Era uma caixa grande, que deixava antever os vinte e quatro lápis de todas as cores do arco-íris. Hoje, talvez, poucas crianças deem ...
A caixa de lápis de cor
Tive a sorte de por um breve tempo conviver com ele. Nosso primeiro encontro se deu em João P...
Lembrando Celso Cunha
Uma carteira e seus sentidos às crianças de Realengo Observe essa carteira vazia – ociosa – desocupada. Entr...
O Estalo da Palavra (VII)
às crianças de Realengo Observe essa carteira vazia – ociosa – desocupada. Entre na dimensão do absurdo – no que se contorce – e resvala, e desperta, e nos cala. Observe essa carteira vazia –ruidosa– maculada. Ventre da omissão confusa – que nos paralisa – e enoja, e perpassa , e retalha. Observe essa carteira vazia – poderosa – enfeitada. Lembre-se da profusão do sangue – que se dispersa – e tinge, e respinga, e nos entala. Observe essa carteira vazia – fervorosa – devotada. Sinta a celebração da loucura – que consente – e trucida, e cega, e nos abala. Observe essa carteira vazia – tenebrosa – malfadada. Sinta a emanação do ódio – que se alastra – e devora, e abraça, e nos trespassa. Observe essa carteira vazia – silenciosa – abandonada. Crente na devassidão do mundo – que surpreende – e ignora, e reproduz, e nos arrasa. Observe essa carteira vazia – deliciosa – delicada. Prenhe de ilusão confusa – que consente – e insinua, e seduz, e nos agarra. Observe essa carteira vazia – espaçosa – desejada. Ciente na criação do sonho – que compreende – e ama, e perdoa, e nos concede a graça.
Se disser tudo, me restará a última mentira. Mas, rente ao chão, toda mentira resvala na inutilidade.
Estamos passando como o tempo, deslizando semelhante à água em recantos brumados, serenos e constantes. Nossos corpos não são mais ...
Montanha pedregosa
Sexta-feira, 24 de janeiro de 1997: data em que pronunciei curta palestra na Sala Verde do Espaço Cultural "José Lins do Rego&qu...
A Tabajara como escola
A Rádio Tabajara da Paraíba foi fundada como um órgão do Governo do Estado, no dia 25 de janeiro de 1937, pelo governador Argemiro de Figueiredo. É, assim, a 17ª emissora de rádio mais antiga do Brasil e, além disso, a mais antiga do Estado da Paraíba. Em 2024, a emissora migrou para a frequência modulada (FM), ganhando o prefixo ZYR-632 e a frequência de 103.9 MHz. Naquela época, nas circunstâncias em que estava a emissora, a ideia seria transformá-la em rádio escola, atrelada ao SINRED (Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa), como afiliada da Rádio MEC do Rio de Janeiro, adotando o slogan "Cultura e Informação". Atualmente, em sua essência, penso que a emissora paraibana se mantém nessa linha, embora não pertencendo ao SINRED, nem sendo afiliada à Rádio MEC-RJ:
Nasci em João Pessoa, em 1949, mas "abri os olhos" em Alagoa Grande, onde meus pais moravam e trabalhavam. Só voltei à capital aos 6 anos, para continuar os estudos. Meu primeiro contato com a Tabajara, sem compreender direito o que estava ocorrendo ao meu redor, foi em 1954, em Alagoa Grande, naquele agosto em que o povo chorava o suicídio de Vargas. Nossa convivência vem de muitos anos. Nunca deixei de escutar a rádio preferida do meu avô, José Souto, e do meu pai, Mário Batista. Vovô ligado nas notícias; papai encantado com a música popular brasileira.
Sou do tempo do olho mágico. Ficava horas e horas procurando ver o locutor, os radiatores, os cantores, as orquestras, lá no fundo do olho mágico, que na minha fantasia de criança seria o palco iluminado dos artistas da voz. Muitas vezes, talvez embalado pela emoção, conseguia “captar” imagens. Aprendi a enxergar o mundo através da Tabajara.
Alagoa Grande ainda hoje é um buraco. Com o rádio, conquistei um espaço de liberdade que as crianças de lá não tinham. Ele era o periscópio com o qual eu via as coisas acontecendo, por cima das muralhas verdes que cercavam a minha cidade. Se para alguns a palavra escrita era a única maneira de viajar sem sair do canto, eu, que também gostava dos livros, descobri muito cedo linguagem mais envolvente: a linguagem do rádio.
Fui "despachado" de trem para João Pessoa. Sabe quem estava me esperando na estação? A Tabajara, com a música "Cerejeira Rosa", na voz de Carlos Galhardo. Aquela que diz: “A cerejeira não é rosa mais/ ficou tão triste com o adeus..."
No retiro de Miramar, mais fazenda do que bairro novo, se contava a dedo o número de casas. Decidi conhecer a cidade. E nas idas de bonde ao centro, percebi que a Tabajara era muito mais que uma simples emissora de rádio. Era uma espécie de coreto ou clube social, o ponto de encontro de todas as classes. E não exagero se comparo o casarão da Rua da Palmeira ao Cassino da Urca, à Rádio Nacional. Imagine-se o Cassino da Urca, que a gente "frequentava" nas páginas de "O Cruzeiro", em noite maior, com tudo a que tinha direito, e veja-se a Rádio Nacional dos auditórios repletos. Assim era a Tabajara. Pascoal Carrilho, mistura de Carlos Machado, Ari Barroso e Almirante. Gilberto Patrício, Jaci Cavalcanti, Polari Filho. Penha Maria, a nossa "Sapoti". Eclipse é o Blecaute pau de arara. Parrá, simbiose de Jackson do Pandeiro e Moreira da Silva. Biu Ramos dando de dez a zero em todos os outros, em todos os tempos, com o seu "Salão de Debates", Ipojuca Pontes fazendo "Luzes de Cinema". G.O. Belli, a própria sensibilidade musical. Francisco Ramalho, uma das melhores vozes que já ouvi no rádio, esbanjando categoria no “Júri Musical Popular". Paulo Pontes, usina de ideias, entusiasmando o insuperável Adalberto Barreto, literalmente o dono do circo. Nathanael Alves redigindo o informativo para Paulo Rosendo. Marconi Altamirando com aquela voz de nobre italiano na Etiópia. A máscara de papangu e os sacos de confete e serpentina que recebi das mãos de Agamenon Lopes, no "Girafolia". O LP do programa "Música e Alegria Kolynos", que ganhei em sorteio no dia do meu aniversário, onde Estevam Sangirardi anunciava o "estouro" dos quatro cabeludos de Liverpool. A grã-finagem de Tambiá, Trincheiras, João Machado e o proletariado da Torre, Cruz das Armas e Ilha do Bispo vendo e ouvindo a Tabajara, todos aplaudindo, sempre aplaudindo. O governador, como Vargas na Agência Nacional, mandando recados aos adversários e fazendo proclamações ao povo. A Tabajara era o poder e a glória.
Acontece que a caixa com a telinha cheia de imagens em movimento começou a ter espaço privilegiado nos lares, seduzindo corações e mentes. O que os ouvidos não podiam ver deslumbrava os olhos em escala cada vez maior e mais nítida. O radinho foi deixando de ser a única companhia. Nascida quando o rádio era todo-poderoso, a Tabajara soube ser poderosa, com pompa e circunstância. Porém, como que cumprindo o ciclo natural da vida, foi perdendo o elã. Não era mais mídia política para o governo nem difusora de educação e cultura. Fechou-se para o entretenimento. O governador João Agripino morrendo de amores pela moderninha e udenista Arapuan de Otinaldo e já tramando controle social mais engenhoso, via Secretaria Extraordinária.
Os músicos (por onde anda o maestro Rino Visani?) fazendo as despedidas. Os artistas espalhados pelos birôs da burocracia. A ordem era sobreviver com as próprias rendas. Então, uma estrutura típica de repartição pública se viu obrigada a competir no mercado. Fracassou. Esgotou-se em 1992. Oficialmente.
Agora a Tabajara é uma coisa meio híbrida; com o passivo e a folha salarial absorvidos pelo Estado e enfrentando muitas reclamações trabalhistas, é empresa em liquidação ainda não liquidada e autarquia criada por lei, ainda não instalada. Confusão jurídica do ponto de vista institucional e ultrapassada sob o aspecto tecnológico, a Tabajara mantém, em virtude de impasses administrativos que ainda não puderam ser removidos, uma programação colcha de retalhos, sem traço identificador, apesar dos avanços dos últimos dois anos, notadamente no horário das 06h às 14h, de segunda a sexta-feira.
Na verdade, a Tabajara não pôde ainda definir a sua segmentação porque não tem conseguido superar obstáculos de há muito enraizados no seu cotidiano, em decorrência da ação nefasta do corporativismo, que, embora agonizante, ainda incomoda. Tudo resultado de anos e anos de desapreço generalizado, omissões e equívocos.
Transformaram a vistosa professorinha da minha infância numa imensa "bola de neve", por ironia do destino, largada nas minhas mãos, exatamente no instante em que me vejo em cena, no fundo do olho mágico.
Repensar a Rádio Tabajara, reestruturá-la administrativamente, aumentar sua potência, melhorar a qualidade de áudio e atualizar os seus equipamentos – eis o desafio. Para mim, que estou com a mão na massa em tempos de Real, não vejo outra saída a não ser a sua transformação em Rádio Escola, no sentido de ser mesmo sala de aula, laboratório para formação de novos profissionais, produtora e difusora de programas educativos e culturais.
Rádio Escola, a Tabajara pode solucionar mais tranquilamente seus problemas adotando como princípio básico a relação custo-benefício. Rádio Escola, a Tabajara poderá ter padrões de qualidade mais rígidos. Rádio Escola, a Tabajara poderá transformar em rotina permanente a atualização tecnológica e a reciclagem do seu pessoal. Rádio Escola, a Tabajara cumprirá o seu verdadeiro papel, que é o de ser instrumento de governo voltado para a promoção humana e social dos seus ouvintes, para a “oxigenação” do meio profissional e para a elevação crítica dos paraibanos.
Felizmente o governador José Maranhão, seguindo o seu antecessor Antônio Mariz, apoia e respeita a Tabajara. Na realidade, o governador, talvez por ser homem de rádio, promove o renascimento da emissora, ao obter a concessão da FM e a duplicação da potência da AM, que disporá, inclusive, de "sistema diretivo" capaz de conduzir nosso sinal para o interior do estado, fazendo com que a Tabajara chegue a todas as cidades da Paraíba com som local de boa qualidade.
Ele também trata de divulgar a Paraíba no exterior, interligando a Tabajara, via satélite, com a Voz da América e a BBC de Londres. O governo da austeridade e do desenvolvimento zela pelo nosso patrimônio. Substitui equipamentos obsoletos por novidades de última geração. Firma acordo de cooperação técnica com a Radiobrás. Abre as portas da Tabajara para organismos preocupados com a educação de massa, como os Ministérios da Educação e da Saúde; a UFPB; o Ibama; o INCRA; a Emater; o Procon; as Curadorias do Ministério Público; o SENAC; a Unicef; a Pastoral da Criança; os Alcoólicos, Fumantes e Neuróticos Anônimos; entre outros.
Determina neutralidade nas eleições de 1996, gesto raro que ficará na lembrança dos que fazem a Tabajara de hoje. Combate os ociosos, a despeito das consequências pessoais, dos obstáculos, dos perigos e das pressões. E o que é mais importante: prestigia quem realmente trabalha. Em resumo, o governador José Maranhão conserva e fortalece este valioso patrimônio histórico e cultural da Paraíba, emissora que tem tradição na radiofonia brasileira e por isso recebe o carinho de todos aqueles que amam o rádio.
Após o agradável retorno nostálgico ao olho mágico da infância, desejo apenas encontrar, nas minhas andanças por esse interior afora, pessoas anônimas como eu, que, através da Tabajara, tiveram a chance de enxergar além das serras e da ignorância do seu sítio, ampliando assim os horizontes da humanidade, a partir da pequenina aldeia.
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