Fui pego. Pus-me trêmulo, de pernas bambas. E tive os calafrios sentidos por Zezinho quando conheceu Zica, uma prima bem jovem do meu pai que por duas semanas esteve conosco quando eu mal havia ingressado na adolescência. Falo daquela danada branquinha e de olhos verdes por quem Zezinho e eu quase morremos.
Sofri calado. Jamais deixaria transparecer o aperreio mal contido no coração juvenil. Faltava-me a coragem para confessar um amor a ser retribuído, não tenho dúvida, com o deboche da moça que tinha idade superior à minha e com uns puxões de orelha do velho Juca.
José Neiva 90 anos de uma vida bem vivida em família
O início de tudo
Nascido a 26 de junho de 1932, no sítio Riacho dos Cavalos, município de Esperança, José Neiva Freire viveu sua infância, até os 5 anos de idade, na cidade onde nascera. João Neiva, seu pai, carpinteiro por vocação, vendia fumo de rolo em dias de feira. A mãe, Corina, provia os inúmeros e preciosos afazeres domésticos.
Período em que a família passaria a residir no sertão da Paraíba, em São Mamede, quando o pai colocaria em prática seus pendores de artífice, durante o período de construção do mercado público da cidade. O dinheiro, percebido por aquele trabalho, mal dava para suprir as necessidades da feira. Ou seja, só dava mesmo para juntar uma cuia de feijão, uma de farinha e outra de milho.
Na manhã de sol ofuscado por nuvens escuras que sinalizavam o veranico de janeiro sobre a cidade de Alagoa Nova, Gonzaga e eu sentamos na praça, enquanto Antônio David buscava ângulos diferentes para registrar cenas do cotidiano da cidade, sobretudo no entorno da igreja.
Três da tarde, começo de outono. Muita, mas muita gente, mesmo, nas mesas espalhadas pelas calçadas dos cafés e restaurantes de toda a cidade, sob o sol intenso, surrealisticamente frio. Largos e longos barcos descobertos, apinhados de turistas, indo e vindo pelo Sena, passando por baixo das tantas pontes. Uma multidão enorme – com muitos, muitos chineses, muçulmanas, japonesas com elegância de Audrey Hepburn em “My Fair Lady” - locupletando a vasta praça agitada por pombos, ante a catedral de Notre-Dame. Um despropósito, a fila que se estende pelo passeio de uma rua da mesma ilha fluvial – Île de la Cité - pra ver a Sainte-Chapelle. Uma quantidade assombrosa de gente nos ônibus abertos abarrotados, em todas as ruas.
Telhados disformes, paredes manchadas, uma massa cinzenta sob a chuva contínua e de pingos gélidos de julho, chuva que vai e vem em uma sequência imprevisível. Ao longo, árvores intraduzíveis, montanhas escondidas. No inverno, também são feitas belas telas, só que o pintor prefere usar uma paleta de cores de tons pastéis, do branco embaçado, do chumbo poético.
João Manoel não conversava detidamente comigo há mais de vinte anos. Numa das últimas reformas gráficas com que tentou renovar e manter o semanário “Contraponto”, lembrou-se do antigo gráfico que eu fui. Fiz-lhe ver que pouco, muito pouco podia ajudar, inabilitado por completo pela mudança radical de técnicas e sistemas trazidos pela informática. E naquele reencontro de falas e olhares, por não mais que alguns minutos, contivemos, mudos, o desabafo de mútuas e profundas afinidades de leitura e de comportamento humano, social e político enraizadas para toda a vida.
Lá na Serra do Teixeira, cariri paraibano, está o palco dessa história, a cidade de Princesa Isabel, onde nos idos de 1930, o Coronel José Pereira, chefão da política naquelas brenhas de mundo, como retaliação ao governo da província, diante de sua briga com o mandachuva João Pessoa, declarou que aquela localidade dali em diante iria ser “Território Livre de Princesa”. Princesa continuaria brasileira, mas apartada da Paraíba.
A Grande Pira
O tempo é a grande pira que nos consome
Pelas trilhas e opacidade das horas
Passo a passo, a cada dia.
E sem disfarces inúteis.
Até a eternidade de um momento
Em que não teremos nada
Nem rosto, nem história.
Só vaga lembrança reduzida a cinzas
Cinzas de ninguém.
Quando Pedro, o grande Tsar da Rússia, morreu em 28 de janeiro de 1725, sua mulher Catarina fez aquele país entrar na era dominada por mulheres no governo. Para uma nação de pulsos firmes e sangue nas mãos, ela conseguiu ser a protagonista de uma nova Rússia para aquele povo, com muita luta e imposição. As mulheres sempre encontraram imensas barreiras para construir um exemplo bom em suas vidas grávidas, ou com sangue no olho.
O repórter escolhe as fontes e faz o seu relato de acordo com suas afinidades e convicções ideológicas. Muitas vezes, a mesma pauta, o mesmo fato, tem versões diferentes e até conflitantes.
No jornalismo do meu tempo, o que vinha da reportagem ia parar nas mãos do redator, o chamado “copydesk”, que refundia a matéria, também segundo suas afinidades e convicções ideológicas.
A poesia de Augusto dos Anjos associa à expressão do afeto melancólico representações de acentuada ironia, na qual se resumem os paradoxos e as antíteses que afligem o eu lírico. Uma ironia que o poeta denomina “infausta” permeia sua visão de mundo e parece constituir uma alternativa, quando não um correlato filosófico, para a sua melancolia. A ironia aparece como depreciação do corpo, configurando-se num disfemismo que tende a privilegiar, nas representações da matéria, o mórbido, o desconforme e o fragmentado.
Todo matuto autêntico é por natureza calado. Quem conhece, sabe. E aqui não estou usando a expressão “matuto” com viés depreciativo. Não. Utilizo esta palavra porque ela é bem nossa, nordestina e brasileira, e sempre foi a que serviu e serve para designar o homem do campo, o homem rural profundo, o homem do “mato”, como se costuma dizer. Hoje eles são bem menos, com a urbanização galopante do país, mas já foram muitos, milhões, até recentemente. São os trabalhadores das fazendas, dos sítios, dos pequenos pedaços de chão, os que estão sempre olhando para o céu, procurando adivinhar as chuvas, os que tangem os bois, os bodes e as ovelhas, os que vão à cidade no fim de semana comprar mantimentos rústicos nas feiras ou armazéns, os que ainda usam chapéu de couro, roupa de mescla e alpercata de rabicho.
Sempre me impressionou esse silêncio dos matutos. Parece que se envergonham de falar muito – ou até mesmo pouco, como se achassem, talvez herança ancestral da escravidão, que não têm direito sequer à palavra. Mas há algo além dessa suposta vergonha e timidez: é uma sabedoria de vida que os faz limitarem-se, no falar, apenas ao essencial, dispensando todo o supérfluo tagarela, típico dos citadinos. Ouvem mais do que falam, sempre. Nunca tomam a palavra; restringem-se a responder laconicamente as perguntas que lhes são feitas. E isso é algo que passa de pai para filho, constituindo um traço cultural facilmente identificável, do mesmo modo que neles as mãos grossas, calejadas, são um traço físico concretamente palpável. Os matutos são sempre econômicos com as palavras. Não por avareza, mas porque elas lhes faltam mesmo. Seu vocabulário limita-se normalmente ao mínimo. É como se para eles as vinte e três letras do alfabeto fossem demais. Como se só precisassem de algumas vogais e algumas consoantes.
A sala quase toda escura, só a luz na mesa revelava a toalha transparente e, por cima, um pano vermelho aveludado onde as cartas do Tarô descansavam inertes. Uma vela acesa fazia a composição com o incenso que exalava um doce cheiro de canela. A sensação de curiosidade e medo deixavam uma leve excitação pairando no ar.
Quando ela entrou, senti que tinha algo diferente, misterioso, meu sexto sentido logo percebeu, tão acostumada que estou com anos e anos atendendo às mais variadas almas aflitas. Ela entrou, deu boa tarde e sentou, ainda com o olhar distante, como se tivesse vindo hipnotizada
Outro dia, “trêzontonte”, estava eu sofrendo de “palavras engasgadas”.
Sim! É uma moléstia bem comum, que ainda não consta no livrinho do CID (Classificação Internacional de Doença), mas é perigosa.
Palavra presa sufoca, dá nó na garganta e abatimento. Já vi muita amigdalite que começou com palavra ríspida que não desceu e se agravou com respostas oportunas que não saíram.
Trier é uma das cidades mais antigas da Alemanha. Em tempos remotos, chegou a ser uma das sedes do Império Romano. No final do século 18, a região foi ocupada, durante 16 anos, pela França. Foi em Trier que nasceu Santo Ambrósio, que é considerado um dos primeiros Doutores da Igreja Ocidental (ao lado de Agostinho, Jerônimo e Gregório). Ambrósio foi o filósofo que, segundo Bertrand Russel, estabeleceu as bases das relações entre o Estado e a Igreja.
Durante a minha infância, eu costumava, pacientemente, ver meu pai, Francisco Espínola, jogar xadrez na antiga sede do Esporte Clube Cabo Branco, na esquina das ruas Duque de Caxias e Peregrino de Carvalho.
O Clube Cabo Branco foi cenário da minha infância e da minha juventude. Situado no centro de João Pessoa, o belo casarão, em estilo neoclássico, lá se encontra até hoje, sendo agora uma repartição pública municipal. Felizmente, tombaram e não
derrubaram.
A Flor Azul do Rio Gramame é a liga ou mais literariamente o liame encontrado com astúcia pelo escritor José Nunes para colar ou encaixar em moldura de ficção o perene conflito de extremos sociais vivido e cada vez mais tenso e desumano num país inscrito entre os maiores exportadores de alimentos do globo. Perene como as águas do rio.
No Paraíso perdido (1667), de John Milton (1608-1674), o Canto I termina com um concílio entre os 12 anjos, discípulos rebeldes – Moloque, Quemós, Baalim, Astarote, Astorete ou Astarte, Tamuz, Dagon, Rimon, Osíris, Ísis, Hórus e Belial –, em pleno palácio de seu chefe, Satã, palácio que, não por outra razão, se chama Pandaemonium, Pandemônio, a reunião de todos os demônios, literalmente. É o momento em que eles começam a discussão sobre a rebelião contra Deus. O concílio avança pelo Canto II, com a fala de alguns dos rebeldes.
Eu havia escutado esta narrativa por intermédio do inesquecível amigo Josélio Gondim, mas só recentemente, numa das minhas idas a São Paulo, pude checar detalhes.
Esse tal Zé do Pé era muito conhecido da boemia intelectual de São Paulo nos anos 60 e frequentava as mesmas mesas no Bar do Museu, no Paddock e outros “templos” da época.
Duvido que houvesse menino, por malvado que fosse, capaz de caçar, ou machucar, uma lavadeira, aquele passarinho com plumagem branca e preta e uma máscara estreitinha, quase uma fita que se esticaria de orelha a orelha se, na verdade, orelhas tivesse. Sabem não? Aquelas avezinhas que lavaram a roupa do Menino Jesus.
Há 40 anos, o Brasil acordava de ressaca. Eu, ainda na versão menino de 12 anos, assim os 120 milhões de brasileiros à época, despertavam naquela terça-feira, 6 de julho de 1982, certos de que o dia anterior estava apenas começando. Aquele 3 a 2 inexistia, era inaceitável. Os deuses da bola teriam descoberto algum equívoco e corrigiriam aquele desfecho.