Nesta tentativa, certamente maçante para vocês, de refazer o itinerário lírico de minha turma na Campina Grande mítica dos anos 60, pe...

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Nesta tentativa, certamente maçante para vocês, de refazer o itinerário lírico de minha turma na Campina Grande mítica dos anos 60, pelas ruas poéticas de tantas cidades que povoam o mundo, eu, de uma certa forma, submeto-me, diante de todos vocês, que me honram com sua presença e com sua paciência, a uma verdadeira sessão psicanalítica. Como Octávio Paz no seu poema, falo de gente que existe, mas também de fantasmas, os fantasmas guardados no armário ancho de minha geração. O fantasma de John Lennon assassinado em frente ao edifício Dakota, em Nova Iorque. Mas também de uma energia, cuja pilha está aqui, escondida entre a pedra do reino da serra de Teixeira e a Itacoatiara do Ingá do Bacamarte. Esta usina, com água do açude velho, produz a luminosidade própria de uma estrela espantosa como Elba, como eu um sobrevivente desta cidade mítica dos anos 60, aqueles nos quais descobrimos o amor e o espanto.

Branquinho feito algodão, aquele inhame. E quase tão macio. Estava, ali, na mais fumegante das três panelas de barro. A segunda continh...

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Branquinho feito algodão, aquele inhame. E quase tão macio. Estava, ali, na mais fumegante das três panelas de barro. A segunda continha arroz e, a terceira, uma cabidela cozida ao ponto do desmanche na boca. À primeira garfada, percebi o cominho, a pimenta, o alho, a cebola e o coentro na medida correta. E um fundinho avinagrado à perfeição. A dona de tais preparos nascera para isso.

      MEDITANDO Encontro-me pensando no passado... Minh’alma, flor rebelde, sem desgosto... Sorrisos abundavam no meu ro...

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MEDITANDO
Encontro-me pensando no passado... Minh’alma, flor rebelde, sem desgosto... Sorrisos abundavam no meu rosto... Um tempo frutuoso e desvairado. Hoje as dores encobertas que eu sinto... São fissuras que sangram ferimentos... São páginas rasgadas, são lamentos... Veredas tortuosas, labirinto.

Velho, não entardecido talvez Antigo sim. Me tornei antigo porque a vida, tantas vezes, se demorou. e eu a esperei como um rio aguard...

idade setenta anos aniversario tempo
Velho, não entardecido talvez Antigo sim. Me tornei antigo porque a vida, tantas vezes, se demorou. e eu a esperei como um rio aguarda a cheia.
(Mia Couto)

Essa velhice do nascedouro tem ambiguidades pontiagudas a juventude sem compromisso e a maturidade latente do peito da mãe que se doa. Carências e ofertas. Tudo junto. Mistura entre lírico e samba, entre tango e frevo. E o torturante fado a me acompanhar. Entre o calar e o gritar.
(Albiege Fernandes)

Sou Ana Adelaide Peixoto Tavares – Viúva, mãe de Lucas e Daniel, avó de Luísa. Professora Doutora da UFPB, aposentada – Departamento de Letras Estrangeiras Modernas. Escrevo crônicas no jornal A União e no blog Ambiente de Leitura Carlos Romero. Gosto de viajar e de não fazer nada. De cinema, ler e de dançar. De comer massa com pão de alho. De moda e de música. Não necessariamente nessa ordem... E de contemplar a vida... e todas as horas! “A prontidão é tudo”! Com poesia. Sempre! Já tive os cabelos vermelhos. Hoje não mais.

idade setenta anos aniversario tempo
Ana Adelaide Peixoto Tavares Acervo da autora
Assim está o meu pequeno currículo.

Sou aquariana e amante da liberdade. E do sossego. Sou muito grata por ter nascido em meados dos anos cinquenta e ter assistido a transformação inimaginável do mundo. Final do século XX e começo do XXI. Quantas mudanças! e a tecnologia e junto com ela, a gente com um celular na mão e uma loucura na cabeça. Mas tenho que admitir que, sem essa maquininha, a minha vida e transformações íntimas não teriam sido possíveis – ficar viúva, ninho vazio, e morar sozinha. Essa simultaneidade das coisas e instantaneidade me dão companhia e a ilusão de pertencimento, mas, a essa altura, quem quer saber da verdade? Contento-me com a ilusão.

Com tantas décadas no lombo, vamos mudando também. Vou ficando mais parecida com meu pai, ensimesmada. Mas sem o seu xadrez, infelizmente. Sempre fui caseira, mas tinha um pé no mundo. Hoje bem menos. Ainda gosto da rua, mas o calor me deixa dormente.

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Gosto de olhar para trás e ver tudo o que aconteceu comigo. Não tudo, claro. Se pudesse mudar, sim, mudaria alguns destinos. Quem nunca?

Festa? Lembro da personagem de Virginia Woolf, Mrs Dalloway, que vivia a dar festas. Uma forma de uma mulher naqueles tempos londrinos observar o mundo, se expressar e viver o mundo público. Eu já gostei muito de festas. Não por esses motivos. Mas também para me expressar dançando, beijando os meninos bonitos, e explodindo as alegrias da juventude. Lembro que nos meus 50 ofereci uma festa para a família e amigos chegados, no Parahyba Café, e amanhecemos o dia, eu e Juca dançando Caetano: “E agora, que faço eu da vida sem você?...você não me ensinou a te esquecer”.

Nos 60, eu estava enlutada e tivemos só um bolinho para a família no aconchego da minha casa. Hoje, com mais uma volta ao sol, completando essa data redonda, 70 anos, quadrada e triangular, agradeço – Gracias a la vida! Que me há dado tanto. E celebro com meus filhos, companheiras, neta, irmãs, sobrinhos e cunhados, a minha vida. Recentemente, tive sustos na saúde, sustos que chacoalham a nossa existência e temos que tirar forças outras para enfrentar a vida: que não vai te tratar bem...

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Quem quiser que fale bem de uma idade dita terceira. Queria mesmo era voltar aos 40! Mas não temos opção e seguir em frente é a Pasárgada possível. Comerei pastel de nata, sim! Darei uns mergulhos no mar, e já tenho os meus desejos íntimos. Conquistas? Nunca são muitas. Mas nunca fui ambiciosa. Ter um chão iluminado. Comidinha quentinha na mesa e contas pagas. Saúde e alegria de viver. Quem já teve depressão e síndrome do pânico, sabe do que falo. Um vestido novo, um sorvete de pinha, um entardecer, uma boa noite de sono, são luxos. Mas, e o Carnaval? A loucura dele é um êxtase que me faz falta.

A finitude? Assusta sim. Os cabelos brancos nos lembram sempre dessa data num futuro próximo, mas gosto de pensar num futuro perdido nas nuvens, que não tenho controle, que ele só aconteça.

E como as lobas das Mulheres de Clarissa Estés Pinkola, celebro:

“Coma Descanse Perambule nos intervalos Seja Leal Ame os filhos queixe-se ao luar Apure os ouvidos Cuide dos ossos Faça amor Uive sempre".

Amar a arte é desvendar um universo de emoções, expressões e significados. É mergulhar nas profundezas da criatividade humana e se d...

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Amar a arte é desvendar um universo de emoções, expressões e significados. É mergulhar nas profundezas da criatividade humana e se deixar envolver pela beleza que ela nos proporciona. A arte transcende a mera função decorativa, é a manifestação da alma do artista, que busca transmitir suas ideias, sentimentos e visões de mundo através de formas, cores, texturas e sons.

“ Todo vício tende a justificar-se ” (Nietzsche)       Apenas, uma dose! Só um tiquinho, não ofende! Uma lasquinha, ...

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Todo vício tende a justificar-se
(Nietzsche)



 
 
 
Apenas, uma dose! Só um tiquinho, não ofende! Uma lasquinha, não me derruba! No instante que quiser, pularei fora! Posso entrar, sairei num segundo! Essas são as senhas para se entrar pela porta da destruição. Iscas que conseguem pegar o peixe confiante de sua esperteza.

A transição do analógico para o digital, no âmbito da produção cultural, não foi apenas técnica; foi também na forma como se percebe, c...

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A transição do analógico para o digital, no âmbito da produção cultural, não foi apenas técnica; foi também na forma como se percebe, consome e contribui para a cultura.

Para quem viveu antes da revolução digital, não foi tão simples atravessar essa fronteira.

Meu amigo, bom dia! Ontem, você me enviou um vídeo sobre os corpos celestes, de modo que pudéssemos, entre eles, situar a Terra e ...

universo buraco negro
Meu amigo, bom dia! Ontem, você me enviou um vídeo sobre os corpos celestes, de modo que pudéssemos, entre eles, situar a Terra e ver o seu tamanho, relacionando-a com os demais planetas, satélites, asteroides, nebulosas e galáxias. Lembrei-me do que dizia sempre, em sala de aula, sobre a relação entre a grandeza do universo e a do nosso planeta. A estrela mais próxima da Terra é Alpha Centauri, também conhecida como Rigil Kentaurus, encontrando-se à distância de 4,37 anos-luz.

Em sua autobiografia, intitulada Poesia e Verdade (1811), o poeta, polímata e estadista Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832) conta...

goethe napolis
Em sua autobiografia, intitulada Poesia e Verdade (1811), o poeta, polímata e estadista Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832) conta o que o levou a desenvolver uma estética da sua vida pública e privada. A obra deu originem a dois gêneros literários: a autobiografia moderna e o romance de formação. O poeta alemão defende que a arte (e mais especificamente a poesia nacional) deve estar enraizada nos acontecimentos da vida dos povos. A tese destaca a diferença entre o artista, que expressa as identidades e

Ora, direis, ouvir besteiras! Pois é só o que eu tenho escutado, de uns tempos pra cá. É natural encontrar anglicismos, na língua ...

anglicismo linguagem estrangeirismo
Ora, direis, ouvir besteiras! Pois é só o que eu tenho escutado, de uns tempos pra cá.

É natural encontrar anglicismos, na língua falada ou escrita. Isso pode acontecer em todos os idiomas: a adaptação de palavras de outras línguas que se tornam corriqueiras num determinado país.

Machado de Assis, em seu romance “Quincas Borba”, escreve que a inveja é “a admiração que luta”. O professor e historiador Leandro Karn...

inveja obsessao
Machado de Assis, em seu romance “Quincas Borba”, escreve que a inveja é “a admiração que luta”. O professor e historiador Leandro Karnal a define como a tristeza pela alegria alheia. O que bem dialoga com o pensamento do Bruxo de Cosme Velho. Parece, então, ser bem difícil lidar com o sucesso alheio. Para alguns, é preferível negá-lo a reconhecê-lo.

Tenho lido críticas por parte de estudiosos da língua ao uso de “Gratidão” no lugar de “Obrigado”. Alegam que esse é um caso de pe...

obrigado gratidao agradecimento lingua portuguesa
Tenho lido críticas por parte de estudiosos da língua ao uso de “Gratidão” no lugar de “Obrigado”. Alegam que esse é um caso de pedantismo e não deve substituir a forma clássica com que nos acostumamos a reconhecer um favor. “Gratidão”, de fato, soa um tanto pomposo. É como se, com a escolha do substantivo, o favorecido quisesse enfatizar o sentimento e não simplesmente mostrar que dele está imbuído.

Não há necessidade de esperar tanto tempo para cair na real, ou no chão, como ocorreu com o meteorito contrito ordinário, santa filom...

moises michelangelo
Não há necessidade de esperar tanto tempo para cair na real, ou no chão, como ocorreu com o meteorito contrito ordinário, santa filomena, que se alojou em nosso planeta após vagar solitariamente por 4,5 bilhões de anos no deep space.

Lá pelos meados dos anos 80 do século passado, eu vivia os primeiros dos meus 20 anos. Ainda portava um pouco de ingenuidade, mas mui...

conto mediunidade cronica aurelio cassiano
Lá pelos meados dos anos 80 do século passado, eu vivia os primeiros dos meus 20 anos. Ainda portava um pouco de ingenuidade, mas muito da vida adulta já havia estreado e conhecia muito bem, como diria Caetano “a dor e a delícia” de cada estreia. Já cultivava uma certa “espiritualidade”, até pelas minhas experiências religiosas, notadamente a minha passagem, à época, plenamente em voga, pelo espiritismo kardecista, na Casa da Vovozinha.

Duas notícias recentes: roubaram o busto de bronze (45 quilos) que adornava o túmulo de Nelson Rodrigues no cemitério São João Batist...

cemiterios nelson rodrigues
Duas notícias recentes: roubaram o busto de bronze (45 quilos) que adornava o túmulo de Nelson Rodrigues no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, e os sobrinhos-netos de Jorge Luís Borges querem trazer seus restos mortais de Genebra para Buenos Aires. Os dois fatos mostram o desrespeito de que são vítimas os mortos no Brasil e além. Vejamos.

Nas caminhadas com os pés na areia molhada, vez por outra pisando espumas, estabelece-se um elo de magnetismo, ora cósmico, ora místico...

urubus abutres natureza
Nas caminhadas com os pés na areia molhada, vez por outra pisando espumas, estabelece-se um elo de magnetismo, ora cósmico, ora místico, a nos provocar envolvente sensação de uma verdade que desconfio seja fé. Não a fé dogmática, ensinada, aprendida, comprada, mas um estado inebriante de segurança, como se o ego explodisse, se espalhasse por tudo ao redor e voltasse entrando pela pele, pelo cheiro, pelo som e pela visão oceânica das exuberantes belezas à margem do Atlântico, testemunhadas por todos os sentidos do corpo e do espírito.

urubus abutres natureza
Genevieve Dallaire
Como é bom soltar a imaginação e, de repente, imaginar-se caminhando na superfície do imenso planeta, por uma borda de terra e mar, com o céu refletido no abismo a brilhar do chão molhado. Nesse momento as pisadas nos fazem levitar bem no meio do transparente limiar entre dois céus de nós mesmos.

Mais na frente, uma coisa de que já falamos por aqui e que sempre nos chama atenção: os privilegiados urubus destas monumentais falésias. Que animais de sorte! Livres e privilegiados, com tudo isto sob si e só para si, sem ser perturbados por qualquer intruso, nem precisar sequer movimentar as asas para flanar sobre um cenário tão paradisíaco.

Lembrei de que em outra caminhada um grupo deles se reunia em terra ao redor de um banquete trazido pelo mar. Ao noa aproximarmos, vimos que era uma tartaruga marinha cuja cabeça certamente ficou presa em uma das redes que ali são içadas indiscriminadamente. Lembrei de tê-las visto outrora brincando nos corais em frente à nossa casa, um nicho favorito de seu habitat... Pensei em denunciar... mas, que nada, vão fazer o quê?

urubus abutres natureza
PXH
Deixemos as tartarugas e voltemos aos urubus. A eles só a brisa e a contemplação da paisagem interessam. Vez por outra, dois ou três alçam voo e planam sem o menor esforço, com movimentos deliciosamente suaves e harmônicos.

Há uma patota que costuma estrategicamente sempre se reunir em galhos no topo de um pequeno monte da encosta colorida por nuances de argila, salpicada de arbustos, em encantadoras assembleias matinais. E lá se avistam em harmonia, sem nem imaginar que são tão discriminadas pela poesia humana... Tão repudiadas pela maioria... que além de ignorar a grande contribuição que dão à Natureza, não percebe o lirismo que costumam emprestar àqueles céus, àquela paisagem, àquela vida de liberdade, paz e aconchego. Que felicidade! Além do visual que desfrutam habitam um lugar deveras seguro, longe e protegido dos que deles se enojam e os chamam de “abutres”.

Intimamente, com certo regozijo de superioridade, eles parecem saber muito bem quem sempre foram e continuam sendo neste mundo os verdadeiros abutres...

urubus abutres natureza
Matt Gillman