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'Dias Perfeitos' e as sombras das árvores
(Crítica Omelete/internet)
Primeiro vi o post de Glorinha Kalil, jornalista e consultora de moda, falando dos banheiros de Tokyo, mais visitados que os museus. Ela comenta sobre um projeto inusitado: O dono das lojas esportivas e sustentáveis ao redor do mundo, Uniclo, queria fazer algo pelo seu povo e criou o “Tokyo Toilette Projetct”. Junto com os maiores arquitetos, cada um deles desenvolveu um projeto de arquitetura sofisticada para os banheiros públicos da cidade. E depois foi atrás do diretor de cinema Wim Wenders, que fez o filme Dias Perfeitos. Devo dizer que, depois desse filme, fiquei ainda com mais vontade de conhecer o Japão. Nem só de cerejeiras e templos vive uma cidade.
Dias Perfeitos, 2023, direção Wim Wenders (Mubi), a história de Hirayama, um homem silencioso e solitário que trabalha limpando banheiros públicos em Tokyo. No idioma original, o filme de Wenders se chama Komorebi, "uma palavra japonesa para a luz que cintila e as sombras criadas pelo balançar das folhas com o vento". Hirayama, Interpretado silenciosa e lindamente por Koji Yakusho, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes em 2023. O filme também foi o indicado a melhor filme estrangeiro na festa do Oscar de 2023. Um homem metódico, que mora num bairro pobre e que vê o Skytree de longe e de todas as cores. Hirayama tem como hobby, fotografar, com máquina analógica, as copas das árvores e seus efeitos diante dos raios do sol, ou do sol nascente.
A toda hora vemos a modernidade dessa megalópole, suas vias, sua impessoalidade, versus a vidinha cotidiana do protagonista. Sua invisibilidade no serviço é feroz; as pessoas não o veem cheio de esfregões, detergentes e esponjas. A sua única visibilidade se dá através de um bilhete deixado por traz de um dos vasos, onde ele brinca de jogo da velha com um transeunte invisível também. E pelos momentos do seu dia, vemos através dos seus olhos observadores, as meninas indo à escola, crianças no parque, uma vassoura despertando nas calçadas, um senhor que faz Tai chi chuan no meio do parque ou da rua, pássaros que voam, o céu azul, árvores tantas, ventos, um bocejo, uma bicicleta, a silhueta das pessoas, as sombras das folhagens, tudo isso se constituindo em rimas poéticas no filme.
Hirayama é um homem culto. O seu pequeno canto em um sobradinho apertado, tem estantes abarrotadas de livros; dentre eles: Palmeiras Selvagens, de William Falkner; Eleven, de Patricia Highsmith, e Árvores, de Aya Koda. E coleções de fita cassete, esse objeto estranho e anacrônico, cheio de hits do passado, Van Morrison e “Perfect Days”, de Lou Reed, que dá título ao filme, e “A casa do sol nascente” que, cantado em japonês, fica ainda mais tocante como o próprio sol desse país. “Mulheres não gostam de homens que resmungam, diz a dona do bar e que entoa essa música. Também ficamos sabendo da vida de Hirayama, através da sua sobrinha que cai de paraquedas na sua rotina costumaz. Sua irmã aparece, de outro mundo, dos vários mundos sem conexão, mas com notícias do seu pai isolado. Ele chora copiosamente por esse seu mundo do “lado de lá”. Ou de cá, das copas das árvores.
“Da próxima vez é da próxima vez”, e “Agora é Agora”, diz Hirayama, para a sua sobrinha, quando esta lhe pede para irem até o oceano e mudarem a perspectiva das coisas. Poderia ser um norte para os rumos que a história toma. Um Japão moderno, indiferente, robotizado, mas que a modernidade toma conta dos antigos espaços físicos e subjetivos. Num certo momento, um senhor ao ver um terreno vazio, se preparando para construção diz: “O que tinha aqui antes? Isso que é envelhecer?” Se pergunta amargurado. Realidade nossa de cada dia todo e em qualquer lugar.
Os dias de Hirayama parecem realmente perfeitos. Ele acorda cedo, trabalha, cuida das plantas, faz a barba, escova os dentes, olha pela fresta da janela, ouve suas músicas preferidas, frequenta uma casa de banho, janta sempre no restaurante de uma galeria e termina o dia lendo um livro. Mas seja pela belíssima fotografia de Franz Lustig, ou pelos ângulos que jamais serão os mesmos numa jornada onde se faz tudo igual, Hirayama olha para a câmera de Wenders e, numa tomada longa e profunda, ao som arrebatador de Nina Simone, nos transmite num silêncio sepulcral, o sentido/propósito da vida – VIVER! E a beleza do banal
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