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A vida, sem desnorteios
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Catando e cantando
Protestos em favor das massas, contra a histórica exploração do povo pelo poder absoluto, mantenedor de gritantes desigualdades em regimes...
Música a serviço da justiça social
A história de mártires emblemáticos que lutaram em defesa dos oprimidos inspirou compositores clássicos em extraordinárias produções, como a trajetória do cossaco que liderou uma rebelião contra a nobreza aristocrática e os tsares do sul da Rússia. De origem camponesa, o ruteno Stenka Razin empreendeu, no século 17, longo trajeto pelas margens do Volga, influenciando o povo das estepes a se unir contra a tirania, expulsando cobradores de impostos, atacando a aristocracia, dominando cidades e destronando líderes do império tsarista.
O movimento empunhado por Razin eclodiu e transcendeu a diferenças inimagináveis a ponto de lograr convergência ideológica tanto de muçulmanos como de cristãos ortodoxos, cossacos e eslavos, inclusive de Moscou.
O poder imperial, no entanto, sufocou o plano de ação, que não chegou a 4 anos, e Stenka Razin terminou esquartejado em praça pública. O líder passou a ter sua saga inserida na lírica de respeitáveis poetas, músicos clássicos, no cancioneiro popular e transformou-se em símbolo da resistência contra a tirania do império durante séculos. Entre outras homenagens, após 238 anos de sua morte, uma estátua sua foi erguida a mando de Lênin, no dia do trabalhador, na cidade de Rostov-on-Don, sul da Rússia, próximo de onde nasceu.
Um dos maiores músicos do século XX, Dmitri Shostakovich, nascido em São Petersburgo, 1906, compôs uma sinfonia suntuosa inteiramente dedicada à memória de Stenka Razin. Ilustrada com poemas do notável poeta siberiano revolucionário, Yevgeny Yevtushenko, a obra-prima também ficou conhecida como “Babi Yar” (um dos poemas), que se refere à área ucraniana, um vale imenso, onde foram executados milhares de judeus, na segunda grande guerra, em 1941.
Yevtushenko ganhou notabilidade por pautar sua criação poética na denúncia explícita contra o anti-semitismo, à qual Shostakovich, que serviu ao Soviete Supremo, moldou sua 13ª sinfonia. Concebida em caráter recitativo, é tida como grande cantata para orquestra, voz (baixo) e coral masculino, mas bem que poderia ser encenada como uma magnífica ópera. O resultado foi estupendo. São cinco movimentos que duram uma hora de pura simbiose artística entre história, arte, drama, música e literatura.
O perfil declamativo marca toda a obra. As narrativas letradas (coro e solista) são melodramáticas e dialogam constante e intrinsecamente com a orquestra, o que faz a eloquência romântica preponderar. O incisivo caráter de protesto, às vezes marcial, emerge pontualmente com o texto envolvido pela majestade sinfônica, entrelaçados com a música sob total integridade harmônica. Contém passagens e cenários que vão do jocoso ao trágico, durante os quais toques de sino estão sempre a lembrar o ambiente inquisitório em que se desenvolve a brava sagacidade de Stenka Razin.
No primeiro movimento, “Babi Yar”, Shostakovich manifesta-se em tom de hino contra o massacre na região próxima a Kiev, em 1941. O contorno teatral sugere episódios dramáticos da vida de Razin, com alusões à hipocrisia dos poderosos que se dizem “protetores do povo”. É uma ampla denúncia oral-musical contra a repressão, contra o destino do personagem principal, em estrutura operística, interlúdios, com referências a obras como o “Caso Dreyfus”, o “pogrom de Białystok“ e a história de Anne Frank. Mas a trajetória do protagonista, que concedeu o nome mais importante à sinfonia – “A execução de Stenka Razin” – é o cerne temático desenhado com todo o suspense e emoção que o heroismo descrito requer, como mostra o trecho a seguir (em tradução informal):
“Em Moscou, capital de paredes brancas, um ladrão desce rua abaixo com um pão de semente de papoula. Ele não teme ser linchado. Não há tempo para pães Estão trazendo Stenka Razin! O czar abre um vinho de Malvasia, Diante do espelho sueco, espreme uma espinha, experimenta um anel de esmeralda e olha para a praça … Estão trazendo Stenka Razin!”
Na segunda parte, chamada “Humor”, predominam o clima burlesco, o deboche e a sátira popular, virtudes das massas que os tiranos frequentemente tentaram sufocar. Com intenção de zombaria, o autor cita um poema escrito pelo escocês Robert Burns, da época de Razin, sobre um fora-da-lei que na véspera de ser executado escreve um bem-humorado lamento.
O terceiro movimento é um adagio rito-litúrgico que ressalta a carestia sofrida pelo operariado, com limitação de acesso a bens materiais. Basicamente composto de bonitas e lamentosas canções, bem ritmadas, acompanhadas por cordas graves e trompas, entoadas em alternância entre o coro e o baixo. que caminham para o auge da dramaticidade, com a orquestra se sobrepondo a tudo num explosivo crescente, reforçado pelo grande coro, no ápice em forma de desabafo.
Profundamente sombrio e misterioso inicia-se o 4º movimento, um Largo nomeado como “Medo”, todo cantado com o texto de Yevtushenko, que a crítica costuma citar como um das mais ousadas orquestrações de Shostakovich. Há nele maior veemência no clamor contra a repressão soviética, enfatizada por furiosos arroubos que se alternam com suavidade musical, sempre em tom de suspense. Algumas dissonâncias propositais anunciam a coragem dos que marcham pela revolta, quando é declamado o excitante trecho (em tradução informal):
"Os medos estão morrendo na Rússia. Não temos medo de obras em nevascas Ou de entrar em uma batalha Sob o fogo de granadas. Corajosamente, camaradas, marquemos nosso passo”
Sucede-se a tensão rumo à apoteose sinfônica estonteante a prenunciar o desfecho com os derradeiros lamentos do cantor.
A última parte inicia-se suavizada pela melodia delicadamente emoldurada por sopros, sugerindo cores de esperança em ritmos saltitantes que se mesclam à festiva conversa entre o cantor e o coral. É um doce final, mais lírico, mais romântico, embora a sátira se faça pontualmente presente, como o compositor ousou surpreender na finalização inusitada de outras sinfonias. Conclui-se que haja neste último movimento um sentimento reconfortado de missão cumprida. Tanto de Stenka Razin, o herói, como do autor, igualmente laureado pela concepção de tão magnânimo trabalho.
A beleza criativa desta sinfonia, que reúne poesia, realidade e música grandiosamente lapidada pelas posições políticas e dons artísticos de Shostakovich, até hoje encoraja ativistas e idealistas que se empenham por um mundo melhor. O que nos faz desejar que a Arte continue a refletir os anseios de justiça e liberdade, em todas as formas de expressão, seja clássica ou popular.
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Mitologia finlandesa na música de Sibelius
Um pouco afastado do gracioso sobrado onde viveu, ainda existe o pequeno chalé que Grieg usava para escrever música. Um piano de parede, um sofá e uma estante com livros compõem a modesta e aconchegante decoração. Nada mais seria preciso ao enlevo criador, pois a visão que dali se descortina é estonteante. As noites de lua que cintilaram naquelas águas estão nitidamente refletidas no adagio de seu único concerto para piano e orquestra.
Poemas, sinfônicos ou literários, sinfonias, aberturas, óperas, balés, pinturas, epopéias, tragédias, dramas, comédias e tantas outras formas de arte foram admiráveis em narrar, homenagear, glorificar e retratar o assunto com magnífica amplitude e fidelidade. Romances, biografias, cenários paradisíacos, épicos ou dramáticos, sagas, lendas, sátiras, tudo deu origem a bem lapidada criatividade.
“Love in Bath”, de Haendel, “O ouro do Reno”, de Wagner, a “Sinfonia Alpina,” de Richard Strauss, “Prometheu”, de Scriabin, “A Pastoral”, de Beethoven, “As metamorfoses de Ovídio”, de Dittersdorf, a Sinfonia Fantástica de Berlioz, “Peer Gynt”, de Grieg, são exemplos de música incidental, descritiva ou programática, que desenham com excepcional nitidez os sentimentos que as produziram.
A “Sinfonia Kullervo”, de Sibelius, é um conjunto de 5 poemas sinfônicos que faz jus à forma e descreve com autenticidade impressionante a história trágica de um personagem da mitologia finlandesa que inspirou o médico e linguista Elias Lönnrot a compilar o épico poema “Katevala”, em 1835, a partir de canções fínicas antigas – “rúnicas” – impregnadas de feitiço e magia.
Para certos historiadores, a obra reflete o imaginário nacional do país nórdico. São 50 “cantos” com narrações que abrangem a criação do mundo, guerras, tragédia, paixões e heróis com poderes mágicos, até o prenúncio da chegada de um novo deus, supostamente o Cristo.
Nesta obra, Sibelius constrói a trajetória do desafortunado personagem que descobre que a família foi assassinada pela tribo que o acolheu após massacrar seu clã. Ainda criança, ele é vendido como escravo, sofre muito e consegue fugir ao ficar sabendo de que há familiares sobreviventes. Acaba por seduzir uma garota sem saber que é a própria irmã, julgada morta. Quando ela descobre, horroriza-se e comete suicídio afogando-se no rio. Kullervo enlouquece e a vingança ganha força capaz de fazê-lo voltar à tribo que o criou para, com seus poderes, exterminá-la. Sendo a desforra o propósito que o cegou, após satisfazê-lo, morre lançando-se sobre a própria espada.
Os cinco movimentos desta sinfonia relatam fielmente a parte do poema épico “Kalevala”, que se refere particularmente à saga do herói nativo, personagem marcado por vingança e sarcasmo que impressionaram Sibelius. Uma história que, 124 anos depois, inspiraria o escritor britânico J.R.R. Tolkien a criar, segundo os críticos, “o mais sombrio e trágico de todos os seus personagens” (A História de Kullervo, 2016).
Na introdução, delineia-se o caráter da inevitável fatalidade, poder e bravura presentes no drama a ser narrado. O talento de Sibelius para a sinfonia romântica logo se evidencia na tessitura grandiosa e eclética capaz de mesclar orquestração brilhante e filigranas que remontam às canções rúnicas finlandesas.
O segundo movimento refere-se à juventude de Kullervo, vigoroso, livre da infância escravizada, esboçada no sombrio sentimento inicial. A seguir, a sensação de liberdade e novas descobertas se desenvolvem com grande entusiasmo. As marcas do destino, contudo, são inevitáveis, e eclodem veementes na parte central. O destemido espírito das tribos também é caracterizado em ritmos contagiantes.
O terceiro andamento, tido como a espinha dorsal da sinfonia, é dedicado a Kullervo e sua irmã. Começa de forma lírica, com alegria e plenitude pela nova fase da vida dele, coroada pela primeira aparição do vibrante coral masculino – uma ode ao novo espírito livre e vigoroso do escravo liberto. Tudo gira em torno do fatídico romance com a variedade que a narrativa requer: as aventuras amorosas precedentes, o reencontro, o anonimato inocente, em aparições diversificadas e ecléticas. Duetos do casal, entremeados de coral, rompantes orquestrais, esfuziantes temas e alegorias compõem o mais extenso movimento, em que abundam textos do Kalevala.
O fervor dramático explode várias vezes, descrevendo a gravidade dos acontecimentos e do ambiente tribalístico. A consagração do amor pela irmã, os colóquios ardentes, a decepcionada supresa ao tomar conhecimento do inglório parentesco, a desgraça de ambos, o suspense que antecede o suicídio dela jogando-se no rio, o grito de tristeza dele, a revolta, a supremacia do desejo de vingança são temas que emergem nos ápices sinfônicos apaixonados e na delicadeza de canções doídas que precedem a tragédia. Sozinha na floresta, consternada, prestes a se despedir da vida, ouvindo os pássaros, ela faz ecoar o seu lamento.
Um instante de profusa dramaticidade descreve a sua angústia, sucedido pela revolta esbravejante do irmão diante da crueldade do destino. Mas, eis que prepondera sua índole vingativa ao se decidir por manter o plano premeditado.
Sucede-se o quarto, a batalha! Inteiramente emoldurado com o caráter bélico da obstinação ansiada pelo irado protagonista. Aqui Sibelius transcreve musicalmente a essência textual: “Partiu para a guerra, alegrando-se com a batalha”. Ostensivamente feérico, este movimento vai se encorpando lentamente em crescente premonição. Tudo se desenvolve no mesmo clima até o fim da contenda em que, com poderes sobrenaturais, Kullervo consegue exterminar toda a tribo que vitimou sua família no passado. Sua morte é descrita com a força gritante de golpes sonoros a invocar a própria destruição, e bem lembram o diálogo do coro entre ele e a espada:
— “Por que não me agradaria comer carne culpada e beber sangue pecaminoso? Já que eu como a carne e bebo o sangue dos inocentes?”
E ele atira-se morrendo pela própria espada, sob os brados do coro com fúria brutal:
O final da sinfonia é concluído com o que se pode chamar de uma apoteótica missa de réquiem, com todas as características pomposas e litúrgicas. O sentimento de consternação e desventura inicial vai crescendo paulatinamente e cede lugar aos traços de um heroísmo tão imponente que o ouvinte já não sabe se é o autor, o herói ou a música que triunfa com tamanha grandiosidade.
A epopéia nórdica inspirou Jean Sibelius desde que a leu, ainda muito jovem, para outras peças, como as que compõem a suíte "Quatro Lendas de Kalevala" (Opus 22), em que se incluem o “Cisne de Tuonela”, “Lemminkäinen e as Ninfas da Ilha”, "Lemminkäinen em Tuonela", "O Retorno de Lemminkäinen". Além de "Tapiola" (Opus 112), seu último poema sinfônico. Para a crítica, entretanto, Kullervo é obra-prima monstruosa que extrapola todos os limites de sua época. Sua imponente brutalidade infunde medo e respeito, mas, na essência, é uma peça romântica. Para o escritor e compositor finlandês, Karl Flodin, “nunca mais Sibelius criaria algo tão descaradamente megalomaníaco”.
Apreciando esta colossal concepção para grande orquestra, coro masculino, barítono e mezzo-soprano, que resume todos os aspectos dramáticos do lendário personagem, é possível avaliar o poder inspirador para elaborar música erudita que se abraça com a fantasia, com o enredo mitológico e as raízes de um povo. Uma força que pode se originar tanto da leitura de epopeia compilada com canções bálticas, de 3 milênios de idade, como da contemplação de uma bucólica paisagem avistada da janela de um chalé no fiorde de Bergen.
Vejo um ideal de perfeição na geometria de Pitágoras que vislumbra Deus como um eterno geômetra. Na sua concepção de Harmonia das Esferas ...
A linha e a vida
Na adolescência, ouvia meu pai contar que a filha de Mário Rosas, Gerusa Rosas (mais tarde minha guru do shiatsu), havia partido de navio ...
A insustentável leveza de Praga
Anos depois, assisti ao filme "A insustentável Leveza do Ser" (1988), adaptação do romance homônimo do escritor tcheco-francês Milan Kundera e, mais uma vez, senti-me encantada pelo cenário de uma cidade de nome Praga. Pois bem, um dia chegou minha vez de visitar o local, por quatro dias. Não vivenciei a "primavera de Praga", pois a estação era outra: o verão.
Eu era ainda adolescente quando conheci Pascoal Carrilho. Passados os tempos, um dia desses, conheci a praça em sua homenagem. Andei mes...
O radiante Pascoal Carrilho
Pascoal Carrilho foi um homem que por aqui passou meio radiante, meio sereno, acrobático, avoante e extremamente irônico.
As crianças que vi correndo ao redor da sua praça e os pássaros que cantavam por lá desenhavam o espírito do excêntrico radialista que nunca se afastara de seu lado alegre e de seu jeito profissional de animador do mundo. Jamais desgrudava das tiradas espirituosas do apresentador de auditório da antiga PRI-4, Rádio Tabajara da Paraíba.
Era comum vê-lo dentro de um paletó branco, impecavelmente engomado, no pescoço a inafastável gravatinha de borboleta. Era um homem imprescindível às grandes reuniões solenes, fazia o seu jornal com a cobertura radiofônica, sem tirar-lhe o estigma do bom boêmio e animador, um dos mais festejados e afamados da capital paraibana.
Pascoal era cíclico: sério, sisudo, triste, risonho, um pouco de tudo. Noutras horas, era um tipo meio carrancudo, mas fidalgo quando anunciava no palco da Rádio Tabajara, por exemplo, o Trio Jaçanã, de Marlene Freire, Zé Pequeno e Walter Lins. Àquela época, ao sabor de um tempo puro e sem violação dos castos costumes, estudava-se cântico orfeônico nos colégios e havia sabatina e ditado em todas as escolas municipais e estaduais da Paraíba. Era o tempo de Dedé do Sax, fisiognomonia do Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha. Quando eu o chamava de São Pixinguinha, via nos seus olhos um dardejar feliz. O saudoso amigo Aldemir Sorrentino – que animava as tardes (quase noites) do saudoso Clube ASTREA - dava o toque contagiante da música da jovem guarda, envolvendo os corações adolescidos por um certo romantismo épico, colado ao som da voz do excelente cantor Gilson, de quem nunca mais ouvi falar.
Era tempo do Repórter Tabajara na voz roufenha e disciplinada de Eivaldo Botelho, amigo que debandou pras bandas do Rio de Janeiro, onde cumpriu a estranha promessa de nunca mais voltar para o seu rincão. Lembro-me bem, era tempo da postação irreprochável de Paulo Rosendo, o noticiarista e de Geraldo Cavalcante, o locutor esportivo impecável daquela época.
Não tive o privilégio de conhecer o José de Andrade Moura Filho, que foi amigo de Pascoal Carrilho. Todavia, já àquele tempo, quando era apenas um escriba iniciante de província, aprendendo a andar pelo mundo, recebia do mestre radialista atenções até hoje nunca esquecidas.
Algumas vezes, ele parava-me no Ponto de Cem Réis para me contar histórias hilariantes. Depois, saía gargalhando em cima do seu andar alto e baixo, sobre as pegadas dos melhores momentos de sua vida brincante.
Conta-se que um dia saiu com Bienvenido Granda, cantor mexicano de grande sucesso na época, para tomar uns aperitivos, quando aqui chegou para umas apresentações em João Pessoa. Já fazia dez dias que os dois havia saído, alhures, quando um amigo o encontrou em Campina Grande sozinho, meio desnorteado.
- Que fazes por aqui, Pascoal? - perguntou o amigo assustado com o seu estado de “desligamento”.
Pascoal o informou que estava ali com o cantor Bienvenido Granda. E o amigo que estava chegando do Rio Grande do Norte, o rebateu laconicamente afirmando:
- “Bienvenido? Bienvenido?!!! Ele estava cantando ontem em Currais Novos, Pascoal!”
Certamente, o seu estado, ainda sob os efeitos das noites das praias e Praianinhas, com o impacto da notícia, terminou caindo na realidade. Enfim, abrandou os ímpetos.
A caninha “Praianinha” tinha nele o seu melhor divulgador e publicitário. Era bem pago para isto. E onde fizesse uma cobertura radiofônica, fazia o seu comercial: “Eu bebo Praianinha, nós bebemos Praianinha. É a melhor aguardente do Brasil.”
Um dia, ao repetir o mesmo refrão desse slogan, um espectador jovem que estava na plateia do auditório da antiga Rádio Tabajara, gritou:
“Já estás bêbado a essa hora, né Pascoal?”
Ele não hesitou! Não levava desaforo para casa e não contou conversa. Com o dedo em riste, respondeu à afronta que havia recebido do moço da plateia, na presença da namorada:
- “Eu bebo Praianinha, a mãe daquele rapazinho ali também bebe Praianinha! É a melhor aguardente do Brasil!”
No enterro do médico Dr. Napoleão Laureano, Pascoal Carrilho fazia a cobertura daquela solenidade fúnebre. Era um momento de muita comoção e respeito. Falando baixinho, ele dizia, com o microfone quase encostando na boca:
“Aguardente Praianinha, a melhor aguardente do Brasil.”
Num súbito escorregão, caiu em pé dentro do túmulo, onde seria sepultado o insigne médico, famoso oncologista paraibano. Lentamente, encostou o microfone na boca e disse quase sussurrando:
“PRI-4, Rádio Tabajara, transmitindo diretamente de dentro do túmulo do Dr. Napoleão Laureano!”
Continuei pensando sentado na praça Pascoal Carrilho e entendi que o tempo e a suas ambiguidades, não conseguem sepultar as histórias curiosas que tanto nos fizeram rir ou chorar!
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'O mundo em uma frase'
PESSOAS LIVROS O Mundo é uma grande biblioteca, E Deus é um mágico escritor, Que cria livros de páginas em branco, Que ...
Ele tinha o sorriso no rosto
O Mundo é uma grande biblioteca, E Deus é um mágico escritor, Que cria livros de páginas em branco, Que vão sendo escritas com a tinta do amor. Pessoas são livros, Que escrevem a sua própria história, Há pessoas romances, Há pessoas tragédias, Há pessoas mistério, Há as que são comédia. Há livros de tanta riqueza, Que são enciclopédias, De saber e heroísmo. Há outros que são tão pobres, Que parecem estar em branco, Pois o tempo todo são apagados, Pela borracha do egoísmo. Há livros de belas histórias, Que admiramos sua glória E buscamos copiar, Outros são histórias feias, Tristes e mal escritas, Cheias de pobreza e desdita, Que quase ninguém quer ler, E ficam num canto da estante, Tentando se esconder. Mas Deus é escritor bondoso E ama os livros tristonhos, Vez em quando os reencapa, E lhes dá páginas novas, Que podem ser escritas, Com tintas mais belas e brilhantes, Em letras de amor triunfante, Modificando-lhes a história. Eu sou também um livro De capa simples, modesta, Escrevo-me a cada dia, Com sonhos e fantasias, Gosto de falar de amor, A dor aparece um tantinho, Mas vou com muito carinho, Fazendo da vida uma festa, Que escrevo com alegria, Pois minha maior ventura, É ser livro de poesia. FLUIR
Fluir... Deixar fluir, Deixar a vida prosseguir. Ninguém pode conter O oceano entre as mãos. Entreguemo-nos à vida, Pelos caminhos do coração. Para que negar o amor? Para que negar a dor? Ninguém consegue Esconder-se de si mesmo Somente caminhará em círculo Simplesmente caminhará A esmo. Deixemos então fluir, Seja a dor, Seja o amor, Caminhemos até o fim da estrada, Cantemos todos os poemas, Choremos todas as lágrimas. Porque viver é entregar-se, Viver é mergulhar, No infinito mar de sentimentos, De sonhos, de esperanças. Viver é deixar fluir. Negar-se é ser covarde, ´ É ver a vida passar pela janela, Convidando-nos à felicidade E a ela voltarmos às costas, Preferindo olhar o vazio A extasiar-se com o brilho Da mais bela estrela. ESTRELA CADENTE
Passaste ontem pela minha janela, Como imenso foco de luz, Clareando a noite escura. Pomo de ouro que o céu cruzou, Tanta beleza e energia, Que o amor em mim despertou. E da forma que viestes, A tudo ofuscando, E embelezando o firmamento, Sumiste. Assim, sem aviso, sem que eu esperasse, Deixando-me a alma em tormento. Eras tu, apenas uma estrela cadente, Que se inflama no céu e depois somes, E na tua própria beleza e energia Te consomes. E eu, menestrel desavisado, Fiquei a olhar para o céu, Ofuscado. Acreditando que havias levado, Todas as outras estrelas, Na tua passagem instantânea. E dei de entristecer, Sentindo-me roubado, Pois o que pode fazer um menestrel, Sem a Lua e as estrelas, Para à noite ele cantar? Porém, (agora sorrio a dizer) Tudo foi apenas, Questão de ofuscamento, Pois lá em cima, no céu, No mais alto firmamento, Ainda estavam minhas estrelas. Estava também a Lua, Ora redonda, ora fininha, Sorrindo da minha bobagem, Das lágrimas de criancinha, Que um dia derramei, Por uma estrela cadente. SUAVE
para Carlos Romero Era uma criatura suave De olhos e palavras mansas. Tinha no rosto o sorriso E na alma a alegria de viver.