Por mais que as prefeituras enfeitem os grandes centros urbanos, São-João bom mesmo é em cidade do interior. Mas será que depois da tel...

Por mais que as prefeituras enfeitem os grandes centros urbanos, São-João bom mesmo é em cidade do interior. Mas será que depois da televisão e do computador ainda existem aqueles redutos caipiras onde é possível se impregnar do espírito da festa? Certamente que não.

Não há mais agrupamentos urbanos como o que Drummond eternizou no poema “Cidadezinha qualquer”. A simplicidade dos versos e o rigor na seleção das imagens fazem dele uma pequena obra-prima. Vejam:

Devo inicialmente esclarecer que o título acima foi emprestado de uma crônica do mineiro Ivan Angelo (assim mesmo, sem acento circunfl...

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Devo inicialmente esclarecer que o título acima foi emprestado de uma crônica do mineiro Ivan Angelo (assim mesmo, sem acento circunflexo), constante do livro Certos homens, Arquipélago Editorial, 2011. Achei que poderia aproveitá-lo para dar-lhe outro enredo, fazendo o que no mundo da música costuma-se chamar de "variação sobre mesmo tema". Reconhecida e paga a dívida autoral, vamos então ao que interessa, ou seja, passemos à varanda. À varanda gourmet.

Paraíba, 5 de junho de 2022

Paraíba, 5 de junho de 2022

A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um am...

junho inverno chuva cronica literatura paraibana
A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um amontoado de espaço, com coqueiros próximos a balançar embalados pela música da ventania. Ali perto, faróis refletiam os pingos decaídos dos céus, em cíclica renovação. A previsão é que serão muitos mais, milhares, milhões, incontáveis, nas próximas horas. Meteorologicamente falando, era vermelho o alerta, realisticamente percebendo, eram perigos e poesias se aproximando.. Junto abraçava a temporada, eu abraçava junho.

Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos nesse 2º livro de memórias de Haroldo Escor...

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Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos nesse 2º livro de memórias de Haroldo Escorel Borges. E voltei a me ver no que sempre fui sem forçar a natureza: justamente aquilo que na cultura do meu interior brejeiro as comadres e compadres chamam de “uma pessoa dada”, que se dá com todos. Eu.

Uma mostra: nas páginas que ele consegue enumerar, nome por nome, os moradores do seu tempo no Miramar de Dorgival Terceito Neto, Wilson Cardoso, Genival Luis Pereira, meu dileto amigo Benedito Belo, numa lista sem fim de A a W, vejo-me dando um banho. Se chamassem todos à janela na hora da minha caminhada, eu só perderia para Damásio Franca que, no âmbito de sua classe, entrava sem pedir licença em todas as casas. Mesmo nas dos adversários da política, iguais entre si no clube Cabo Branco.

Desde muito jovem, aquele caboclo alto, com voz grave, se destacara como poeta na região que envolvia os municípios de Sumé , Prata, Ou...

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Desde muito jovem, aquele caboclo alto, com voz grave, se destacara como poeta na região que envolvia os municípios de Sumé, Prata, Ouro Velho e Monteiro, no Cariri paraibano, e que se estendia pelas adjacências de Pernambuco. Aos rigores dos trabalhos na labuta dos roçados e do trato com o gado, o caboclo sempre preferira o pandeiro, o triângulo, os repentes e as cantorias. Ele tinha um sonho: ver uma música sua gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, para quem escrevera várias cartas, sem receber nenhuma resposta.

Penso que nasci no lugar errado. Detesto o clima dos trópicos, esse forno de siderúrgica que não respeita estação do ano, e o “barulho ...

cronica cotidiano nostalgia facebook
Penso que nasci no lugar errado. Detesto o clima dos trópicos, esse forno de siderúrgica que não respeita estação do ano, e o “barulho crônico”, praga onipresente no cotidiano das bandas de cá.

Nunca tive na vida um lugar que oferecesse verde, água doce, frio e silêncio, “sonho de consumo” que não consegui desfrutar. No entanto, me vi na contingência de me conformar por aqui.

Para preservar a saúde, já apresentando sinais de fragilidade, optei, na reta final da vida, por ficar em “off”, construir uma espécie de “universo paralelo”,

Debutava o ano de 1979, o primeiro dia de Janeiro, dezoito horas, eu rumava para o Recife depois de uma feliz noite com a família. Tinh...

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Debutava o ano de 1979, o primeiro dia de Janeiro, dezoito horas, eu rumava para o Recife depois de uma feliz noite com a família. Tinha uma importante reunião no Governo de Pernambuco no dia seguinte tinha que estar no Recife.

No leito da estrada tudo fluía tranquilo, conduzia com calma nas proximidades das Sete Lagoas perto do acesso a BR 101. Na margem esquerda distingui um coletivo estacionado num precário acostamento, e vi que algumas pessoas pelo lado traseiro do ônibus pessoas se precipitavam para atravessar para o lado oposto da pista.

Acabo de ver a propaganda de uma nova tradução da tragédia Hécuba , de Eurípides, da qual se apresenta um dos versos, como exemplo de t...

mitologia tragedia traducao hecuba camoes
Acabo de ver a propaganda de uma nova tradução da tragédia Hécuba, de Eurípides, da qual se apresenta um dos versos, como exemplo de tradução decolonizada, seja lá o que isto significa. O fato é que a tradução do verso específico me deu arrepios. Trata-se do verso 714 – Ἄρρητ᾿ ἀνωνόμαστα, θαυμάτων πέρα –, literalmente, “coisas inexprimíveis, inomináveis, além das coisas espantosas”, expressão de Hécuba para mostrar a sua indignação e seu horror com a morte do filho, Polidoro, morto pelo seu anfitrião, o rei trácio Polimestor, a quem fora confiado pelo seu pai, o rei Príamo.

Com a devida licença poética, eu acho que o cronista é um observador de invisíveis, um tipo de jornalista investigativo de coisas e fato...

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Com a devida licença poética, eu acho que o cronista é um observador de invisíveis, um tipo de jornalista investigativo de coisas e fatos corriqueiros, imperceptíveis e até desimportantes. É alguém que relata consternado a história de um pé de milho que nasceu espremido entre a rua e o meio fio, ou que descreve com a precisão de um anatomista o corte milimétrico do queijo servido na casa do seu primo “mão de vaca” ou ainda que consegue descrever minuciosamente seu ciúme ao ver a filha de 3 anos suspirar apaixonada pelo coleguinha bem mais velho, um sujeito de 4 anos.

MORMAÇO A tarde desfaz seus laços nos vãos dos últimos raios de sol. Já eu, noturna, vago, por esse espaço, de...

MORMAÇO
A tarde desfaz seus laços nos vãos dos últimos raios de sol. Já eu, noturna, vago, por esse espaço, de amarela cor e quente mormaço.

Momento do almoço, mas decidiu aguardar uma fome tão atrasada quanto o trem tomado, duas horas antes, na Capital, a fim de repetir o percu...

conto nostalgia ferrovia romance estacao trem
Momento do almoço, mas decidiu aguardar uma fome tão atrasada quanto o trem tomado, duas horas antes, na Capital, a fim de repetir o percurso matutino de todas as segundas-feiras até a fazendinha herdada do pai.

A parada naquela estação, a meio caminho do seu destino, teria ocorrido uns 40 minutos antes se o maquinista houvesse mantido a marcha habitual. Bem que percebera, desde a saída, os espirros mais lentos da chaminé

Tomei conhecimento de que choveu em Serraria e em todo entorno. Água que desceu pelas encostas, correu pelos regos para desaguar em ...

Tomei conhecimento de que choveu em Serraria e em todo entorno. Água que desceu pelas encostas, correu pelos regos para desaguar em barreiros e alagou baixios. Quando chove na região, logo brotam as florezinhas brancas e amarelas nos campos. Nos aceiros dos caminhos o orvalho molha as canelas de quem passa. O perfume da terra molhada faz esquecer os dias e os momentos tormentosos do período da estiagem.

Andei 315 quilômetros em 10 dias percorrendo o caminho de Santiago de Compostela pelo interior da Espanha. Temperatura matinal média de 6 ...

Andei 315 quilômetros em 10 dias percorrendo o caminho de Santiago de Compostela pelo interior da Espanha. Temperatura matinal média de 6 graus, chuvas insistentes, ladeiras que eram subidas e descidas varias vezes por dia em altitudes de até 1.500 metros. A secreção veio como uma velha amiga do peito, a respiração tornando-se mais difícil e a cada passo a incerteza de que haveria condições de dar o passo seguinte. Muito cansaço. Cada etapa vencida mostrava o quão distante eu estava do que havia planejado.

A violência destrói os afetos e toda dignidade humana. Isso gera um pessimismo, e sua desesperança contribui para forçar uma sedutora fal...

filosofia spinoza espinoza
A violência destrói os afetos e toda dignidade humana. Isso gera um pessimismo, e sua desesperança contribui para forçar uma sedutora falsa imagem do indivíduo, de forma a transformar as mentiras em ideologia. Diante dessa tirania, faz-se necessário aguardar a sua autodestruição. Entretanto, é possível construir uma esperança através dos afetos, porque existe na própria consciência uma necessidade de não suportar uma mentira por um longo tempo.

Tivemos a impressão de que Spinoza havia estado na Islândia antes de descrever sua ideia de Deus, no texto que se atribui a ele e até hoje...

Tivemos a impressão de que Spinoza havia estado na Islândia antes de descrever sua ideia de Deus, no texto que se atribui a ele e até hoje maravilha quem o lê. Sobretudo os que têm pelo Criador amor, e não temor...

As cachoeiras que nascem das geleiras, deslizam por quase todas as montanhas e prosseguem desfilando nos córregos e riachos que cruzam a terra, ora coberta de grama e musgos, ora de pedras e areias vulcânicas, decerto comporiam parte da visão que inspirou o velho Baruch, há quase 400 anos.

Há quase setenta anos, quando saiu “Memórias do Cárcere” de Graciliano, o nome de Nise da Silveira achado entre companheiros de colônia p...

Há quase setenta anos, quando saiu “Memórias do Cárcere” de Graciliano, o nome de Nise da Silveira achado entre companheiros de colônia penal, na ditadura Vargas, tocou-me para nunca esquecer. Ainda mais com o julgamento que mereceu de um homem seco de gratuidades, que não elogiava nem mesmo para lhe abrirem a prisão, como se viu em seu livro. Mas pouco apurei sobre a vida de grandeza moral e profissional dessa mulher extraordinária.. Em sua coluna de ontem, Baú de livros, Neide Medeiros Santos enriquece seu currículo de presença ativa nas letras e na cátedra com o perfil dessa heroína das grandes causas sociais, mestre e autora influente na introdução da psicanálise de Jung na Universidade Brasileira.

O dia se iniciaria com suave e tênue luz ao pôr do sol, a florescer e a folhear as páginas de uma bela história de afeição ao livro e de p...

O dia se iniciaria com suave e tênue luz ao pôr do sol, a florescer e a folhear as páginas de uma bela história de afeição ao livro e de permanente estímulo à leitura. A tarde e a noite desenharam o cenário ideal e acolhedor da Usina Energisa, para receber a todos com esplêndido fulgor e sublime calor humano.

A começar com edição especial do Pôr do sol literário, os bons ventos elegeram os primeiros acordes regidos com poemas de José Américo, musicados por José Siqueira e bordados pelo tom vigoroso nas vozes de Isadora França e Daniel Seixas, ao piano. Sem, no entanto, deixar de compor festejado olhar do maestro Carlos Anísio, com afetiva releitura de magnificas partituras.

      Mas que coisa absurda que proposta indecente não sabes que eu sou gente com presente e passado? Para ficar ao teu lado que...

 
 
 
Mas que coisa absurda que proposta indecente não sabes que eu sou gente com presente e passado? Para ficar ao teu lado queres um mata-borrão que te absorva inteiro tua tinta e teu tinteiro… Agradeço o que vivi meu passado me orgulha não trago arrependimentos não sinto culpa ou tortura

Las cosas no son como las vemos, sino como las recordamos. Ramon del Valle-Iclán O dia nem bem se enchia de sol e ela chegava à praia ...

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Las cosas no son como las vemos, sino como las recordamos.
Ramon del Valle-Iclán

O dia nem bem se enchia de sol e ela chegava à praia com o terço. Andava de um lado para o outro, quase no mesmo lugar: em frente ao único bar daquela praia de pouca gente. Muita roupa e muito negro para aquele sol tropical e sua pouca idade. Parecia rezar. Sempre. Como se aquele caminhar diário fosse uma espécie de peregrinação, como se a praia do Bessa fosse Santiago de Compostela.

Capítulo I Meus pais, a Rússia e dias felizes de deslumbramento Retorno sempre às minhas lembranças, como filho pródigo do afeto e d...

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Capítulo I
Meus pais, a Rússia e dias felizes de deslumbramento

Retorno sempre às minhas lembranças, como filho pródigo do afeto e da felicidade vivida na infância. Transpira em mim sempre o prazer de revolver emoções por vezes pesarosas que latejam num distante passado. Diante de mim tenho a cumplicidade de uma xicara de café ladeada por um cigarro que arde solitário e sonolento, e ambos acalentam os meus nervos, que resistem à solidão, impregnados de fumo e de cafeína. Solitária, uma página em branco se exibe provocativamente, expondo-me a sua virgindade.

  (Para Carlos Pereira de Carvalho) Muitos vieram por terra, outros surtiram por mar, nuvens de flechas daqui trovões de pólvora...

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  (Para Carlos Pereira de Carvalho)

Muitos vieram por terra, outros surtiram por mar, nuvens de flechas daqui trovões de pólvora de lá Parahyba, Parahyba, rio ou braço de mar?!
Foi repente, recaída de adolescente.

Surtiu-me num momento da escrita ainda pela datilografia, o olho metálico do tipo a bater fixe na fitinha tisnada de preto ou vermelho no branco do papel.

Estas tiradas que o arrepio do rio me soprou, numa varanda ao poente do Hotel Globo, são do tempo em que a leitura dos cronistas velhos da cidade conseguira me empaludar com sua história, fazendo baixar alguma alma ou muitas delas sobre o escuro lodo secular daqueles telhados.

As possibilidades da engenharia genética são ilimitadas. Li que num futuro próximo será possível...

cronica humor dna rabo clonagem
As possibilidades da engenharia genética são ilimitadas. Li que num futuro próximo será possível fazer clonagens retrospectivas e, ativando a memória do DNA, recobrar determinadas características que as espécies perderam ao longo do processo evolutivo. Veio-me então à cabeça a possibilidade de readquirirmos nosso rabo.

O rabo nos traria inúmeras vantagens neste mundo regido pelo consumo. Quantas vezes, no supermercado, não deixamos de comprar mais coisas porque só temos duas mãos? O rabo funcionaria como uma terceira.

Há cem anos, em 1º de junho de 1922, nascia no Rio de Janeiro talvez a artista mais completa que o Brasil já teve. Refiro-me a Bibi Ferrei...

Há cem anos, em 1º de junho de 1922, nascia no Rio de Janeiro talvez a artista mais completa que o Brasil já teve. Refiro-me a Bibi Ferreira, de nome Abigail Izquierdo Ferreira, ou simplesmente Bibi, primeira e única. Uma verdadeira estrela, na mais completa acepção da palavra. Uma diva, como se costuma chamar as deusas de Hollywood. Foi atriz, diretora, cantora e outras coisas mais no mundo do teatro e do espetáculo, sempre com a marca de um talento extraordinário, daqueles que beiram a genialidade, sem nenhum favor. Quem teve o privilégio de vê-la no palco sabe que é isso mesmo, sem nenhum exagero.