Peço a Deus que Ele não permita que o destino me leve a morar em um apartamento de condomínio. Com todo o respeito aos que moram em edifícios e a centenas de pessoas que já se acostumaram e se adaptaram a esse tipo de moradia.
“Quem não gosta caia fora, escolha os livros que vão para a casa de campo ou para a ilha deserta. Com Carnaval não se brinca. Quem gosta já escolheu fantasia, escola para desfilar, ligou para os amigos do bloco, já sabe de cor o samba-enredo. Quem gosta nasceu assim, nem desgosto vai mudar."Rosiska Darcy de Oliveira, "Carnavalescas", em A natureza do escorpião
É muito comum se estigmatizar a figura do boêmio. A primeira imagem é a de alguém que leva um estilo de vida voltado para a farra, vagando pelos bares, aproveitando ao máximo os prazeres da noite. Pejorativamente procura-se classificar a boemia como comportamento de vadiagem. Talvez porque os espaços frequentados pelos boêmios sejam, de certa forma, considerados locais onde as pessoas se libertam da obrigação de estar rigorosamente enquadrados ao que definem as regras sociais.
Jornalismo não é literatura, mas sempre houve a tentação de se confundir um com a outra. A diferença entre os dois reside basicamente na forma como utilizam a língua. No jornal a palavra é veículo, e não fim. Ao contrário do que acontece no texto literário, ela “se apaga” para deixar transparecer o fato ou a opinião.
O calendarium eclesiástico luterano reúne diversos eventos litúrgicos dentre os quais o nascimento do Redentor é reiterado, relembrado e simbolicamente revivido. E vê-se na liturgia luterana que vida e morte são parte de um mesmo propósito: os ciclos do tempo calendarius são distintos e interligados, pois a vida a partir do nascimento de Jesus só se faz completa com sua morte de cruz, por condenação do pecar de muitos; foi por isto que ele veio ao mundo! E essa consciência é praticada em música, inclusive pelo próprio Martin Luther que, além de teólogo, foi também compositor.
Sobre Martinho, quem tocou fundo aqui na corda ou nervo mais sensível foi Ana Adelaide Peixoto ao lembrar “a imagem daquele homem enorme, aos prantos e aos frangalhos no velório, e com três filhos pequenos para criar. Chorei junto!”. E cravou-a para sempre.
Eu também, amiga. E foi a imagem desse homem enorme que me reteve, sábado passado, para não ir, de vontade própria, vê-lo inerme num caixão, de mãos cruzadas no peito sem ter sido ele quem as tivesse cruzado. E com flores que nunca pediu nem desejou.
Nem me lembro quando comecei a ir ao bloco das Muriçocas do Miramar. Mas lembro da primeira emoção que me atingiu em cheio, e que me fez seguir o bloco todos os anos, na quarta-feira de fogo, para sentir aquela sensação de novo.
Eu gostaria de ter a minha idade, mas sou mais velho do que eu mesmo. Preocupa-me o avanço da velhice , e vivo como se tivesse alguns anos mais... Ninguém me avisou de que a velhice dói. Não me preparei para ela...
De existência breve – embora “a arte seja longa” –, Jurandy Moura faleceu aos quarenta anos de idade, vítima de um desastre de automóvel. Foi um dispersivo. O único livro que lançou, “A Vida simples”, somente o fez graças a uma espécie de ultimato do ensaísta, crítico e ficcionista Geraldo Carvalho, cujas Edições Caravelas publicaram, além de Jurandy e do próprio Geraldo, Maria José Limeira, Archidy Picado e José Leite Guerra, autores até então inéditos.
Recentemente, a Professora Carminha Moura, viúva do poeta, recolheu e selecionou alguns poemas dispersos de Jurandy, que devem ser publicados pela Editora Linha D’Água, do economista Heitor Cabral. O título, “Iluminuras”, tomado de empréstimo a Rimbaud, condensa a concepção do autor a respeito do mundo e da arte poética.
Pois bem. Se a poesia de “Iluminuras” é solar, nem por isso deixa de ser noturna. Quer dizer, se o eu lírico procura expor, desvelar o mundo, este parece negacear o corpo, na medida em que os poemas são impregnados por uma atmosfera volátil, fluida, responsável pelo sortilégio da lírica de Jurandy Moura.
Embora contasse apenas dezoito anos de idade, quando da publicação da antologia da Geração 59, não se pode dizer que os seus poemas de então já revelassem um menino-prodígio. E ainda bem que foi assim, pois a condição de menino-prodígio nem sempre vaticina ou assegura um futuro promissor ao poeta-aprendiz. O de Jurandy foi conquistado a duras penas, a custo de muitas leituras, conquanto ele já o delineasse nos sete poemas publicados na coletânea. Ou seja, nos poemas de “Iluminuras”, “reencontramos quase as mesmas linhas de força da poesia inicial”, o que já mostra um poeta consciente do seu “projeto-do-mundo e do seu ofício de escrever/criando”.
Os poemas da antologia nos revelam um Jurandy tributário da Geração de 45, do surrealismo, de um certo Jorge de Lima, e das múltiplas influências do leitor voraz e veraz que sempre foi e continuou a ser por toda a vida. Mas apesar da visão original do mundo, nem sempre a articulava e a resolvia através da linguagem. Às vezes, a emoção corria à frente da linguagem, sem que esta conseguisse alcançá-la para evitar os exageros das efusões ingenuamente sentimentais. Que o diga o poema “Louca loucura”, em que o poeta, diferentemente dos seus poemas que soam como música de câmera, quase sempre em surdina, grita a plenos pulmões:
“A noite acende o meu desejo de ser louco/ (...)
Ele sabe do meu desejo de uma louca loucura./ (...)
Quando eu pisar numa pedra ela dirá: é louco.
Quando eu passar pelas ruas as casas dirão: é louco.
Então eu poderei cantar,/ eu poderei chorar,
eu poderei amar”.
Esse é o Jurandy Moura compatível com os seus verdes anos. O outro, embora já se entremostre na antologia, somente se revelará aos poucos, quando, fruto do labor e da pertinácia, saberá encontrar e diferençar a sua voz entre as muitas com as quais dialogou para a elaboração dos seus poemas.
Há um poema sem título, em “Iluminuras”, que desnuda o Jurandy de vida dionisíaca, gauche, “marginal”, agônica, compatível com o final que lhe foi reservado pelo destino. Ou, antes, por ele mesmo, uma vez que se deixou levar de roldão, à deriva, cegamente, vida afora insubmisso à vontade dos homens e dos deuses, administrando, ao seu modo, a sua trajetória terrena:
“(...) à merda as palavras vãs
(...) MELHOR MORRER DE VÍCIO
QUE DE DELICADEZAS
ANTES MORRER DE BALA/QUE DE MEDO
(...) Não lhe falte o fósforo ao cigarro
a chama viva em meio à fumaça
Vai alta a noite
os dias sempre passam
os abutres da fome a si mesmo desgastam
ainda é duro o combate
coração aberto ao mundo não se extinga a alegria
buscada embora no gargalo da garrafa”.
O verso “MELHOR MORRER DE VÍCIO/ QUE DE DELICADEZAS”, se não chega a ser uma apropriação intertextual, remete o leitor para o Arthur Rimbaud do poema “Canção da torre mais alta”, mais especificamente aos seguintes versos do simbolista francês: “Mocidade presa/A tudo oprimida/ Por delicadeza/ Eu perdi a vida”.
Este, aliás, é um poema que destoa do universo da poesia de Jurandy Moura. E isso porque os demais, na sua maioria absoluta, primam pela elegância, pelo comedimento, pelo decoro, pelos bons modos. São, enfim, poemas delicados, lhanos, suaves, contemplativos, nos quais o eu lírico, em nenhum momento, utiliza a palavra MERDA ou termos afins.
No caso, é necessário observar, a palavra MERDA reina única, absoluta, soberana e insubstituível, pois só ela, apenas ela, pode expressar o clima de angústia em que se debate um eu lírico que, atento às lamúrias de Rimbaud ante a mocidade perdida, extraviada, por conta da repressão e das conveniências sociais, grita em letras garrafais: “MELHOR MORRER DE VÍCIO/ QUE DE DELICADEZAS”.
Quando convocado para prestar um depoimento sobre João Cabral de Melo Neto, no livro “João Cabral de Melo Neto – Retrato falado do poeta”, da professora Selma Vasconcelos, da Universidade Federal de Pernambuco, Ferreira Gullar estabeleceu um lúcido cotejo entre o homem Cabral e a sua poesia: “A razão da poesia de João Cabral é esta que já falei primeiro, como todo poeta é uma necessidade existencial dele, psicológica inclusive, necessidade de ordem numa pessoa que tem uma fragilidade interior muito grande. Ele então se constrói, porque o mundo é inventado por nós, nós somos invenções nossas, nós nos inventamos, então João Cabral se inventou o contrário do que ele era, ele se inventou um poeta racional, objetivo, equilibrado e formal”.
Enfim, se o apuro formal, a contenção e a harmonia dos poemas de Jurandy Moura serviram de ponto de apoio e de equilíbrio à sua fragilidade, o verso “MELHOR MORRER DE VÍCIOS/ QUE DE DELICADEZAS” resume o seu estilo de vida e soa como um epitáfio.
O episódio nº 24 da Pauta Cultural entra no ar na ALCR-TV com notas literárias e participação de autores, leitores e telespectadores do Ambiente de Leitura Carlos Romero.
É dura a vida, no Brasil, de escritores que vivem e produzem fora do eixo Rio-São Paulo. No resto do mundo imagino que deva ser a mesma coisa, a mesma dificuldade de conseguir um editor importante e a necessária divulgação, aquela que pode tornar o autor conhecido, se não pelo grande público, ao menos pelo grupo mais restrito dos leitores contumazes. Deve ser dura também a vida dos que escrevem e vivem no Rio e em São Paulo, mas que ainda são anônimos e/ou inéditos, já que não é fácil, em nenhum lugar, obter reconhecimento.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
E não tivesse mais irmandade com as coisas.Fernando Pessoa
De vez em quando me assomam impertinentes pensamentos de que os dias estão se esvaindo numa incontida hemorragia em que o tempo celeremente vai sendo consumido. Tempus Fugit. E, o que o resta dos dias são apenas fagulhas efêmeras que mal conseguem alumiar os sentimentos de esperança. A vida segue rumo ao seu final num curso imprevisível.
Ora radicado em Moscovo, Rússia, o amigo Astier Basílio posava numa foto ao lado de uma pilha de livros, nada menos que a coleção de todas as edições do livro “ZÉ LIMEIRA, POETA DO ABSURDO", do escritor, poeta e pesquisador Orlando Tejo.
Sentado um instante, corpo inerte enquanto a mente acelerada pensava mil e uma coisas, nem todas com a utilidade de um Bombril, várias inservíveis, distrações cerebrais. E nem percebia que o mundo ao redor observava o distraído corpo que sustentava a cabeça feita uma metralhadora giratória.
Augusto dos Anjos, o poeta mais original da literatura brasileira, foi embora da Paraíba porque não lhe deram emprego de professor. Quase cem anos depois, não fosse o intelectual Waldemar Duarte, o busto do poeta não estaria no Parque Solon de Lucena e teria virado ferro velho, por falta de pagamento do governador caloteiro e mais não sei quem responsável pela encomenda na época.
O Dr. Arnaldo Tavares, dermatologista, professor fundador da Faculdade de Medicina da Paraíba, morreu há 28 anos, tempo bastante para vertiginosas transformações no comportamento e na vida de todos os povos. Uma delas: no seu tempo o sujeito ou objeto mais direto e principal do exame médico era o doente, a pessoa do doente e o seu físico, a apuração anamnésica, vindo depois os exames, a prioridade de hoje.
Em 1950, o Brasil sediava a Copa do Mundo de Futebol. No Rio de Janeiro, fora construído, às pressas, o estádio do Maracanã, onde foram disputadas as principais partidas do torneio e que passava a ser o maior estádio do mundo. Ao chegar aos jogos semifinais, o Brasil despontava como favorito para conquistar a Copa. Na última partida, antes de disputar o quadrangular decisivo, o time do Brasil goleara a Suíça por 7x1. No dia 13 de julho, a seleção brasileira entrou em campo para disputar, com a Espanha, o direito de participar da final da competição.
A ata de reunião, ou simplesmente a ata, é o registro escrito oficial de um evento. Deve conter tudo o que aconteceu na ocasião: data, local, participantes, pauta, e tudo o que for importante para aquela reunião. Ser uma cópia fiel do ocorrido.
Meu bisavô, coronel João Mendes, costumava dizer que o espelho mostra o caráter das pessoas. Vendo fotos antigas é possível reconstruir o retrato escondido no tempo. A fotografia e o espelho ajudam no esboço da reconstrução de fatos guardados na memória, a fisionomia escondida de alguém.
Todo mundo ama Vincent van Gogh. Especialmente agora, que ele está morto e seus ataques de raiva já não envergonham ninguém. Agora, quando já não escreve pedindo dinheiro aos parentes, não assedia as primas nem se casa com prostitutas, perde empregos, diz verdades inconvenientes ou tropeça, bêbado de absinto, pelas ruas.
Van Gogh comove multidões em 2021. Mas, em 1890, era objeto de riso nas ruas e de fuga dos amigos. Apedrejado pelos moleques, tido como louco por familiares, ninguém o desejava por perto. Desagradável, arrogante, insuportável e fonte de desgosto eram expressões recorrentes para identificá-lo.
Como eras minha, se deixaste de ser? Pouco importa que a lógica diga que tudo que é deixará de ser; ou que o que é só é porque promete que deixará de ser; ou que, na dialética metafísica, o não ser é que dá substância ao ser. Eu não quero esta ciência. Eu preferiria o inteiriço nada, na sua plenitude de não desfazer-se, do que ter-me sentido pleno e hoje ser apenas fragmentos de nada.
O esforço maior tem que ser o de não nos colocarmos como vítimas, em hipótese alguma. Por maior que seja a dor emocional que esteja nos abatendo. Expectativas frustradas costumam causar decepções, angústias e inconformismo. Ficamos procurando explicações para a ocorrência que nos surpreende. Aquele sentimento de injustiça que não quer nos desgarrar.
Pensamos descontinuamente e nossa mania de classificação, que nos torna um Homo taxonomicus (olha aí a mania...) nos ajudou a exacerbar essa postura. Segundo Richard Dawkins, a evolução não pode ser pensada descontinuamente (A grande história da evolução: na trilha dos nossos ancestrais). Ele traz como exemplo a famigerada ausência de fósseis intermediários entre os primatas, os chamados elos perdidos.
“Estamos brincando de Deus” – foi o que nos disse, recentemente, um cientista da histopatologia, amigo nosso, ao se referir às incertezas e consequências das vacinas produzidas para nos imunizar contra o vírus corona. Em sua advertida colocação, ele leva em conta os riscos de um experimento que não dispôs do tempo necessário para mais testes de segurança, a exemplo de outros imunizantes historicamente utilizados.