O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigen...

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O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigente de história, geografia e filosofia. Não entendia poesia, mas era exímio em matemática e apreciador da natureza. Sou-lhe grata por tanta delicadeza e sabedoria, exatamente por essa mesma natureza, humana.

A pessoa que ora transforma-se em um foco irradiador de energias salutares que beneficia a si mesma e a quem se encontra no seu campo de ac...

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A pessoa que ora transforma-se em um foco irradiador de energias salutares que beneficia a si mesma e a quem se encontra no seu campo de ação. Daí os Espíritos orientadores recomendarem, insistentemente, a oração como um bom hábito que deva ser incorporado ao cotidiano da existência.

O que eu tenho Eu tenho pequenas coisas em caixinhas cranianas casulos de sinceridades palavras engavetadas que me dêem sustentação ...


O que eu tenho

Eu tenho pequenas coisas
em caixinhas cranianas
casulos de sinceridades
palavras engavetadas
que me dêem sustentação

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Eu tenho algumas coisas
risos depositados em conta
rendem juros ao coração
passeio sem banco de praça
pinturas sem toque de mão

Eu tenho mudas de roupas
penduradas em cabides, em guarda
vigias da própria rotina
ajustadas à pele, à saudade
em fagulhas de pingos pela janela

Eu tenho certas fotografias
da sala preta, claridades, revelações
fundamentais excessos, sem exceção
atalhos, porções em flashes
embaraços pausados pela imaginação

* Inspirado em "Pequeno mapa do tempo", de Belchior



Reconstrução olfativa

E tinha um perfume
perdido na memória
viagem sem matéria
intocável, impalpável

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era o ontem hoje
instantânea vida
recorte, uma cena
reconstrução olfativa

fugaz espectro, some, dorme
dissipa como névoa
no encontro da manhã
pelo sol atingida

nova identidade
recompor a figura
concretizar a volta
que esmorece imperfeita



Claro

E é claro
quando o dia se faz em sono
que o coração é respiro
ilha de desejo

E salta na chuva
transmuta ferro e fogo
que aviva ao vento
arde sem ferimento

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É a vã sorte
acaso contido nos dados?
o ditar o encontro ?
o achar tu pela vida?

Outros chamam de destino
sem desvios, único caminho
e o resto cuida o tempo
o sorriso, olho no olho

Que (r) seja um beijo
adolescente, adormecido
hidrate o corpo inteiro
em sussurros, arrepios



Bom dia

Hoje eu não direi para ti bom dia
pois transpus a simbólica batida com a tua voz
ela ecoava afirmações e risinhos
bebia água, andava pela casa no escuro
Sim, hoje tu não receberás um dom dia
pois estavas presente nos últimos e primeiros minutos
quando uma jornada se foi e outro se fez
e ainda falávamos de tudo
Por isso, não haverá para ti bom dia hoje
ao relógio seguir célere eu a escutava
e quase sentia teu perfume de feminina pele
revela um novo bom dia


Clóvis Roberto é jornalista e cronista

Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumid...

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Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumida à vontade, eu já era um consumidor voraz de mangas, sapotis, laranjas e que tais. Comia-as ou chupava-as não por dever, mas pelo gosto de saboreá-las. Hoje me ocorreu indagar se não haveria algum tipo de correlação entre a preferência por certo tipo de fruta e a personalidade do indivíduo.

Pierre Rougon, personagem de " A Fortuna dos Rougon " (La fortune des Rougon), de Émile Zola, é um provinciano, cuja intenção é s...

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Pierre Rougon, personagem de "A Fortuna dos Rougon" (La fortune des Rougon), de Émile Zola, é um provinciano, cuja intenção é ser rico, sem demonstrar qualquer interesse pela educação que não seja utilitária. Quando sua esposa Félicité, com quem se casara num bom arranjo comercial com os pais dela, coloca na cabeça a ideia de que os filhos devem ir para a escola, ele responde, numa frase curta e incisiva sobre aprendizagem, que o latim era um luxo inútil (Le latin était un luxe inutile). Pouco importa que aqui Pierre esteja se referindo ao latim de modo denotativo ou simbólico. O que importa é o conceito, que persiste ainda nos nossos dias, de que só precisamos aprender coisas práticas, como, por exemplo, ganhar dinheiro.

Ontem à noite, o caminhão do lixo passou na rua onde moro. Dessa vez, observei-o com outros olhos. Sem o ronco de outros motores, pude fixa...

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Ontem à noite, o caminhão do lixo passou na rua onde moro. Dessa vez, observei-o com outros olhos. Sem o ronco de outros motores, pude fixar-me no lento percurso do veículo de coleta. Os novos tempos do Coronavírus ensinam que os agentes de limpeza desempenham um serviço essencial, tão ou mais relevante do que o meu, que pode ser realizado remotamente.

Poema urgente Não que seja este Meu último poema, Ou talvez seja! Quem sabe da vida? Quem sabe da morte?


Poema urgente

Não que seja este
Meu último poema,
Ou talvez seja!
Quem sabe da vida?
Quem sabe da morte?

antagonismo: máquina de fotografia/revólver a máquina é o revólver ao inverso: os objetos-bala não saem, eles entram, se internam.

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antagonismo: máquina de fotografia/revólver

a máquina
é o revólver ao inverso:
os objetos-bala não saem,
eles entram, se internam.

A geração atual deve ficar se perguntando como conseguíamos viver sem o celular, a internet, a TV a cabo com 100 canais à disposição, sem o...

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A geração atual deve ficar se perguntando como conseguíamos viver sem o celular, a internet, a TV a cabo com 100 canais à disposição, sem o computador, sem o caixa eletrônico bancário, sem o cartão de crédito. Os que usufruem de toda essa praticidade do mundo moderno devem ficar imaginando como era complicada a nossa vida nos anos 70.

Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da nortea...

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Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da norteamericana Marlena de Blasi: Mil Dias em Veneza. Trata-se de um romance autobiográfico, que relata a sua viagem para encontrar o futuro esposo, Fernando, bancário veneziano. Antes de tornar-se escritora e ir morar na Itália, Marlena era jornalista e escrevia sobre gastronomia para vários periódicos dos Estados Unidos. Numa de suas viagens, experimentando a culinária das diversas regiões do mundo, conheceu Fernando e os dois se apaixonaram.

"Celso Furtado é um dos paraibanos mais notáveis do mundo e que mais se destacaram fora do país. Seria o que alguns europeus são para ...

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"Celso Furtado é um dos paraibanos mais notáveis do mundo e que mais se destacaram fora do país. Seria o que alguns europeus são para muitos de nós...”, esse foi o início de uma conversa na Livraria do Luiz, um bate papo liderado pelo grande cronista Gonzaga Rodrigues, que nos emprestava um pouco de sua sabedoria e experiência em mais um encontro sabático de quando podíamos nos encontrar.

Agro é tech, agro é pop, agro é tudo — é a marcação forte e enérgica das tônicas a nos encher os olhos e o ânimo com a vastidão certinha e ...

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Agro é tech, agro é pop, agro é tudo — é a marcação forte e enérgica das tônicas a nos encher os olhos e o ânimo com a vastidão certinha e alinhada dos campos da agricultura de primeiro mundo cultivada nas planuras do Brasil abaixo da Amazônia.

Fui ao Google buscar uma definição genérica para a palavra “herói”. E lá encontrei: “Herói é o termo atribuído ao ser humano que executa aç...

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Fui ao Google buscar uma definição genérica para a palavra “herói”. E lá encontrei: “Herói é o termo atribuído ao ser humano que executa ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos.”. E um acréscimo importante: a ação do herói, para ser tida como tal, há que ser altruísta, ou seja, desapegada, filantropa, dadivosa. Perfeito. Para mim, esta definição serve muito bem para o grande paraibano Manoel Dantas Vilar Filho, o célebre Manelito, de Taperoá, falecido há poucos dias.

O primeiro foi seu pai. Nem poderia ser diferente. O homem tinha adoração por aquela criatura. Deu-lhe tudo o que pôde e o que não poderia,...

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O primeiro foi seu pai. Nem poderia ser diferente. O homem tinha adoração por aquela criatura. Deu-lhe tudo o que pôde e o que não poderia, pois assim o fez, não raras vezes, com a negação de algo ao restante da família, ou à despensa doméstica. As bonecas da vitrine, as roupinhas da moda, bicicletas e patinetes adquiridos a penas duríssimas quase lhe renderam, de tão constantes, o desquite.

Do alto do décimo nono andar, recluso num apartamento, vejo nas artérias da metrópole mil formigas caminhando. Deslocam-se de cá pra lá, de...

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Do alto do décimo nono andar, recluso num apartamento, vejo nas artérias da metrópole mil formigas caminhando. Deslocam-se de cá pra lá, de lá pra cá, umas indo, outras voltando sem que possamos conhecer o destino de cada uma.

Por entre as flores, a aranha tece, com paciência, o fio do tecido da vida.

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Por entre as flores, a aranha tece, com paciência, o fio do tecido da vida.

Recebi de uma conterrânea um vídeo com imagens de uma viagem que fez para realizar o seu grande sonho: conhecer o Mar Morto, um mar que nun...

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Recebi de uma conterrânea um vídeo com imagens de uma viagem que fez para realizar o seu grande sonho: conhecer o Mar Morto, um mar que nunca foi mar, um morto que nunca morreu.

Criar animais em casa proporciona um grande prazer. Claro que nem todos gostam desta intimidade cotidiana. É uma questão pessoal. Temos de ...

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Criar animais em casa proporciona um grande prazer. Claro que nem todos gostam desta intimidade cotidiana. É uma questão pessoal. Temos de respeitar e compreender as pessoas que, por algum motivo, nem sempre explicável, rejeitam qualquer aproximação. Há quem se arrepie ou tenha medo diante de um simples gatinho, sem nem saber por que. Inadmissível, porém, é maltratar um ser puro e indefeso.

Existe um excesso de crítica nas redes sociais, não? Tudo é motivo para crítica. Fulano espirra, mas você não. Daí, você corre pra sua rede...

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Existe um excesso de crítica nas redes sociais, não? Tudo é motivo para crítica. Fulano espirra, mas você não. Daí, você corre pra sua rede social e posta: "Que feio, a pessoa espirrar".

Havia um potrinho na fazendola de tia Moça. Como se diz hoje, no linguajar consumista, era meu sonho, minha grande vontade, correr pelas ve...

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Havia um potrinho na fazendola de tia Moça. Como se diz hoje, no linguajar consumista, era meu sonho, minha grande vontade, correr pelas veredas montado naquele animal gracioso, enfeitado em manchas brancas sobre o pêlo marrom.

Aqui, abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não há inverno, mas temos a estação das chuvas. Na falta das quatro estações, e de t...

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Aqui, abaixo da linha do Equador, nordeste brasileiro, não há inverno, mas temos a estação das chuvas. Na falta das quatro estações, e de todos os ritmos que o tempo dita, gosto quando chove lá fora. Uma chuva que, como uma bússola, me indica o caminho do aconchego. Com o tempo que passa, venho gostando mais e mais dos tons cinzas e de introspecção. Por um momento, só. Quando chega o verão... é um desassossego!

Os 100 anos de Celso Furtado, lembrados com edição especial do Correio das Artes e anúncio de um conjunto de obras de perfil memorialista e...

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Os 100 anos de Celso Furtado, lembrados com edição especial do Correio das Artes e anúncio de um conjunto de obras de perfil memorialista e mais páginas e excertos do seu pensamento científico, levaram-me a rever umas poucas linhas grifadas de antigas leituras.

Com o toque de Midas de Bráulio Tavares e do autor de “ O Auto da Compadecid a”, eis o "ABC de Ariano Suassuna". Tenho esse li...

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Com o toque de Midas de Bráulio Tavares e do autor de “O Auto da Compadecida”, eis o "ABC de Ariano Suassuna".

Tenho esse livro — lançado pela José Olympio Editora – entre algumas preciosidades, como: "O Escorpião Encalacrado", de Davi Arrigucci Jr. (sobre a obra de Cortázar); "Hamlet e o Complexo de Édipo", de Ernest Jones (que aplica a teoria freudiana no príncipe da Dinamarca e no próprio Shakespeare);
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"Como se Faz um Filme", de Eisenstein (em que ele conta como criou “O Encouraçado Potenkin”); "A Filosofia da Composição", de Edgar Allan Poe (sobre o surgimento e evolução de seu célebre poema "O Corvo") e "Signo e imagem em Castro Pinto", de João Batista B. de Brito.

Como intelectual enciclopédico que é, tão fissurado pelas artes quanto pela ciência e tecnologia, avesso a todo mistério e segredo — se desvendável —, Bráulio revela que foi buscar a ideia estrutural desse perfil biográfico de Ariano em obras como o "ABC de Castro Alves", de Jorge Amado, e o “ABC de Jesuíno Brilhante”, de autor anônimo (reproduzido em "Heróis e Bandidos", de Rodrigues de Carvalho). Mas esse seu livro me remete diretamente, também, ao "Dicionário Khazar", de Milorad Pavić, um romance sérvio que marcou época nos anos 80.

O resultado de todas essas influências é o retrato cubista, por sua fragmentação temporal, espacial e temática, de um personagem fascinante (Suassuna), que nasceu num palácio, o da Redenção, teve o pai assassinado no Rio, viveu a infância e a adolescência em Taperoá, sertão paraibano, estudou Direito e Filosofia no Recife, ficou famoso por suas aulas-espetáculos, por seus ensaios, por uma peça de teatro (O "Auto da Compadecida"), por um romance de título estranho ("A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta"), por suas incursões nas artes plásticas e na poesia, por ter fundado o Movimento Armorial etc etc... e bote etc nisso! Entrou na Academia Brasileira de Letras. Foi tema, no carnaval carioca, do samba-enredo "Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino". Foi assunto do documentário "O Senhor do Castelo", de Marcus Vilar. Foi nomeado – aos oitenta anos – secretário de cultura do governo do estado de Pernambuco e – consagrado – seguiu de rota batida para a imortalidade, devidamente coroado pelos louros do plim-plim.

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Claro que na ficha catalográfica do ABC consta “Biografia”. Claro que na d“Os Sertões” de Euclides da Cunha não há registro de um "romance". Mas é como eu li todos dois. Com mais ou menos apego à realidade nua e crua, tem surgido toda uma série de famosos romances-verdade, nonfiction novels ou romans-a-clé, como "A Sangue Frio" ("In Cold Blood"), de Truman Capote, "Pé na Estrada" (“On the Road”), de Jack Kerouac, e "Coração das Trevas" ("Heart of Darkness"), de Conrad, e até eu parti para a mesma senda na parte intitulada “A Gigantesca Morgue” na obra "História Universal da Angústia", ao juntar — numa série de contos de extrema violência —, a condensação de 126 reportagens nessa linha, colhidas num período de dez anos. Esse artifício leva o leitor a receber a experiência da realidade com uma força extraordinária. No "ABC", a densa conjunção de solidez, argúcia, clareza e beleza faz com que o livro salte – no meu entender – do terreno simplesmente biográfico para o romanesco. Há um momento em que o próprio Bráulio diz, nesse seu trabalho:

Quanto mais verdadeira uma coisa, mais bela.

Cita Keats:

Beauty is truth, truth Beauty.
Beleza é verdade, verdade, Beleza.

E a Beleza, segundo Plotino (citado por Ariano, idem por Bráulio), é… os seres em máximo de ser.

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O livro mostra como Suassuna, que diz ser feio desde menino, mas apaixonado pela beleza, torna-se, com o tempo, um ser "em máximo de ser", dotado, portanto, de enorme beleza, pelo que passou a ser intensamente amado por todo o país. "A década de 1990 – diz Bráulio – trouxe-lhe notoriedade pessoal de um modo que ninguém seria capaz de supor”. A tal ponto, anota, que surgiu "um grau de impaciência do autor com a quantidade de compromissos a que é submetido". De fato, ele viveu, no final, numa roda-viva "de aulas, feiras-de-ciência, artigos, mesas-redondas, programas de televisão, homenagens, semanas culturais, entrevistas para jornais, orelhas de livros, depoimentos para vídeos e filmes ou revistas, cartas de recomendação para instituições culturais, apresentação em catálogos de exposições”, e a lista prossegue, interminável.

Como diz a raposa ao nosso distante Pequeno Príncipe:

“Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.

— O que é apprivoisé? — pergunta-lhe o menino.

Apprivoiser é "domesticar, domar, amansar”, diz o dicionário francês-português. Mas a tradução corrente da frase, é "Tu te tornas responsável para sempre por aquilo que cativaste". E o eco responde "domesticaste, dominaste, amansaste”. Parece que Ariano conseguiu, na verdade, em sua luta pela preservação de nossa cultura burro-xucra, domá-la, dominá-la, monopolizá-la – apesar do massacre alienígena. Não só pelo seu trabalho de autor, como pelas influências que exerceu e exerce.

O "ABC de Ariano Suassuna" foi dado à luz ao sol da onça caetana. Louvado seja ele, além de seu autor e de seu tema.


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

O estado é seu sócio. Sócio-penetra, que se convidou, se impôs e não tem como você colocá-lo para fora. O Estado entra com nada e abocanha ...

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O estado é seu sócio. Sócio-penetra, que se convidou, se impôs e não tem como você colocá-lo para fora. O Estado entra com nada e abocanha uma parte considerável do que você produz, com a promessa de devolver o que tomou em bens sociais. No mais das vezes, as promessas ficam pelo meio do caminho, pois o Estado acredita e aposta na nossa inércia e resignação. Acredita, ainda mais, no poder das palavras vazias de ação.