Implicavam que a moradia era mal-assombrada. Fora de um espertalhão. Uns molecotes da rua resolveram pular uma das janelas semiabertas e d...
Caso de agiota
Sentimentos tão díspares... Às vezes, a lágrima trava. Choro mais por dentro que por fora. Mas não sufoco o medo. Mantenho acesa a espera...
Venceremos!
Minha sede não é qualquer copo d'água que mata Essa sede é uma sede que é sede do próprio mar Essa sede é uma sede que só se desata Se...
O silêncio dos amores
Caetano Veloso & Waly Salomão, Talismã
Octacílio de Queiroz cultivava e sabia muitas vezes mais do que pôde ou conseguiu escrever. Tive a fortuna do seu convívio de homem exempl...
Um repasse de mestre
Céu de bombas Não interrompam o cotidiano das serpentes. Elas não buscam no homem seu veneno. Jorge Elias Neto Por que choras por mim ...
O poeta sofre com o seu povo
Para admitir a influência dos Espíritos é necessário aceitar a ideia de que há Espíritos e que estes sobrevivem à morte do corpo físico...
Sintonia e afinidades
A dúvida relativa à existência dos Espíritos tem como causa principal a ignorância acerca da sua verdadeira natureza. Seja qual for a ideia que se faça dos Espíritos, a crença neles necessariamente se baseia na existência de um princípio inteligente fora da matéria.
Eu estava deixando a pequena Santa Luzia, onde nasci e me criei, onde podia desmaiar na praça sem medo (pois alguém iria me deixar em casa...
O deslocado afeto
A moda das comemorações de aniversários natalícios, segundo o livro The Lore of Birthdays, dos antropólogos americanos Ralph e Adelin Lint...
A última lua
O Filósofo está apaixonado. Demorou muito para admitir isso, mas agora não pode mais se enganar. Seria desconhecer as evidências, menospre...
Confissão
Início deste ano, recebi com muita desconfiança os votos de “Feliz Ano Novo”, mesmo vindo de pessoas de minha benquerença. Não precisava...
Lágrimas temporãs
Há cem anos, o paraibano Epitácio Pessoa , que presidiu o Brasil no período 1919-1922, decidiu dar ao seu estado natal, sempre pobre e car...
Porto sem fim
Há mais de trinta anos Firmo Justino, jornalista que entrou para a Magistratura da Paraíba, retornando às paisagens do Convento São Franc...
O Convento e seus mistérios
Na época da visita do meu amigo, o convento tinha sido restaurado, estava ainda mais imponente e carregava, como ainda mantém, o encantamento do magnífico conjunto arquitetônico barroco. Quem passear por seus longos corredores de largas paredes, pisar no assoalho de madeira dura e olhar as peças ornamentais que a mão humana moldou, silencia e escuta a quietude do lugar.
Se eu fosse rei ou imperador, assim como nas estórias que ouvia no tempo de criança no nosso sítio, em Serraria, recomendaria aos professores a levar seus alunos a este maravilhoso local, onde estão guardadas muitas histórias que ajudam a entender o passado da Paraíba, porque falam como um livro aberto.
Para amar o lugar onde nascemos, é por demais importante conhecer sua história, sabiamente profetizava Nathanael Alves.
Estive pela primeira vez no São Francisco, em 1979. Foi quando, por inspiração de Dom José Maria Pires, o poeta Waldemar José Solha e o maestro José Kaplan montaram a “Cantata pra Alagamar”, apresentada numa noite que me deixou abismado pela aclamação ao espetáculo e pela imponência do conjunto arquitetônico onde o evento aconteceu.
Então, após as revelações de Firmo Justino, levei minha filha Angélica para conhecer aquela inconfundível obra de arte. Grande foi sua admiração, apesar dos nove anos de idade. Pouco indagava, mas o semblante e os olhos arregalados davam pistas de seu encantamento ao contemplar detalhes dos corredores, as grossas paredes e as imagens pintadas no teto das capelas.
Todas as vezes que volto àquele lugar, vagueio na imaginação colhendo remotas imagens e histórias que os livros abordam, desde a fixação das pedras sobre pedras, conduzidas por muque humano até chegar a imponente edificação que conhecemos. Entre as paredes, o silêncio de Deus se manifesta em nós.
Em cada recanto observava-se misterioso silêncio. O vento entrando pelos janelões, espalhando-se pelos móveis antigos, caminha ao nosso lado durante o passeio pelas celas, extensos corredores e o horto florestal recebe a todos com seu frescor.
Meu amigo tinha razão quando convidou-nos a visitar o convento franciscano, e olhar por dentro a fabulosa obra de arte que eles deixaram.
O prédio com a torre apontando para o céu, o cruzeiro que nos recebe à entrada e seus arredores, tudo espalham emoções. Essas imagens carregamos pelo resto da vida.
- Não é uma beleza?...
A menina respondeu com acena da cabeça, e curtas palavras que tento relembrar.
Quase três décadas depois, a filha conduziu meu neto para igual visita, quando a pandemia nem dava sinais.
O convento franciscano continua com seus mistérios, criando emoções aos que ali se dirigem, mesmo em tenra idade.
Discordar é um ato que exige conhecimento de causa, mas também respeito ao interlocutor. Não transformar uma simples discussão num conflit...
Conviver com a discordância
Para os estudos em filosofia, uma definição básica para abstração é: operação intelectual em que um objeto de reflexão é isolado de fato...
Abstração
O filme Deus e o Diabo na Terra do Sol , do cineasta baiano Glauber Rocha, é considerado um dos grandes momentos alcançados pelo cinema do...
Sérgio Ricardo: um artista de muitas artes
Num shopping sem muito alvoroço, facilitando o olhar para o que resta do Cabo Branco, permaneci umas duas horas num luxo cintilante de p...
Enquanto fui ali
No período quaresmal, os preceitos da Igreja rigorosamente obedecidos. Quarta-feira de cinzas, recebíamos traços da cruz na testa: “Lembra...
Quaresma da infância
Não fosse Clodovil, o Correio das Artes teria sido extinto. Isso mesmo, falo de Clodovil Hernandes , o estilista que, em inícios dos anos...
Clodovil Hernandes e Acácio Werneck
Na Teogonia , Hesíodo mostra como a Terra, Gaia (Γαῖα), é a grande-mãe do cosmos, porque dela deriva toda a procriação. Ela pare o céu, q...
Terra, a Grande-Mãe
Ao ler “A mão e a luva” de Machado de Assis me deparo com um livro de toque muito diferen...
Uma leitura agradável
O romance traz a princípio o diálogo entre dois jovens rapazes que são amigos de escola, Estevão e Luis. Muito tristonho e por alguns momentos, chorando muito, Luis relata ao amigo o recebimento de uma carta de Guiomar, pondo fim ao namoro deles.
O livro é um romance realista e conta a história de Guiomar, uma moça muito bela, porém dotada de uma certa frieza e caráter dissimulado:
“ Guiomar em meio às afeições que a cercavam sabia manter-se superior às esperanças de uns e às suspeitas de outros. Igualmente cortês, mas impassível para todos, movia os olhos com serenidade...”
De origem humilde, tornou-se rica a partir do momento em que a baronesa, sua tia, lhe convida a viverem juntas, após s morte dos pais de Guiomar.
Como a tia baronesa é muito ingênua, dócil e nutre pela sobrinha um real amor de mãe, Guiomar se favorece da tia para lograr qualquer coisa de seu interesse, usando de artimanhas um tanto desonestas, frias e sempre em seu favor.
É permeado de nuances caracterizadas pelas insistências e desventuras dos possíveis pretendentes da personagem principal. Inesperado e revelador, o epílogo é a melhor parte do livro.Algo que surpreende o leitor. As ambições de Guiomar e o verdadeiro amor trocaram as bênçãos fraternais, ao se casar com quem ela realmente amava, e ao mesmo tempo revela o seu fascínio pela fortuna e por uma melhor posição social.
O romance foi publicado primeiro em forma de folhetim para somente depois ser lançado como livro no ano de 1874. Foi escrito por Machado de Assis (1839 – 1908 ), um autor de fundamental importância para a Literatura Brasileira. Ele é o Presidente Pérpetuo da Academia Brasileira de Letras como também foi o fundador da mesma instituição.
A obra de Machado de Assis introduziu o Realismo no Brasil. A crítica nacional e internacional o reconhecem entre os 100 maiores gênios da literatura universal. Ainda em vida alcançou fama e prestígio pelo Brasil e países vizinhos. Por sua inovação literárira e audácia em temas sociais e precoces, é visto como escritor brasileiro de produção sem precedentes; um dos grandes da literatura mundial, ao lado de Dante, Shakespeare e Camões. É também homenageado pelo prêmio literário brasileiro, o “Prêmio Machado de Assis”
Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca Maria, Maria Mistura a dor e a alegria Ma...
Maria Maria
Maria, Maria, M. Nascimento / F. Brant
Fantasiada de alegria dela mesma, Maria estava toda pintada e deixava o corpo nu. Pulava, cantava, com espontaneidade e alegria e força e poder, não muito comum de se ver. Quando ouço música, essa alegria e esse poder também me inundam, principalmente no Carnaval.
Por mais expostas que as mulheres possam aparecer, a exposição genuina é rara. O que vejo comumente? Muitas vezes uma alegria estudada, uma fantasia comportada, uma cachaça contida. A cena me comoveu. Maria destoava de tudo e de todas. Com o seu ar aborígene tabajara, ela explodia. Maria Maria! A expressão que Milton Nascimento cantou e se tornou hino de uma geração de mulheres que lutavam por seus direitos. Maria Mulher! Cunhã! Do dia 8! Do mês de Março!
Emocionada com a dança de Maria, imediatamente me lembrei do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés , minha bíblia dos anos 90, que tanto me elucidou e apaziguou diante de questões existenciais. Na introdução das suas análises de mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem, a autora pergunta: “O que é a Mulher Selvagem?”. E analisa:
Maria, dançante e emplumada de colares coloridos, era a representação dessa mulher estrumada!
Conheci Maria nos anos 70. Ao lado de seu hoje ex-marido, o professor Paulo Adisse, Maria fundou a Oficina Azul em Miramar, onde construiu sua família de filhos. A Oficina era um lugar de vanguarda. Abriu portas para outros que vieram depois, como o Parahyba Café, Felipéia e a Casa FurtaCor. Mas, diferente desses outros, era um local transgressor, porque a época assim pedia. Eram os tempos da ditadura e abertura política. Estávamos todas desgrenhadas e de sovacos cabeludos. Lá, havia moda, bebida, happenings, danças e toda uma ebulição inquietante de frequentadores, professores universitários e funcionários. Muita doidera, muita paz e amor, mas muita política dos costumes também. Um encontro azul, de liberdades e irreverências.
Anos depois, Maria abriu o Restaurante Oca (Av. Almirante Barroso) com toda a sua mentalidade orgânica, vegetariana etc. À época, o estabelecimento não tinha ainda o status de hoje desfruta. Adorava almoçar lá quando ia fazer compras na Mesbla. Aos poucos, os funcionários caretas e conservadores das instituições ao redor — advogados e gente mais bem comportada — descobriram os sabores das bardanas e das raízes da vida. Bela Gil nem tinha nascido. Comer gergelim era preciso!
Maria se chamava Elza. De caminho em caminho, adotou o Maria. Confesso que tive e tenho dificuldades até hoje, tamanha a força do seu nome, da sua pessoa. Não sou nem nunca fui tão próxima de sua vida. Mas sempre tive muito afeto nos abraços que nos enroscamos vida afora. Admiro-a. Pela simplicidade. Pelo seu comprometimento com a vida, talvez pelo contrário do que Pinkola Estés classifica: “A mulher moderna é um borrão de atividade”. Maria trabalha duramente, mas sem borrão. É folha inteira e branca que com sua arte do existir e do fazer vai colorindo os seus parágrafos.
Comprei muito das suas roupas alternativas. Já trocamos de roupa. De pele. Quem sabe! Gersal fresco e salgadinho... também comprava. Maria foi pro mato. Voltou. Dançou a dança da chuva. Do fogo. É uma deusa. Uma mulher poderosa. Assim como os lobos, ela “tem percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha”.
Nesse carnaval de tantas mulheres nuas e bombadas e empenadas/empanadas, ver uma mulher magra, seios à mostra, corpo de quem já tem a vida tatuada nos vincos e cabelos brancos, despertou-me a dimensão — que sempre tive e tenho — sobre o poder de um corpo que não cai! Isso só embelezou ainda mais o meu pensamento e minha certeza, se é que tenho alguma nessa vida. Tombar? Tombei!
Certa vez, nos anos 80, numa Maratona de Biodança com o mestre Rolando Toro — de quem fui aluna durante alguns anos — fizemos um exercício de identidade que era assim: todos numa roda, seminus, gente de todos os tipos e formas e idades, íamos ao meio do círculo dizer o nosso nome. Na época, uma colega de mais de 50 anos (eu tinha uns 30), com os peitos bem caídos (que qualquer mulher ligada à beleza institucionalizada esconderia entre mil corpetes), o corpo bem marcado pelos anos, foi lá na frente, a passos largos e seguros, e disse de alto e bom tom: “Meu nome é Alicia!”
Fiquei tão emocionada com a força que chorei! Se já tinha uma convicção sobre beleza feminina, corpo, tempo etc (e eu era magra e jovem) saí desse exercício sentindo o poder que a vida nos dá. Também fui na roda dizer meu nome. E nunca me senti tão poderosa com meu corpo magro, seios pequenos e um viço todo meu. O grito visceral, um grito da identidade of our own, não passava somente pelas des-formas, mas avançava pelas profundezas do nosso ser sem fim. Aqueles peitos volumosos e caídos e lindos não me saíram da cabeça e nunca mais me deixaram embarcar na mercadoria do silicone do dia. Somos quem somos, com nossas rugas, marcas e circunstâncias! E nosso Poder.
Pois os seios de Alicia, caídos, ou os de Maria, pintados, soltos e dançantes, me trouxeram à tona essa força guerreira das mulheres, que a nossa sociedade de consumo urge em destruir, nos empurrando de goela abaixo padrões magros, empinados e fabricados e falsos e mortos!
A imagem de Maria naquele carnaval me alimentou a alma e me fez celebrar minhas perguntas, minhas histórias e minha expansão. Com ela, continuo a homenagear as mulheres neste mês de março. A imagem da “mulher que mora no final do tempo" ou de “mulher que mora no fim do mundo... ela é amiga e mãe de todas as que se perderam, de todas as que precisam aprender, de todas as que têm um enigma para resolver, de todas as que estão lá fora na floresta ou no deserto, vagando e procurando”. E de onde bradamos — Nenhuma a menos!
Uma pecinha, duas pecinhas, três pecinhas... E temos as respostas para preencher uma palavra-cruzada, montar um quebra-cabeça, uma vida, u...
Filosofia brincante: Encaixe de peças
A revista Era Nova publicou na primeira página do Ano I, número 12, de 15 de setembro de 1921 um artigo de Coriolano de Medeiros sobre a v...
As festas do Imperador
Continuemos seguindo por estas praias. Cumprindo os passos de Anchieta , que escrevia seus poemas para a Virgem nas areias de Rerigtiba ...
Itinerário do Sol (2)
Muitos poetas capixabas nasceram e seguiram para outros Estados. Outros fizeram o caminha inverso e, mesmo nascendo em outros Estados, vieram morar, viver e escrever seus poemas no Espirito Santo. Assim é a vida.
A suprema arte é a raiz dos ausentes. Sim, muitos dos poetas que ora apresentamos aos leitores já são falecidos. Grandes poetas que deixaram seus passos em vida e seguiram com a morte, essa passageira inexorável do tempo.
Um dia te acharás sem inteirar a casa: ouvirás o marido ressonando, os filhos dormindo em calma… O espelho te acenará, te lembrará coisas da mocidade, coisas da meninice, te mostrará vindas algumas rugas; contemplarás o espelho, o quarto, a casa; perguntarás por ti mesma, pelo teu próprio destino — e o espelho fará silêncio: será o sinal de estares acordando.
Tanta cal, tanta cinza, tanto incenso e o vôo impraticável e o pesado projeto de cruzar o rio a nado e o caminhar feito um esforço imenso. Raro sujeito mostra-se propenso a alar as rédeas do seu próprio fado: objeto, o mais geral aceita alheado toda a cal, toda a cinza, todo o incenso. Contra a revolta, a palha da rotina; há aquele gesto ou grito que termina trocando uma bandeira por um lenço, e então seguir é ir carregando a estrada nos ombros – e com ela carregada vai a cal, vai a cinza, vai o incenso.
Não faz mal que amanheça devagar, as flores não têm pressa nem os frutos: sabem que a vagareza dos minutos adoça mais o outono por chegar. Portanto não faz mal que devagar o dia vença a noite em seus redutos de leste - o que nos cabe é ter enxutos os olhos e a intenção de madrugar.
Quem perguntará por mim quando a última passar com seu facão? Que mulher grave desfalecerá vendo apagados meus olhos na multidão? Que homem de bem guardará o adeus meu seco na palma da mão? Quem lembrará minha voz coral ausente em qualquer canção? Quem se pagará a herança inteira ou em pedaços do meu indivisível coração? E a quem a flor de raiz em mim fará os acenos do não?
Publicou seu primeiro livro de poesia, Rosa dos Rumos, em 1950. Na época, ingressou na Faculdade de Direito e no curso de Letras Anglo-Germânicas da Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, mas não chegou a conclui-los. Entre 1950 e 1970 colaborou nos periódicos cariocas O Semanário, Paratodos, Jornal de Letras, Diário Carioca, Diário de Notícias e A Noite. Em 1951, fundou as Edições Hipocampo, com o poeta Thiago de Mello. Nos anos 50, traduziu várias obras, entre as quais Parábolas e Fragmentos, de Kafka, e publicou o livro de contos O Vestíbulo, Conto & Vírgula, além de ensaios e peças de teatro. Recebeu, em 1955, o Prêmio Olavo Bilac para poesia. Em 1960 foi diretor da Biblioteca Pública Estadual do Rio de Janeiro e publicou o Pequeno Dicionário de Arte Poética. Teve poemas publicados na antologia Violão de Rua (1962), organizada pelo Centro Popular de Cultura da UNE. Sua poesia vincula-se à terceira geração do Modernismo.
Aqui estou, Pai Seu filho enjeitado pela eternidade Aquele que carregará Para sempre Em seu ventre Todos os males da Humanidade Por que você me fez carne? Por que você me deu o sopro da vida? Por que você me fez essa maldade? Pois não sou eu que existo Apenas e tão somente Segundo a sua vontade? Nas minhas mãos O sangue do meu sangue Na minha testa O selo do pecado De nada valeu ter me arrependido De nada valeu ter tanto chorado Seu desejo era me ver maldito Eu e toda a minha geração E é do fruto da minha árvore Que as piores coisas virão É dela que sairá Quem entregará seu filho amado E é só por isso que eu existo: Para ser o mal encarnado Que fardo pesado, Pai Que fardo pesado.
Para Carlos Drummond de Andrade Quero a palavra simples e pura A mais bela A mais curta Aquela que, de tão bela, Pareça qualquer Quero a palavra única Que, de tão precisa, Não enseje outra E que, de tão profunda, Pareça rasa E, de tão rasa, Permita o mergulho de poucos
Que lindos pés são esses que vejo coser as sendas do caminho? Que lindos pés são esses a ganhar asas no infinito (quando tudo se move numa torre de delírio?) São esses os pés que dobram a curva do impossível onde é refeito o destino São os pés que se aninham entre minhas pernas como velas em uma Nau de Sargaços um nosso reinventar de olhos (o vórtice do nosso redemoinho)
Advogado, professor e escritor. Formado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Estácio de Sá. Licenciado em Letras Português e Francês pela UFES. Mestrando em Estudos Literários pela UFES. Membro da Academia Espírito-santense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia de Letras de Vila Velha.
Você fuma seu Marlboro e dentro das calças sente tesão e medo. Eventualmente você mente. E embora tente quase nunca sente pelo mundo. Você respira fundo antes de dizer o que acha ser verdade. Em cada pausa uma nódoa. Uma náusea. Uma rosa virada ao avesso. Você acessa sites e seus gigabytes tornam o fim o seu começo. Você quebra a banca. Banca o foda. E tal e qual a lesma, toda prosa, lambe o musgo do muro para não morrer de fome. Você some na hora em que o bicho pega. Nega por três vezes quem jurou defender. Mas, você ri do que? Estica o dedo em riste e come alpiste com shake para emagrecer. Você caga e anda e sangra a cada dia uma gota da agonia que insiste em não ver. Você assina o cheque. Você risca a porta. E o som metálico do seu hálito faz jus a quem você diz ser. Você encontra e esconde, porque quer tudo. E ao reter engorda. E ao engordar explode tudo que não soube dividir ou conter. Você chora quando vê algo terrível e pensa que podia ser com quem ama. Ou com você. Tenta engolir mas engasga a verdade nodosa. Leva as mãos às faces distorcidas pelo horror, ao perceber que o anjo - ainda que alado - também morre afogado. E aí, nada mais há a fazer. Mem por você, que sou eu. Nem por mim, que sou você.
Exu bate os cascos no azul escuro do asfalto. Quando ele vem fala alto. Sua gargalhada estronda por sobre toda a cidade. Exu é permanência – imensa. E brevidade – evade. Exu bebe o fogo das taças. Não tropeça, Não trapaça. Galopa e conecta a terra com o avesso do que a revela.
Um poema para romper os tímpanos e dividir o átomo. Escatotrágico e volátil, como a baba da lesma na grama. Como a nesga da matéria radioativa ou a vida dividida em pacotes de dez. Um poema com antídoto para traças. Como se, baças, as letras tivessem asas que grafassem queimas & teimas & resmas. Ledas dançando com cisnes disfarçados de Zeus Um poema como se todo o dolo fosse seu. Cheio de palavras cruas. Feito você, nua a aquecer a noite da minha rua
Escritor e poeta, autor de Por baixo da pele fria (poesia, 1997), Entalhe final (conto, 1999), Quando o dia nasce sujo (poesia, 2005), De quando minha rua tinha borboletas (Crônicas, 2010) e Vácuo (poesia, 2014). Seu primeiro livro foi lançado na Catalunha com o título Per sota de la Pel Freda (trad. Joana Castells Savall, 2013). Encontro você no oitavo round (Record, 2020) é seu romance de estreia e venceu o Prêmio Sesc de Literatura 2020.
Ó rio Doce, quanto da tua lama são lágrimas de quem te ama! Valeu a pena o verso de Pessoa? De Drummond, o aviso-poema? Nada vale nada se a alma é pequena. Reside remota esperança nas histórias de toda infância. Existem urgentes cuidados nos temas da nossa sinfônica. Rápido reúnam músicos exímios em Linhares, Colatina, Baixo Guandu para tocarem peças clássicas e de nós afastarem os rejeitos da cobiça, palavras gastas e omissas, a negligência feita com pesados metais. Em Linhares toquem Villa-Lobos, Guarnieri, Guerra Peixe para relembrarmos os antepassados vindos de terras portuguesas, de campos africanos, das matas daqui mesmo e que resistiram a tudo. Nós também resistiremos! No programa em Colatina incluam o Concerto de Varsóvia de Addinsell para homenagear os bravos poloneses que resistiram em Águia Branca. Também resistiremos! Em Baixo Guandu não se esqueçam de Handel, Verdi, Wagner para celebrarmos brasileiros, italianos, alemães desbravadores de selvas e que a tudo resistiram. Sim, também resistiremos! O mundo todo marcou um encontro no Rio Doce. Os sons da orquestra capixaba combaterão a lama percorrerão o imenso vale, animando as pessoas para as lutas que virão. A chama da vida retornará aos poucos, trazida por cordas, sopros, percussão. A todos chegará o apelo musical – aos peixes mortos, às algas desmilinguidas, às avermelhadas pedras, aos pássaros caídos... Haverá lagostins novamente nas rochas submersas em Mascarenhas. Os cascudos voltarão às suas locas na altura de Barbados. E em Regência Augusta, perto do mar, águas limpas verão de novo os pulos dos robalos. Resistiremos. Resistiremos sempre. Como a pureza resiste dentro da gente. Como o futuro resiste em cada criança.
Não estive lá, mas é como se lá estivesse. A fumaça subindo, o rubro das chamas, pequenas explosões amareladas, o prédio inteiro iluminado pela última vez. Não estive lá, mas é como se lá estivesse. Por que nos agarramos a objetos, recordações, memórias? Como escrever poemas depois de Auschwitz? Não estive lá, mas é como se lá estivesse. Para que fazer poemas depois do Museu Nacional incendiado ao vivo e a cores? Não estive lá... Um ponto existiu no universo, num tempo do universo, e dele fumaça e cinzas subiram, foram aos céus qual miúdo sol se derretendo num sacrifício a Ninguém. Devem ter chorado por todas essas cinzas, chorado por toda essa fumaça. Muitos talvez ainda não saibam: perdemos um parente, perdemos pessoa querida, acabou-se o que era doce juventude. Foi-se para sempre um pedaço nosso, dissipado na fogueira desesperada. Mas tudo bem, a vida continua, o incêndio será extinto, o calor da hora passará. Tudo passa, tudo se acaba nesta vida. Mas precisava ser assim? Precisava ser tão rápido? Numa das salas do museu, a diretora Heloísa Alberto Torres combinou com o cientista Mello Leitão uma forma de contratar o jovem Augusto Ruschi que iniciava suas pesquisas de fauna e flora em Santa Teresa do Espírito Santo. Tantas histórias pra contar... Vi uma vitrine com imenso caranguejo do Alasca, vi o meteorito Bendegó, caído na Bahia, vi uns vidros com nove fetos humanos, mostrando cada mês da gestação. Respirei sofisticadas culturas indígenas. Ouvi o ronco das múmias do Egito, paradas aqui por engano porque iam pra Argentina e o Império as comprou. O que mais experimentei? Mostruários de insetos, de pedras e ossos. Muitos ossos, até os da preguiça gigante, quem sabe megatério de Cachoeiro de Itapemirim antes dos capixabas existirem? Examinemos o meteorito Bendegó. Para ele o incêndio não foi nada: já suportou temperaturas bem mais altas, o Bendegó. Não seria o caso de fazer nas ruínas plataforma de lançamento e mandar o meteorito girar no espaço de novo? Nós não o merecemos. Não merecemos mais nada depois dessa fornalha. Sim, estamos de luto, e falamos as palavras convencionais quando morre alguém da família ou do círculo de amizades. E repetimos a expressão: Esta é uma tragédia anunciada. Anunciada somente? É tragédia elaborada pouco a pouco, ano a ano por nossa incompetência, por nossa imprudência, nossa imperícia. Nós os humanos somos todos urdidores dessas dores, dessas fumaças que subiram das chaminés de fornos crematórios, e que agora se elevaram dos restos do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, Cidade Maravilhosa, Brasil. Não estava em Auschwitz, mas é como se lá estivesse. Não estávamos na Quinta da Boa Vista mas é como se estivéssemos todos lá desde as nossas infâncias curiosas. O que vamos falar pros netos? Dizer que as fumaças se dissiparam da mesma forma em Auschwitz e no crematório do Museu Nacional? Garantir que as duas tragédias se assemelham por terem matado pessoas? No nosso caso, destruíram numa só fornada o passado e o futuro de muita gente. Holocaustos não se fazem por acaso: nossa maldade os constrói. O que as cinzas do velho museu adubarão? Se pudesse, o próprio Bendegó deixaria a Terra depois desse horror.
Tu que tens a ilusão de tudo dominar, humilha-te. Do trigo fazes pão e da uva, vinho. Conservas o leite por mais tempo, ao transformá-lo em queijo. Em um animal juntas carne e o chamas carneiro. No boi reúnes mais carne, por gostares muito dela. Da mandioca brava tiras farinha: do mal arrancas algum bem. Mas por que cultivas o horror? Ele sempre integra tua história, o horror. Subjuga-te, tu que convertes em aço o ferro e o carvão. Eles sumirão se os dissipares. Nada substitui o original, até no mundo dos minérios. E é bom mesmo conservares sementes em abrigos seguros: se morrerem os germens das batatas, todas elas acabarão. Também entre os vegetais, nada substitui o original. Ajoelha-te, tu que aos poucos conheces as leis da natureza apenas para lhes obedecer. Nenhuma tu crias ou revogas. E és desobediente por natureza. Para teu bel-prazer, queres tudo amestrar. Tens animais em cativeiro para repasto teu, mas esqueces: eles não te pertencem. No reino onde existem, nada substitui o original. Ó povo rude, curva-te. Domaste poucas aves dos céus. Submeteste alguns seres das águas. Selecionaste bichos e plantas para te servirem assim ou assado. Erras se pensas que és o topo da cadeia alimentar. Acima tem outra besta-fera que de ti se nutre: tu mesmo, em teus desvarios. Nada substitui o original. Nem teus novos pecados. Levanta o rosto para responder: Quem te sujeita? Quem te amansa, infeliz? ( ) E aí? Continuas mudo? Guardas a boca somente para comer o feijão com arroz de todo dia? Isso até evitaria muita desavença... Até quando criarás o horror? Será isto, fabricar o horror, a tua natureza original? Verga-te então sob tua própria pequenez. Nada domesticaste, nem sequer a ti. E entre borboletas feitas com pão de forma e manteiga, igual à Lagarta Azul interrogando Alice naquele desenho animado do Disney, convém perguntar ao estranho que te habita: – Quem és tu?
Poeta e historiador. Ocupante da cadeira nº 17 da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL). Autor do Guia Preliminar do Arquivo Público Estadual (1981); do Catálogo dos Bens Culturais Tombados no Estado do Espírito Santo (1991, em coautoria); do livro de poemas A Obra Incerta (2000); da pesquisa histórica O Espírito Santo na Era Vargas: elites políticas e reformismo autoritário, publicada pela Editora da FGV (2010); da pesquisa histórica Esquadro e compasso em Vitória – álbum da Loja Maçônica União e Progresso, editada pelo IHGES (2010); e do Livro Novíssimo – poemas (2011). Publicou o ensaio biográfico Guilherme Santos Neves (2013, em coautoria). Em 2018, a Editora Patuá lançou seu livro, Manual prático do mistério – poemas. Em 2020, a Editora Cousa imprimiu a segunda edição do livro Novíssimo – poemas, a ser lançada brevemente.
Estrangeiros em nossa própria terra, sonhamos uma terra fabulosa, um mundo legendário, e vagamos sem rumo nesta busca do mítico país da venturança, hebreus em eterna travessia de um mar vermelho de sangue e vergonha, ponte entre o precário e o supino − via que nos leva ao divino. Pobres almas iludidas, mirrando em transe errático neste vasto território, à procura de outra terra nesta terra, de outro mundo neste mundo e outra vida nesta vida. Em busca de outra terra jamais encontrada, quantos índios pereceram! E quantos pobres diabos ainda zanzam nestas belas plagas, iludidos por um cruel engodo, esfíngico mistério, enigma simbólico, poético — enfeitiçados por belas metáforas! Terra sem mal, que tanto almejamos, mirífico país, sonho que aflige as nossas almas mais que o pesadelo, onde te encontraremos?
KOÃ, KUÃ – cintura KOÁ, KUÁ – cintura, quadril, anca, meio, centro do corpo KOÁ, KUÁ, KOARA, KUARA – furo, orifício, buraco, gruta KÕY – duplo, gêmeos, unidos KUÃY – preceito, mandamento, ordem KOÕ – pungir, queimar, irritar, arder KÕÕY – ofender, injuriar, desagradar
KU – língua KUÁ – porto, baía; quadril, anca, meio; orifício, buraco AKU – quente, tépido, cálido KUABA – saber, conhecer KUAKUBA – esconder, ocultar KUAPABA – sabedoria, conhecimento, ciência; sinal, marca KUAKUPABA – esconderijo, refúgio KUAPARA – sabedor, estudado, cientista, erudito KUAKUPARA – escondedor, ocultador
Autor de Eis o homem (FCAA-UFES, 1987), Poiezen (Massao Ohno/Ufes, 1990), Bundo e outros poemas (Unicamp, 1996, finalista do prêmio Jabuti 1997), Recanto - poema das 7 letras (Ímã, 2002) e Transpaixão (Edufes, 2009, 2. ed.). Indicado pelo Instituto Goethe-SP, ganhou do Landeshauptstadt München Kulturreferat e Fundação Villa Waldberta uma bolsa e estadia de 3 meses na Villa Waldberta, Alemanha, em 2001-2002, com o projeto do livro Terra sem mal, e foi writer-in-residence, por um mês, em 2002, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA. Experimenta linguagens e formas diversas, pesquisa culturas arcaicas, mitos, símbolos, religiões e propõe um sistema de pensamento cujo fundamento é a concepção do lugar sagrado.