mais ou menos como na foto tirada por Miguel dos Santos em seu ateliê ainda no Jaguaribe – rodeou meu birô, viu nele as ilustrações de vários livros abertos e perguntou:

⏤ O que tanto lê sobre Jesus?

Os institutos erraram. A frase estava em muitas mensagens que recebi na noite deste domingo (02), enquanto acompanhava e comentava a a...

Os institutos erraram. A frase estava em muitas mensagens que recebi na noite deste domingo (02), enquanto acompanhava e comentava a apuração na bancada da CBN. Isso é apenas transferência de uma responsabilidade que não é dos institutos de pesquisa. A frase, no fundo, dá conta da incapacidade que o eleitor tem de separar, pragmaticamente, o desejo da realidade, coisa que procuro fazer desde aquela eleição de 1989, quando Leonel Brizola – eu era brizolista – não foi para o segundo turno contra Fernando Collor, o candidato da direita, no ano em que os brasileiros, com o fim do ciclo militar, recuperaram o direito ao voto direto para presidente.

Desanimei ao ver o arrojo de eleitores tentando entrar e engrossar as duas ou três filas diante da escola onde votamos há mais de qua...

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Desanimei ao ver o arrojo de eleitores tentando entrar e engrossar as duas ou três filas diante da escola onde votamos há mais de quarenta anos. Mesmo com a abstenção registrada, as seções não cabiam de eleitor. Muita gente jovem a experimentar, consciente ou não, esse ânimo virgem da conquista de poder constitucional. Nas contas de TRE o dividendo enforcou o divisor.

Nesse desabrochar de consciência política ou de uso de Direitos não se pode exigir da menina que avisto, eu sentado numa cadeira que outro jovem se apressa a oferecer enquanto chega a minha vez, não se pode exigir da meiguice do seu rosto e de seu sorriso natural, do como e quanto custou aos que fizeram a história, aos que construíram esse momento, e, desde muito estão a gozá-lo, quantas prisões e enforcamentos foram gastados, geração após geração, para se chegar ao rápido e alegre selfie que ela é inserida.

Diga-me com quem andas que eu te direi quem és. Não tenho medo de dizer com quem caminho. De uns tempos para cá, tenho convivido com ge...

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Diga-me com quem andas que eu te direi quem és. Não tenho medo de dizer com quem caminho. De uns tempos para cá, tenho convivido com gente que nem sabe que existo até porque existiam bem antes de mim. Tem sido de meu agrado estudar a vida dos estoicos. Coragem, temperança, justiça e sabedoria e eis as virtudes que aprendo a cultivar no cotidiano e deixo bilhetes a esse respeito para quem está ao meu redor.