A geografia tem sido injusta e arredia com Gonzaguinha. A Paraíba, neste sofrido Nordeste, rarissimamente tem os seus talentos reveren...

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A geografia tem sido injusta e arredia com Gonzaguinha. A Paraíba, neste sofrido Nordeste, rarissimamente tem os seus talentos reverenciados. Triste terra onde ruge o vento nordeste. Sempre admiti que ninguém nasce na Paraíba impunemente. A história do Neguinho Gonzaga é a história de um sobrevivente que escapou da cilada da mediocridade que poderia ter lhe imposto o castigo de ser apenas um barnabé do massacrado e inerte do funcionalismo público. Refugiou-se como um apátrida na sua superior Inteligência e domínio das letras, e, passo a passo, dor a dor com sua humildade e grandeza, teve reconhecida por muito poucos a sua extremada eloquência literária. Tornou-se um arauto, e competente espião da alma humana da sociedade.

“Vide 'o mare quant'è bello!  spira tanta sentimento...  Comme tu, a chi tiene mente,  ca, scetato, 'o faje sunná!” Torn...

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“Vide 'o mare quant'è bello!  spira tanta sentimento...  Comme tu, a chi tiene mente,  ca, scetato, 'o faje sunná!”
Torna a Surriento

"Era setembro de 2015, voltávamos da Úmbria, onde havíamos estado para conhecer a escritora ítalo-americana Marlena di Blasi. Passamos bons momentos com ela e seu esposo, Fernando, na cidade de Orvieto.

Emplaquei 55. Foram muitos passos na superfície dessa redonda, e já houve algumas mudanças: a orelha cresceu e os sons diminuíram; uma...

Emplaquei 55. Foram muitos passos na superfície dessa redonda, e já houve algumas mudanças: a orelha cresceu e os sons diminuíram; umas quinhentas pintas e manchas apareceram; o cabelo embranqueceu; os olhos pediram óculos e o raciocínio perdeu potência, não passa de jeito nenhum dos 80 km/h. Mas não foram só perdas: ganhei também barriga, rugas, dor no ombro e um pouquinho de descrença na humanidade, mas, como diz Fabiola Lugão,

Eu vi o trem partir lotado de música e passageiros dançantes em seus vagões. O apito pedia para que as linhas paralelas de ferro perman...

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Eu vi o trem partir lotado de música e passageiros dançantes em seus vagões. O apito pedia para que as linhas paralelas de ferro permanecessem desimpedidas. E lentamente a serpente mecânica ganhava velocidade e se apequenava na curva adiante. Do ponto de partida, a estação ficou cheia de vazios, a plataforma antes apinhada agora era um espaço adormecido. E, ainda assim, possuía o ar cheio de memórias dos que já partiram para as feiras, as barcas, a vida.

Je ne suis pas prisonnier de ma raison. Arthur Rimbaud ▪ Une saison en enfer I Quem foi que preparou e ofereceu a primeira xí...

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Je ne suis pas prisonnier de ma raison.
Arthur Rimbaud ▪ Une saison en enfer

I

Quem foi que preparou e ofereceu a primeira xícara de chá, aquela de porcelana antiga azul com fundo estrelado, com o líquido verde cheirando a anis?

Eram xícaras desemparelhadas, remanescentes de antigos faustos, sobreviventes aos estragos do tempo. Algumas rachadas e coladas, mas as estrelas ainda estavam todas lá e, aos poucos, começavam a adquirir brilho próprio sob o líquido que, dependendo da luz, também mudava de cor: do verde da cana ao verde do mar.

Na adolescência, tive uma espécie de devoção ao Botafogo do Rio de Janeiro. Era um timaço. Junto com o Santos de Pelé formava a base...

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Na adolescência, tive uma espécie de devoção ao Botafogo do Rio de Janeiro. Era um timaço. Junto com o Santos de Pelé formava a base da seleção bicampeã do mundo em 58 e 62. Era o time do goleirão Manga, Nilton Santos, Garrincha, Didi, Amarildo e Zagalo.

Os contemporâneos da gameleira do Róger sabem disso, porque se divertiam gozando da minha cara, nas derrotas (raras, é bem verdade) do time carioca.

Antônio Maria foi cronista, compositor e muitas coisas mais. Suas crônicas, de forte tendência introspectiva, abordam sobretudo a b...

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Antônio Maria foi cronista, compositor e muitas coisas mais. Suas crônicas, de forte tendência introspectiva, abordam sobretudo a boêmia carioca dos anos anteriores à ditadura. Maria era um gordo melancólico, que vertia a sua tristeza em canções impregnadas de dor de cotovelo e em textos cuja tônica era a solidão.

Saber viver é uma arte. Pensando bem, tudo é arte, até fritar um ovo e fazer o nó da gravata. Tudo é arte. Viver, então, é a arte mai...

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Saber viver é uma arte. Pensando bem, tudo é arte, até fritar um ovo e fazer o nó da gravata. Tudo é arte. Viver, então, é a arte maior, porque envolve reter apenas o essencial, dispensando os acessórios, supérfluos pela própria definição. Saber viver, quem domina essa arte difícil que, como o samba, não se aprende na escola? É uma arte misteriosa, distribuída aleatoriamente pelos deuses entre os homens, independentemente de tudo: origem, cultura, riqueza, lugar de nascimento etc etc. É uma verdadeira arte democrática, sopra onde quer, como o vento e o Espírito Santo. Os franceses, mestres de quase tudo, chamam-na de “savoir-vivre”; nós, tupiniquins, a traduzimos literalmente como a arte de saber viver. E é isso mesmo.

Paraíba, 26 de junho de 2022

Paraíba, 26 de junho de 2022

Já escrevi sobre o assunto, mas é sempre bom voltar ao passado, sobretudo se esse passado é a infância. Pois é, gostaria de ter dinhe...

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Já escrevi sobre o assunto, mas é sempre bom voltar ao passado, sobretudo se esse passado é a infância.

Pois é, gostaria de ter dinheiro e coragem para essa volta. Se tivesse, compraria uma passagem para Praga. E iria atrás de um resquício da minha infância.

O menino nascido no ano de 1921, em Carnaíba, pequeno município da região do Pajeú , em Pernambuco, gostava de passarinhos e de ouvir ...

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O menino nascido no ano de 1921, em Carnaíba, pequeno município da região do Pajeú, em Pernambuco, gostava de passarinhos e de ouvir histórias do sertão, contadas por Lulu das Braúnas, Salustiano, o velho Clemente e Miguel Vaqueiro, tipos humildes com quem conviveu na sua infância e cuja lembrança ele carregaria pela vida afora. Depois dos primeiros estudos feitos em Carnaíba, o filho de Zeca Dantas, comerciante, fazendeiro e ex-prefeito do município, teria que ir estudar na Capital, para ser “dotô”.

Estou na varanda e Mochi, o gato, acompanha com a cabeça os movimentos dos passarinhos na árvore. Direita, esquerda, alto, baixo. Está...

Estou na varanda e Mochi, o gato, acompanha com a cabeça os movimentos dos passarinhos na árvore. Direita, esquerda, alto, baixo. Está hipnotizado, louco de desejo de pegar um pássaro. Cada movimento das aves é um fio que o faz se mexer como se fosse marionete. O silêncio da manhã é rompido por um riso curto. Eu me volto, nada vejo. Estou só. Mas eu a sinto, uma presença invisível que me espia. Ouço o seu respirar na minha nuca. Os lábios se aproximam dos meus ouvidos. Ela sussurra: “Não desdenhe do gato. Você é igual. Quem lhe controla?”.

      LUTO Luto Por um lugar ao sol, Para manter o sorriso no rosto, Para ter voz e vez, Para manter a altivez. Luto Pelo amo...

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LUTO
Luto Por um lugar ao sol, Para manter o sorriso no rosto, Para ter voz e vez, Para manter a altivez. Luto Pelo amor de cada dia, Pelo pão que sacia A alma... o corpo, Para mudar o que está posto. Luto Pelo direito de ser, Para continuar a sonhar, Para ter sempre algo bom A receber...a dar.

O nome da Rosa é um dos grandes romances da contemporaneidade. As ações se passam numa abadia, na Itália, no século XIV, por volta de ...

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O nome da Rosa é um dos grandes romances da contemporaneidade. As ações se passam numa abadia, na Itália, no século XIV, por volta de 1323, onde haverá uma discussão sobre heresia, mas também onde ocorrem assassinatos misteriosos. O franciscano Guilherme de Baskerville (Guglielmo da Bascavilla), ali se encontra, envolvido com os dois fatos, acompanhado do noviço beneditino Adso da Melk, o narrador da história.

      DA ESPERA Vivemos um tempo de esperas. Esperamos, a cada dia, que o dia seguinte seja mais promissor. Esperamos ...

 
 
 
DA ESPERA
Vivemos um tempo de esperas. Esperamos, a cada dia, que o dia seguinte seja mais promissor. Esperamos que as horas maçantes, vazias, passem logo.

Para Suênia Bandeira “Olha p’ro céu meu amor, vê como ele está lindo...”, me arrepio todo. Começou a tocar o clássico de Luiz Gonz...

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Para Suênia Bandeira

“Olha p’ro céu meu amor, vê como ele está lindo...”, me arrepio todo. Começou a tocar o clássico de Luiz Gonzaga , a máxima expressão de nosso forró e festa de São João. Vejo o carro de som, uma Kombi montada com vários fones em cima e luzes fluorescentes davam o destaque, iluminando o final do arraial que também era alumiado com uma gambiarra de bicos de luz amarelas e o céu enfeitado de bandeirolas, um colorido que emocionava. Cada passo dado, o arrepio se acentuava. O medo de errar a coreografia e a ansiedade de ver a família causava um friozão na barriga. Para um garoto de 13 ou 14 anos, esse espetáculo é marcante. Naquele instante vamos entrar no arraial e exibir o que foi ensaiado desde finalzinho de março.

O pequeno grupo já estava formado e, como sempre, bem atento. Sem interromper o trabalho Seu Macedo, sapateiro dos bons, deu sequência ...

nostalgia cronica sapateiro
O pequeno grupo já estava formado e, como sempre, bem atento. Sem interromper o trabalho Seu Macedo, sapateiro dos bons, deu sequência à conversa. Havia acabado de lembrar do que se passara com Antonio, o vizinho, nos idos de 1944. Precisamente, em 6 de junho, o Dia D do ataque aliado às tropas de Hitler, na França ocupada.

Pobre do Herodes ingênuo Pobre do ingênuo Caifás, Pobre do ingênuo Sinédrio, Pobre do ingênuo Anás, Pobre do povo gritando Fazendo esco...

via sacra musica popular erudita ilza nogueira
Pobre do Herodes ingênuo Pobre do ingênuo Caifás, Pobre do ingênuo Sinédrio, Pobre do ingênuo Anás, Pobre do povo gritando Fazendo escolha, pensando saber de tudo que faz.

Quando o “Oratório Via–Sacra” terminou, em suas três apresentações na Semana Santa de 2005 (sob o maravilhoso teto da igreja de São Francisco), o público delirava. Na derradeira apresentação, lágrimas em alguns coralistas, lágrimas em alguns músicos, a mesma emoção, certamente, que fez Cida Lobo me dar aquele abraço e dizer-me, com voz embargada, que cada centavo investido ali pelo FIC fora muito bem empregado. Eu mesmo, autor do texto, estava embasbacado. Porque sequer imaginava

Ao longo do tempo o mundo assistiu a degradantes exemplos de como o ser humano pode se humilhar para estar junto ao poder e até event...

Ao longo do tempo o mundo assistiu a degradantes exemplos de como o ser humano pode se humilhar para estar junto ao poder e até eventualmente beneficiar-se desse poder.

Já contei aqui sobre a cena do Fula de Bauma, magistralmente retratada no belíssimo filme “Amistad”, do meu colega diretor Spielberg. Em uma cena os escravos vindos da África e que foram capturados a bordo do tal navio em alto mar, estão acorrentados em celas infectas e entra o advogado com suas caras roupas e um enorme chapéu. Um dos escravos pergunta ao outro quem era aquele. Pela importância, o outro responde que deve ser o ‘Fula de Bauma’, referindo-se à mais alta autoridade da região africana de Bauma, cuja função era recolher esterco para adubar o roseiral do Rei, o que lhe dava enorme distinção no reino. Um terceiro cativo pergunta ao que recebera a informação quem era o personagem e ele resume; “- É o catador de bosta”.

Intranscendencia virtuosa – enquanto adjetivação – soa estranhamente, já que a primeira palavra do termo não figura em dicionários, ten...

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Intranscendencia virtuosa – enquanto adjetivação – soa estranhamente, já que a primeira palavra do termo não figura em dicionários, tendo apenas resultado da canhestra tentativa em definir o que no mundo das Artes chega a ser uma recorrência que pode, tranquilamente ser vista como mundana: a capacidade ou estágio produtivo de alguém de reconhecível talento para o grafite ou para as paletas, mas cuja pratica profissional evidenciou um modo de paralisia conceptual, traduzida num contínuo “repeteco”, “sem graça”, de recursos, sem disposição ou estímulo para abordagens linguísticas que suplantem marcos anteriormente atingidos, ficando assim, comodamente assentado pelos arredores de sua pratica (técnica) razoavelmente bem aceite.

Leio, nas páginas do Abelardo Jurema, nota registrando a realização do festival do Bode Rei, nas terras do Roliúde Nordestino, criaçõ...

wills leal festa bode rei cabaceiras jornalismo paraibano
Leio, nas páginas do Abelardo Jurema, nota registrando a realização do festival do Bode Rei, nas terras do Roliúde Nordestino, criações do espírito irrequieto do amigo que já se foi do nosso convívio, criações essas que nas mãos de quem verdadeiramente sabe o que é turismo canalizaria alentados grupos, no mínimo, para se deliciar das delícias culinárias produzidas com partes dos súditos desse monarca, cuja realeza, quem sabe, logo também será transformada, no gostoso picado, que o pernambucano chama de sarapatel, que tanto nos delicia.

"Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro!”, estes versos são de um poema antológico do português F...

gonzaga rodrigues aniversario cronica literatura paraibana
"Mestre, meu mestre querido! Coração do meu corpo intelectual e inteiro!”, estes versos são de um poema antológico do português Fernando Pessoa, passando-se por Álvaro de Campos. Não sabemos quem é o mestre, mas o poeta revela dedicação que ultrapassa os limites do amor de pai, de tão grande que é essa veneração.

Ainda bem que restam uns dois ou três canais de TV franqueados ao filme documentário. Fraco das ouças, derreei sem graça na cadeira m...

nostalgia trabalho rural musica amelia
Ainda bem que restam uns dois ou três canais de TV franqueados ao filme documentário. Fraco das ouças, derreei sem graça na cadeira mais próxima, nesta segunda-feira, por não ouvir com a clareza desejável o telefonema de Guilherme Cabral — página em pessoa da pauta cultural de A União — a perguntar-me sobre os anos, esse amontoado já confuso de anos e de situações. Certamente como me sentia. Disse-lhe que me sentia sem culpa.

Não há como tapar o Sol com a peneira. A velhice nos empurra para a síntese, para o essencial. Viver, simplesmente viver, respirar, é o...

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Não há como tapar o Sol com a peneira. A velhice nos empurra para a síntese, para o essencial. Viver, simplesmente viver, respirar, é o que importa. Alguns velhos acham que tudo já foi visto, que tudo já foi dito, e que não se deve perder mais tempo com as coisas do mundo. É o momento do “silêncio das línguas cansadas”, na expressão do compositor Zé Rodrix, em uma de suas belas canções – Casa no campo.