E les não eram  peagadês. Mas, como sabiam! Tinham cultura e compostura. Impunham muito respeito, não só pelo saber, mas pele ética. Estou m...

Eles não eram peagadês. Mas, como sabiam! Tinham cultura e compostura. Impunham muito respeito, não só pelo saber, mas pele ética. Estou me referindo a um período áureo de nosso ensino secundário que me deixou agradáveis lembranças. Começo com Carlos Coelho, professor de História do Brasil, disciplina que conhecia a fundo. Duvido que algum aluno dormisse em suas aulas. Que humor na narração dos fatos! No que alude á nossa independência, sorrindo, ele dizia que segundo informavam, o nosso Dom Pedro I, depois do grito “Independência ou morte!”, que inspirou um quadro do artista Pedro Américo, sentiu uma forte dor de barriga e teve de se aliviar no matagal perto. O professor Mauro Coelho dizia isso, sorrindo. Ele sustentava o sorriso com um lenço.
Suas preleções didáticas e eruditas, repassadas de humor , nos fascinavam. E quando tocava a sineta, saíamos da sala de aula meio tristes. Não há coisa melhor do que um bom professor.
Vamos a outro mestre, Dr. Otacílio de Albuquerque, que ensinava matemática. Excelente mestre dos números. Difícil disciplina que ele sabia torná-la accessível, por incrível que pareça. E ele falava pausadamente.
Mas depois veio o Monsenhor Odilon Coutinho, cuja didática não me agradou. E vamos ao nosso professor de Francês, Celestin Mausac, com suas versões e tradições. Aprendi pouco com o mestre. E o inglês, quem nos ensinou? Não foi outro senão o professor Álvaro de Carvalho, ex-presidente do nosso Estado, substituindo João Pessoa e que faz parte da galeria dos patronos de Academia Paraibana de Letras. Álvaro de Carvalho era professor de inglês e de otimismo. Sempre revelava aos alunos a sua origem humilde. Seu pai foi barbeiro. Procurou sempre estimular os alunos e conscientizá-los da importância do tempo. Criminoso era o que matava o tempo, dizia ele. Mas o que mais me encantava em Álvaro de Carvalho era sua postura. Uma postura de dignidade. E ei-lo de carteira e carteira, perguntando aos alunos: ”What ‘s this? Era um homem íntegro, de muita dignidade. Impunha um enorme respeito. Impecável no vestir.
Outro professor de História, foi o Aníbal Moura. Sempre bem humorado, vez por outra saía da lição para criticar algo. Ele não quis acreditar que o poeta Carlos Drummond fosse o autor do poema que falava de uma pedra no meio do caminho. Aliás, o famoso crítico Agripino Grieco disse que só lamentava que não houvesse alguém para atirar aquela pedra no autor. Lembrar que o bom-humor faz parte de uma boa didática. Daí o professor sair, de vez em quando, do tema da lição.
O professor Aníbal estava sempre com uma pastilha Valda na boca para aliviar a garganta.
Que tal encerrar aqui a crônica? Sim, mas antes falemos ligeiramente do grande professor Luiz Gonzaga Burity, pai do nosso Tarcisio, que foi governador. Sereno, sério e, sobretudo, culto, o professor Burity pai fez a gente gostar de Latim. Como sabia ilustrar a disciplina que ensinava... E vamos encerrar a crônica e as aulas.

P or conta de minha alimentação basicamente integral, cuja exceção só ocorre quando saio pelo mundo afora, desta vez, atendi ao convite dos ...

Por conta de minha alimentação basicamente integral, cuja exceção só ocorre quando saio pelo mundo afora, desta vez, atendi ao convite dos amigos, e fui participar do almoço de confraternização que Fátima Bezerra Cavalcanti ofereceu aos amigos da Academia Paraibana de Letras, num restaurante aqui de Tambaú, pela sua recente e expressiva eleição como imortal daquela veneranda instituição. Resolvi substituir o prato de arroz integral por um suculento prato de camarão, que ainda está motivando minha salivação.
O restaurante estava cheio de imortais admiradores da desembargadora e escritora Maria de Fátima, cujo sorriso conseguiu amenizar o rigor da toga que veste, lá no Tribunal de Justiça.
E eu fiquei pensando com os meus botões, como é divino o sentimento de confraternização, que tanto nos distancia dos animais. Mas o que mais me encantou foi ver um José Nêumanne vindo lá do sul do país para votar e solidarizar-se com a colega eleita. O mesmo digo do nosso querido Eilzo Matos, saindo do seu sertão para votar e se confraternizar com a candidata eleita.
A alegria dominava e contagiava todos. Vi sorrisos e felicidade nos rostos do primo e magistrado Alexandre de Luna Freire, numa animada mesa, a que não faltaram Ramalho Leite, ex-superintendente deste matutino e candidato a uma vaga na Academia, o nosso Gonzaga Rodrigues, meu conterrâneo, rindo dos seus oitenta anos. Estavam também o nosso Flávio Tavares, eufórico, ainda em plena lua de mel com a imortalidade acadêmica, o sereno e discreto Humberto Melo, o poeta sempre bem humorado, Astênio Fernandes, sem esquecer o nosso Juarez Farias, o Flávio Sátiro, que está editando uma bela revista de cultura, Maria das Graças Santiago, Mercedes Cavalcanti, a nossa Pepita, em animada conversa com o historiador Wellington Aguiar, que não cabia em si de contente. Vez por outra soltando boas gargalhadas.
Mas o grande maestro daquela orquestra de solidariedade humana era, e só podia ser, o dinâmico presidente da Academia, o nosso Damião, que está fazendo bons melhoramentos na Casa de Coriolano de Medeiros, inclusive colocando corrimãos na entrada da Academia, cuidando, assim, da segurança dos imortais idosos.
E que dizer do meu amigo, primo e alagoanovense Wills Leal, cheio de vivacidade intelectual. Não dá para falar de todos. Na minha mesa estava a nova imortal, Wills Leal e o desembargador Marcos Cavalcanti, que já está de livro novo para lançar.
O ex-governador José Maranhão, contente com a imortalidade da esposa, estava também presente, em animada conversa, certamente falando de política, que é a sua “cachaça”.
E o gostoso mesmo foi o prato de camarão que me fez esquecer o arroz integral e as verduras por algum tempo.
Eleição e confraternização ao vivo. Festa de amigos. E como faz bem à saúde a solidariedade humana! Saí do restaurante não de barriga cheia mas com o coração pulsando de alegria.
E melhor ainda foi a carona que meu primo Alexandre Luna Freire deu a mim e ao Eilzo Matos, que me falou da seca do sertão, dos açudes secando. A água se tornando difícil, menos a água das lágrimas do sertanejo, que, embora, antes de tudo um forte, como disse Euclides da Cunha, já não aguenta tanta penúria e tanto descaso.

C onfesso que não quis acreditar. Mas, depois, repensei: por que não acreditar, se ele foi sempre assim, desde menino, quando fazia questão ...

Confesso que não quis acreditar. Mas, depois, repensei: por que não acreditar, se ele foi sempre assim, desde menino, quando fazia questão de andar de roda gigante, com apenas 4 anos, acompanhado da babá, deixando os pais, lá embaixo, de mãos geladas de medo. E ele nunca teve medo. Se estivesse no lugar de Pedro, quando Jesus o convidou a andar sobre o mar, duvido que fizesse como o apóstolo querido, que terminou se afogando, não fossem as mãos do Mestre que o seguraram.
Mas quem é esse que nunca teve medo? Não sei se o leitor, a esta altura, já sacou. Mas estou me referindo ao meu caçula, Germano, que teve a ousadia de pegar uma bicicleta e sair correndo pelas ruas de Paris, como se estivesse na praia do Amor, onde passa o fim de semana. Pasmei de tanta coragem, quando estive, recentemente, na Cidade Luz. Não cheguei a vê-lo pedalando por toda Paris. Vi depois, no quadro Parada Obrigatória, do programa Cá Entre Nós, da RCTV, muito bem apresentado pela amiga Rose Silveira, em que ele traz para nós a paisagem, a cultura e o cotidiano das grandes metrópoles. Mas, agora, o que eu estava vendo era o caçula montado numa bicicleta e correndo pelas ruas da bela cidade. Deu-me uma inveja danada. Jamais faria tal façanha.
Acho mesmo que o outro filho, o primogênito, professor Phd da nossa UFPB, também faria isso, pois o que gostava, outrora, era o surf. Sua grande aventura, abraçando as ondas. Mas o meu galego desmoralizou Paris. Passou pela Torre Eiffel, que tremeu diante daquela afoiteza, da Notre Dama, que, decerto, fez o sinal da cruz diante da coragem do paraibano multifacetado, que é arquiteto, bacharel em Música, jornalista, escritor e apresentador de TV.
E ele adora alturas. Dai estar subindo, diariamente, na sua Arquitetura, através dos ousados projetos.
Que inveja Germano me fez naquele passeio pela cidade que mais admiro - Paris. Que bom passear pertinho do Sena, que bom respirar o ar da bela cidade, pedalando!

 Repito. Este meu caçula faz o medo ter medo dele. E quando lhe dei a primeira palmada, ele não botou uma lágrima. Mas é capaz de chorar quando alguém maltrata uma maria-farinha, lá na praia onde vai se encontrar com a Natureza e sonhar com um mundo melhor.

Azamor... O nome rima com amor. Mas tinha que ser. Ele não sabe o que é ódio, mágoa, nem ressentimento. Um homem simples, de vida limp...

Azamor... O nome rima com amor. Mas tinha que ser. Ele não sabe o que é ódio, mágoa, nem ressentimento. Um homem simples, de vida limpa, que deve à sua felicidade a duas coisas: a esposa Gizélia, aos dedicados filhos e ao Espiritismo.

S im, estou me referindo ao meu irmão e quase pai, Eudes Barros. Irmão mais velho do primeiro matrimônio, pois minha mãe casou-se duas vezes...

Sim, estou me referindo ao meu irmão e quase pai, Eudes Barros. Irmão mais velho do primeiro matrimônio, pois minha mãe casou-se duas vezes. Somos filhos de Alagoa Nova, cidade que Eudes qualificou com muita razão de “sítio público de mangueiras”.
Mas vamos ao poeta, ao historiador, ao jornalista, ao escritor. Deixou dois livros de poemas, ”Fontes e Paús” e “Cânticos da Terra Jovem”. Ainda criança, numa manhã de inverno, ele viu um pingo d'água caindo de uma planta e gritou chamando a mãe. Quando esta chegou, ele foi logo dizendo, no seu entusiasmo de 4 anos: “olhe uma lágrima do céu caindo daquela árvore”. Era a sua primeira manifestação lírica. A mãe não quis acreditar no que via.
E eis que sai seu primeiro livro de poesia para surpresa de muitos. Mas depois, o poeta já maduro, publica “Cânticos da Terra Jovem”, em que se encontra o poema que se tornou famoso a ponto de ser declamado na BBC de Londres. Trata-se de “Jesus Brasileiro”. E dizem que Eudes escreveu o famoso poema para amenizar a ira do Arcebispo Dom Adauto, que não gostou de um artigo em que ele cometera o “pecado” de qualificar a santa comunhão de “antropofagia mística”.
Eudes foi jornalista a vida toda. Jornalista polêmico. Fundou um jornal denominado “A Rua”, que ficava na Rua Duque de Caxias. O jornal era quase todo feito por ele. Não usava a máquina de escrever, mas a pena. Não chegou a conhecer o computador...
E foi neste jornal que ele escreveu por muito tempo. Temperamento polêmico, o que fez arranjar alguns inimigos, Eudes também foi um grande lírico. E n'A União, ele manteve, por muito tempo uma coluna que assinava com o pseudômino “Til”.
Causaram sucesso os seus livros de história, inclusive o romance “Dezessete” e Eles sonharam com a liberdade. Eudes Barros é hoje patrono de uma cadeira no nosso Instituto Histórico,
Ele foi um solteirão inveterado. Mas, um dia, pensou em pedir a mão de uma moça da sociedade. E meu pai, homem sério, meio constrangido, foi ser o intermediário desse pedido. O noivado não durou um mês... E terminou a vida solteiro.
Seu ídolo foi o jornalista Carlos Lacerda. Ambos se correspondiam. Manteve ligeira polêmica com o historiador e imortal da nossa Academia, José Octávio, cujo tema era o marxismo. Parece que este levou a melhor.
Eudes Barros viveu o resto de sua vida no Rio de Janeiro. Era colaborador efetivo do nosso Instituto Histórico. Certa vez, chegou para mim, e disse: “vou levar você ao Recife. Você precisa conhecer uma uma grande metrópole”. Eu era menino ainda. Fui, e fiquei encantado com a cidade, principalmente com os seus bondes.
Mas voltando ao seu “Jesus Brasileiro”, trata-se um poema que mereceria estar nas nossas escolas primarias. Um poema que termina dizendo que “Jesus, aqui, não morreu numa cruz de madeira, e sim numa cruz de estrelas”.

 Ele me tratava como um filho. Muito me estimulou. Fico, aqui, não com os olhos cheios d'água, mas com uma grande saudade.  

G onzaga Rodrigues, por conta de seus bem vividos oitenta anos, do muito que fez e está fazendo pela nossa cultura, foi alvo de merecidas ho...

Gonzaga Rodrigues, por conta de seus bem vividos oitenta anos, do muito que fez e está fazendo pela nossa cultura, foi alvo de merecidas homenagens. A União não pensou duas vezes e eis o cronista fazendo parte das comemorações do venerável matutino, que está completando 120 anos a serviço da cultura paraibana. O superintendente Fernando Moura fez questão de uma grande festa, reunindo toda a família do jornal, à qual não faltou o nosso Hélio Zenaide, um dos melhores veteranos da nossa imprensa.
Mas os oitenta anos do nosso Gonzaga e as doze décadas do velho matutino, que está cada vez mais jovem, motivaram a festa. E o nosso cronista-mor estava vibrando de alegria e entusiasmo como se estivesse mangando das suas oitenta primaveras. Aliás, Gonzaga, no seu sorriso parece chorar.
A verdade é que o mestre da crônica, que aprendeu jornalismo sem se ensinar, como diria o poeta pernambucano Ascenso Ferreira, é um homem de alma escancarada, jamais se fechando. Nasceu em Alagoa Nova, respirando o mesmo ar que respirei. Ar puro daquele “sítio de mangueiras”, como diria o poeta Eudes Barros.
Mas o bonito mesmo foi ver no telão da festa e na capa do Correio das Artes o nosso cronista cheirando uma flor. Que lindo! Perfume da flor, sorriso de Gonzaga.
A beleza é que tivemos uma verdadeira gonzagração. Parabéns ao superintendente Fernando Moura e sua equipe pela idéia de colocar a festa dos oitenta anos de Gonzaga Rodrigues na programação comemorativa 120 anos do nosso secular matutino.
E termino a crônica dizendo: Gonzaga velho? Não. Não envelhece quem nunca perdeu oentusiasmo pela vida, quem está com a cabeça cheia de idéias, quem sabe fazer amigos, quem tem uma família bonita com que o cronista soube transformar o lar num paraíso.
Vamos, Gonzaga, dar aquele sorriso de quem está em paz com a vida, com a consciência sem remorsos, de quem não esqueceu a responsabilidade de viver.

Vamos cheirar a vida como cheiraste aquela flor que a foto documentou, na capa da revista “Correio das Artes”, em homenagem aos teus muito bem vividos oitenta anos.

Para ver bem, através da memória, você tem de fechar os olhos. Aí o passado começa a se desenrolar no presente. Melhor dizendo, o passado vi...



Para ver bem, através da memória, você tem de fechar os olhos. Aí o passado começa a se desenrolar no presente. Melhor dizendo, o passado vira presente. O homem agora é um menino de calças curtas, num sítio enorme, cheio de árvores com frutas de todos os tipos e sabores, desde o sapotí à manga. Manga espada, manga rosa, manga bacurí, manga baronesa, manga do papo roxo, manga... Basta! Senão vem aquela indigestão seguida de boas palmadas, pois o pai não permite abusos.


O sítio era imenso, como já disse, e o gostoso mesmo era subir nas árvores e ficar espiando, lá do alto, o quintal dos outros. Minha irmã dizia que era o “nosso cinema”. Agradável bisbilhotice. Ah, se meu pai soubesse... Naquele tempo ainda não havia a lei da palmada. E existia o castigo nas nádegas para tudo. Não ter apetite (também chupando manga e outras o tempo inteiro)... Não querer ir à escola, responder mal às pessoas, não desejar tomar banho, dizer nome feio, como bunda e assim por diante. Mas, pior do que as palmadas eram os bolos, palmadas nas mãos. E que dizer de tomar óleo de rícino (ruim como o diabo) para matar as lombrigas, sem esquecer o óleo de fígado de bacalhau?

O sítio era um reino encantado. Tinha de tudo, de frutas às brincadeiras. Tinha até namoros com as meninas das vizinhanças: Iara, Susana, Belkiss, Graziela... Mas tudo terminava e não passava de um beijo. Beijo na boca...

Lembrar que eu era caçula e ser caçula é a melhor coisa do mundo. Bem que deveria haver o Dia do Caçula.

E que tal o primeiro dia de aula? Uma beleza. Um novo mundo se descobria aos nossos olhos. A professora (minha professora se chamava Beatriz) era branquinha e perfumada. Primeiro dia de aula. Como era gostoso cheirar os livros novos que a escola recomendava. Tantos rostos desconhecidos. Garotas lindas, meninos chatos. Mas, logo depois vinha aquela saudade do sítio. A boca pedindo manga, os pés pedindo espaços para correr, a vida virando paraíso...

Mas chegou a hora de abrir os olhos e esquecer o passado. Abrir os olhos para a realidade, e para o presente.

O lho para o relógio, em que os ponteiros parecem parados. Dir-se-ia que o tempo anda a passos de cágado. E talvez assim seja, ou que assim...

Olho para o relógio, em que os ponteiros parecem parados. Dir-se-ia que o tempo anda a passos de cágado. E talvez assim seja, ou que assim pensemos. Dessa maneira a gente não se inquieta tanto com o passar do tempo.
Mas, a verdade é que, teoricamente, a trindade “futuro, presente e passado” vai marcando nossa marcha no tempo. Afinal, qual desses momentos devem ser levados a sério? Que indagação tola, cronista. Está na cara que o que importa, o que vale, é o presente, que é este tempo que já está virando passado. Dir-se-ia que o passado é o cadáver do tempo. Mas aí é que está o engano. Este cadáver está cada vez mais vivo, na nossa memória. É nele que estão os nossos erros, as nossas frustrações, nosso aprendizado. É recomendável, vez por outra, estar consultando-o. É bom viver o presente com as advertências do passado, esse cemitério de experiências. Queiram ou não, somos, em muitas coisas, o nosso próprio passado. Que seria dos museus se não fosse o passado? O presente está nele gritando advertências.
Mas falemos também do futuro, que nada mais é do que uma hipótese, um vir-a-ser. Como diz o ditado , o futuro a Deus pertence. A verdade é que toda a nossa vida se encaminha para ele. O futuro, portanto, se caracteriza pela incerteza. Nesta vida a gente não sabe o que ocorrerá no minuto seguinte...
Futuro, presente e passado. Qual seria o mais importante? Eu torço pelo presente. De sua vivência, depende um bom ou mau passado. Portanto, vamos aproveitar este presente, este aqui-e-agora.
O perigo do tempo é que ele passa silencioso e imperceptível. Se ele gritasse, se ele advertisse, se ele chamasse nossa atenção... Se ele dissesse: não durma, não se distraia, não deixe a vida se escoar, inutilmente.
Disse um autor espiritualista que o tempo é como a terra. Se nada plantamos nela, nada colheremos. Tempo vazio implica numa grande responsabilidade. E quando cerrarmos os olhos para a outra vida, a indagação será esta: o que fizeste de tua vida, do teu tempo, e de tua inteligência?

P ois é, deu-me vontade de escrever sobre meu tio torto, José Leal, ou Zé Leal para os mais íntimos. Um grande homem, que não tinha nada de ...

Pois é, deu-me vontade de escrever sobre meu tio torto, José Leal, ou Zé Leal para os mais íntimos. Um grande homem, que não tinha nada de torto. Pelo contrário, o homem era muito espigado. Parece que estou o vendo no seu trânsito diário em direção ao jornal O Norte, mas antes de ter dado um dedo de prosa na Associação Paraibana de Imprensa, que ele fundou e que era a sua segunda casa.
José Leal rima com jornal e este foi sua cachaça a vida inteira. Jornalista sem diploma, seja de Mestre, seja de Doutorado, muito menos de pós-doutorado...
Sua grande universidade foi a vida. Mas antes de vir lá de Alagoa Nova para cá, José Leal trabalhou na conservação de estradas. E foi nesse trabalho que ele foi soterrado com a queda de uma barreira. Deram-lhe como morto. E quando retiraram a terra que o cobria, eis que o encontraram totalmente sujo, mas sorrindo. Ninguém quis acreditar no que via. Assim me contaram.
Mas deixemos o trabalhador de estradas e voltemos a falar sobre o jornalista que aprendeu jornalismo sem se ensinar, como diria o poeta Ascenso Ferreira.
José Leal não foi apenas meu tio, e sim meu amigo. Davam-nos muito bem, Sabendo do meu gosto pela música erudita, convidou-me, justamente com Gonzaga Rodrigues, para organizar, naquela casa, a sua A.P.I., uma discoteca com discos de Bach, Beethoven, Chopin e vários outros gênios, Os discos eram pesados e grandes. A vitrola era enorme e movida a corda. Não sei se Gonzaga se lembra disso. Só sei que a nova discoteca veio modernizar aquela casa.
José Leal foi um homem de uma tenacidade admirável. Se não me engano (me ajuda, Wilis Leal!) ele ignorava o que era medo. Outra coisa: não sabia o que era ociosidade. Levou toda a vida trabalhando. Enquanto seus dedos dançavam no teclado da Remington, o cigarro ia enchendo a sala de fumaça. José Leal foi um fumante inveterado. Até andando a caminho de casa, lá para as bandas de Trincheiras, o cigarro não saía de sua boca. Outra coisa: nada o perturbava. Podiam jogar uma bomba aos seus pés, que ele não se incomodava. Parecia que tinha nervos de aço, tal era a sua serenidade. E José leal conhecia bem a história da Paraíba. Escreveu bons livros sobre essa matéria.
Meu tio José Leal... Fui vê-lo no hospital. Estava arquejante. Calado, o olhar fixo no teto. Tossia com muita dificuldade Os pulmões, completamente avariados em conseqüência do enfisema. O silêncio dominava a sala. Que diferença do burburinho agitado da sala da redação... Por fim, ele olhou para mim e cochichou: “Carlos, só levo um desgosto da vida: o de ter fumado. “E virou o rosto para a parede. Seu pulmão estava profundamente comprometido. Não havia mais cura... Ainda bem que eu, que fui fumante, deixei o vício em tempo.

 Meu tio José Leal, tão forte para tantas coisas, mas se deixou dominar pelo venenoso e fedorento vício... Assim mesmo não podemos deixar de dizer: Zé Leal, que legal!...  

D ifícil encontrar um homem bom, simples e que sabe cultivar amizades. A prova é que um homem assim nunca está só, mas sempre em boa companh...

Difícil encontrar um homem bom, simples e que sabe cultivar amizades. A prova é que um homem assim nunca está só, mas sempre em boa companhia. Estou me referindo ao desembargador Francisco Espínola, que já saiu de nossa convivência física, mas jamais da memória. E é em louvor a essa memória, que a família, em boa hora, pretende prestar-lhe uma homenagem póstuma pelo centenário de seu nascimento.
Não participei de sua intimidade, mas muito aprendi com ele. Falava pouco e ouvia muito, mas sempre com um sorriso nos lábios. Espínola tinha um bom senso admirável.
Magrinho, sempre bem vestido de linho branco, o magistrado Espínola foi, antes de tudo um excelente chefe de família. E Ana Cândida, minha amiga e sua filha querida, colega de meu filho caçula, muito nos impressionou, sobretudo, pela maneira poética e sensível de ver a vida. Fomos vizinhos por muito tempo, na avenida Nossa Senhora dos Navegantes, onde nossas residências se confrontavam.
A verdade é que os filhos, muitas vezes, falam pelos pais. Honesto, integro, o desembargador Espínola estará sempre na nossa memória, também através do exemplo dos filhos. Impossível esquecê-lo.
Não tenhamos dúvida, repito. Essa homenagem da família que ele tanto amou é um verdadeiro bálsamo para o seu espírito, que, decerto, deixou este mundo com a paz de consciência. A paz de consciência que é o verdadeiro paraíso.
Feliz daquele que sai do mundo sem mágoas, sem ressentimentos, deixando saudades, uma ótima impressão, e, sobretudo, sem ódio.

 Chico Espínola foi, sobretudo, um homem bom. Que se fazia respeitar, não pela carranca, ou pela austeridade, mas pelo puro sorriso que esboçava.

A  primeira vez que o vi foi na livraria do Xavier, lá na rua Maciel Pinheiro. Quem m'o mostrou, foi meu irmão Orlando, que vendo-o, coc...

primeira vez que o vi foi na livraria do Xavier, lá na rua Maciel Pinheiro. Quem m'o mostrou, foi meu irmão Orlando, que vendo-o, cochichou-me aos ouvidos, num entusiasmo de quem fez uma rara descoberta: “olhe ali o Dr. Flóscolo, uma das maiores cabeças da Paraíba”. Olhei, era um homem magro, calvo e silencioso, que estava, a escolher livros, alheio completamente ao ambiente. E o proprietário, decerto, nunca imaginou a presença em sua livraria de personagem tão importante.
Flóscolo comprou um livro e saiu, numa lentidão de sombra. Que livro seria aquele? Fiquei curioso. O tempo foi passando e eis que encontro o Dr. Flóscolo na Faculdade de Direito, ensinando “Introdução ao Direito”. Vez por outra saía artigos seus neste matutino, abordando temas científicos.
Flóscolo da Nóbrega! Como me impressionou, o seu silêncio interior, a sua sólida cultura, a sua sabedoria...
Ao tempo em que eu mantinha, na Rádio Tabajara, o programa de música erudita “Paisagem Sonora”, fui surpreendido com um pedido seu, por telefone, para incluíssemos no programa, “Nabuco”, de Verdi, o que muito nos lisonjeou.
Flósculo era desembargador do nosso Tribunal e muito honrou aquela Corte, não só com sua conduta, mas, sobretudo, com sua erudição. Seus acórdãos eram curtos e objetivos.
Em suas aulas, o silêncio dos alunos era grande. O mestre sabia trocar em miúdos a disciplina mais importante do curso de Direito. Teve como auxiliar o bacharel Jovani Paulo Neto, que me contou um caso interessante a respeito do mestre. Certa vez, os alunos foram surpreendidos com sua risada diante do jornal que estava lendo, criticando a compra de votos. Flóscolo não quis acreditar no que lia, tal a pureza de seu caráter.
Um homem calado, respeitado por todos, o nosso mestre, com o objetivo de facilitar o estudo do Direito, escreveu o livro “Introdução ao Direito”, em que consegue simplificar o assunto, tornando-o accessível aos iniciantes das ciências jurídicas. É que de um modo geral, os mestres do Direito complicam o ensino dessa matéria. É Flóscolo quem diz com muita modéstia: “O presente trabalho não tem outra pretensão além de servir de itinerário aos que iniciam o estudo do Direito. Não é livro para mestres, para doutos, para juristas”. Mais adiante, acentua “A nossa preocupação dominante foi simplificar e clarificar a exposição da matéria”. E conclui: “Evitemos as digressões eruditas, o criticismo exagerado, o abuso de transcrições cansativas de obras estrangeiras”.
Estejamos portanto, vigilantes. Esta obra do professor Flóscolo precisa ser sempre reeditada e a nossa universidade deve estar atenta a isso.
Mas o erudito mestre foi também escritor dos melhores. Seu estudo sobr Augusto dos Anjos é uma profunda interpretação da obra única do poeta. Com esse estudo, ele entra na nossa Academia sendo saudado pelo escritor, jurista e parlamentar João Lélis, que cognominou o nome do novo acadêmico de “devorador de livros”.
Flóscolo da Nóbrega... Há alguma rua com o seu nome? Não, mas uma penitenciária... Que absurdo. Ele nunca foi criminalista. Decerto, rejeitaria tal homenagem. Fiquemos por aqui e jamais esqueçamos o Dr. Flóscolo.

Lembrar que o grande jurista e homem de letras chegou a pedir ao marechal Rondon para fazer parte de sua famosa marcha Brasil a dentro. O marechal negou o pedido, por achá-lo muito jovem, fato que João Lélis cita no seu discurso de saudação ao novo acadêmico.

C hapéus... Antigamente, era só o que se via, seja em homens ou mulheres. O homem desprovido dele era considerado um pobre marginal. O chapé...

Chapéus... Antigamente, era só o que se via, seja em homens ou mulheres. O homem desprovido dele era considerado um pobre marginal. O chapéu definia a personalidade. Eu me lembro que minha mãe falava muito numa tal “Joaninha chapeleira”, onde adquiria seus chapéus, lá na avenida Beaurepaire Rohan.
Não me lembro onde se compravam chapéus para homens... Só sei que meu pai, que sempre foi um homem elegante, usava chapéu de palhinha e de massa. O chapéu era usado tanto pelos ricos como pelos pobres. E era com os chapéus que os homens cumprimentavam as pessoas. Que chique. Tirando o chapéu... Tal costume acabou-se. Vejam como a moda muda. Ontem prevalecia a roupa de linho branco... E o alfaiate Caldas era quem melhor roupa fazia com aquele tecido. Hoje, o tecido para as calças, por incrível que pareça, é aquele Jeans que, quanto mais desbotado, desfiado e rasgado, mais chique parece. Até que ponto chegou o exagero da moda...
Mas eu falava em chapéus, que aqui na nossa cidade só são usados pelo conselheiro e imortal Luiz Nunes e pelo ex-prefeito Luciano Agra. Ora, ora, mas não é que em Paris é só o que se vê e se vende até nas calçadas. Chapéus elegantes, bem confeccionados. E eu terminei comprando um... Fui ao espelho e este me disse, na sua linguagem muda, que o chapéu se deu muito bem no formato do meu rosto. Melhor ainda: fiquei mais jovem. Fui até honrado com uma foto usando o meu chapéu parisiense na respeitada coluna cidadã de meu amigo e vizinho de página, Abelardo Jurema Filho. Não me lembro se seu pai, o ministro e imortal Abelardo Jurema, que era um gentleman e símbolo de elegância da cidade, usou chapéu, hein Abelardinho?

 Mas eu desejo ver chapéus em muita cabeça ilustre, além das de Luiz Nunes e de Luciano Agra. E, aqui para nós, o chapéu dá mais dignidade ao seu usuário. E as mulheres, como elas ficavam elegantes de chapéu!... Será que vão voltar a usá-los? Sei não, só sei que gostei do meu, que serve até para os cumprimentos. Já houve quem dissesse que ele ficou ótimo em mim. E eis-me, novamente no espelho. Ah, cronista vaidoso... Mas, aqui pra nós, quem não é vaidoso nesta vida? Que mal faz minha vaidadezinha inocente? Culpa de Nunes, de Agra, e de Paris...

M anhã de muito sol, aqui no jardim. E faz de conta que não estou num jardim, mas numa sala de concerto. Tudo ainda é expectativa. E existe ...

Manhã de muito sol, aqui no jardim. E faz de conta que não estou num jardim, mas numa sala de concerto. Tudo ainda é expectativa. E existe nada mais gostoso do que a espera de uma boa coisa? Há silencio, e onde há silencio, há paraíso. O inferno, como dizem, além de quente é barulhento. E eis que começa o espetáculo. As borboletas, por sinal, amarelas, começam saltitar sobre as flores. Depois aparece o beija-flor, que deve ter um bico muito perfumado. Ele não chega a beijar as flores, mas suga o mel que há nelas. Não se contenta com uma somente. É grande a fome de beijos. Beijar... Haverá coisa mais gostosa? Já imaginou se não houvesse beijo no mundo? O beijo é uma transfusão de amor.
Mas voltemos ao espetáculo, aqui do jardim, com o céu azul lá em cima e a brisa desejando também beijar estas flores.
De repente, eis que aparece no cenário uma feia lagartixa, que também deseja participar da cena. Ela fica parada num canto, aguardando que lhe venha à boca um colorida borboleta. E eu fico torcendo pelas borboletas. Tão lindas!... A lagartixa decerto tem uma inveja danada das borboletas, por que elas são coloridas e podem voar.
Mas, por que condenar as lagartixas? É e compreensível que todos aqueles que se arrastam no chão tenham inveja dos que se elevam nos ares. As lagartixas não voam, embora corram que nem uma bala.
O sol já está chegando muito forte, e já é tempo de sair do jardim. A lagartixa desistiu de abocanhar a borboleta, que ainda saltita delicadamente sobre as flores, como as mãos do pianista sobre o teclado do piano.
A lagartixa agora resolveu subir no pé de palmeira, para lá do alto ficar contemplando as borboletas, no seu belo bailado.

 Como foram terapêuticos para este cronista estes minutos aqui no jardim! A gente sai com a alma perfumada de poesia. E saber que há tanta gente que passa indiferente por um jardim... Ah, Jesus venha de novo convidar os homens prosaicos a contemplar os lírios do campo. E com eles aprender a lição da transcendência.

O poeta, jornalista e historiador Eudes Barros, em uma de suas crônicas, chamou-o de “Bernardo Shaw de Chapéu de Couro”. Sim, ele era um gr...


O poeta, jornalista e historiador Eudes Barros, em uma de suas crônicas, chamou-o de “Bernardo Shaw de Chapéu de Couro”. Sim, ele era um grande humorista. Levou a vida sorrindo das nossas incoerências. Um mestre arguto, mestre na ironia e de uma sinceridade impressionante.
Era assim o nosso Silvino Lopes, nome, hoje, de uma das avenidas de Tambaú. Quem teve a iniciativa de tão justa homenagem?...
Escrevo esta crônica bastante emocionado, porquanto me fiz seu amigo. Amigo que muito admirei e respeitei. E com quem muito aprendi. Não foi meu mestre apenas, mas meu ídolo. Ao tempo em que trabalhava como revisor deste jornal, Silvino era redator-chefe. Escrevia crônicas maravilhosas, diariamente. Mas antes de sair do Ponto de Cem Réis para o bate-papo com os amigos, ele, em passos lentos, ia subindo para o jornal, devagar, com a cabeça cheia de assuntos para a crônica diária.
Silvino Lopes era realmente meu ídolo, mais do que mestre. Não era simpático de rosto. Sorria nas crônicas. Mais do que isto: dava gargalhadas intimas quando escrevia. Nada de máquinas datilográficas e sim a caneta. Eu, novato na redação, admirador incondicional de suas crônicas ocupava o birô defronte do dele. Silvino, quando não estava escrevendo, estava conversando, e para isso não faltavam amigos e admiradores. Certa vez, notei que todo aquele pessoal caiu na gargalhada apontando para mim. O que teria dito Silvino a meu respeito? Depois veio a informação, o Mestre havia dito: “Lá está Carlos Romero com aquela cara de virgem de Murilo”. O mestre fazia menção ao renomado pintor espanhol.
E de seu permanente bom humor lembro também de que quando passou por aqui, em João Pessoa, o filme clássico “À noite sonhamos”, com Cornel Wilde, sobre a vida de Chopin e com muitas interpretações de suas músicas, Silvino ficou tão encantado que foi ver de novo, mais de uma vez. Ao perguntar-lhe por que ele tinha ido assistir ao filme novamente, ele respondeu: “Carlos, hoje foi que ele tocou bem!”...
De outra vez, ele me contou que um encarregado da faxina doméstica de seu apartamento estava a varrer a sala e levantou os olhos para um retrato na parede, perguntando: “Seu Silvino, quem é esse? ”. E ele: “Esse é Eça”. Como não fazia ideia de quem era Eça de Queiroz, o rapaz saiu ainda mais confuso... Essas e outras davam a medida do bom humor de Silvino Lopes.
O tempo foi passando, e a verdade é que Silvino se tornou meu mestre e amigo. Confidenciou-me muita coisa. Certa vez chegou a me confiar a conclusão de uma de suas crônicas. ”Termine aí” - disse se levantando do birô, pois tinha um compromisso. Suei de medo. Mas exultei com a confiança do mestre.
Escreveu dois livros de crônicas: “Sombras que tiveram nomes” e “Memórias de um sargento de malícias”. ” Livros que tive a agradável surpresa de encontrá-los no Sebo Cultural, do meu amigo Heriberto Coelho.
Não esquecer que o grande cronista foi também um grande teatrólogo. Escreveu as peças “Ladra”, encenada no Teatro Santa Roza, e que me fez chorar; e “Homem bom”, que não tinha nada de bom. Pura ironia do grande humorista.

Q uando eu era menino, não gostava muito de meu aniversário. E sabe por que? Porque, como é em Junho, só me davam fogos de São João...


Quando eu era menino, não gostava muito de meu aniversário. E sabe por que? Porque, como é em Junho, só me davam fogos de São João: mijão, estrelinha, traque de chumbo, diabinho, e nada de brinquedos, caixa de chocolates e assim por diante. Não fiz como fez meu filho caçula, menino ainda, que, em certo aniversário, devolveu todos os presentes que recebera, tal a sua sinceridade que superou a delicadeza. Ansioso por brinquedos, naquele dia só recebera roupas, daí a devolução.
Mas voltando a mim, houve um aniversário em que, mesmo em época junina, deram-me de presente um pequeno livro de História do Brasil, todo ilustrado. Uma beleza. Esqueci os fogos, deitei-me na cama e fui ler aquele presente saído das mãos de minha tia Autinha, professora da Escola Normal e muito culta.
Livro ainda é o maior presente. E que tal uma camisa? E que tal uma gravata, um ipod? Sei lá. Ha tantos presentes bons. Mas o cronista-menino só não gostava da festa junina, que coincidia com a data de seu aniversário.
A verdade é que aniversário é muito gostoso, mesmo sabendo que é mais um ano na vida da gente. Mas o que querem? Aquela tão cantada modinha do “parabéns para você” não termina desejando muitos anos de vida ao aniversariante, depois que apagam a vela espetada no bolo?...
É preciso lembrar que velhice é experiência, e experiência é sabedoria. E o que seria da vida sem a sabedoria?
Mas continuemos a crônica. Já que falei em aniversário, que tal falar do meu, ocorrido, um dia desses? Que belo momento em que recebemos beijos, abraços e votos de parabéns. É por ocasião do aniversário que a gente vê se tem ou não amigos...
E os presentes? Um bocado. Todos embrulhados em papel-colorido, menos o do meu filho caçula, meu galego de coração, Germano, que insiste em ser meu pai. O presente foi uma visita a Paris, a cidade que eu adoro. Paris, e de quebra Lisboa. Mas lembrar que ele foi um grande presente que Deus me deu, juntamente com o que tem meu nome, o primogênito Carlos. E fico por aqui, de olhos molhados...

A qui para nós, eu nunca vi em minha longa vida, uma amizade tão profunda, tão reverencial, da parte do neto. Mas qual o neto que tem a feli...

Aqui para nós, eu nunca vi em minha longa vida, uma amizade tão profunda, tão reverencial, da parte do neto. Mas qual o neto que tem a felicidade de ter um avô como aquele? Um mestre por excelência, integro até demais, incapaz de um deslize, que, como Secretário do Interior de nosso Estado, me impressionou pelo zelo com a coisa pública. E eu fui seu assessor. Assessor e aluno ao mesmo tempo. Ele, vez por outra, me chamava para ouvir um de seus eruditos arrazoados. Tinha grande confiança em mim, e isto fazia aumentar ainda mais minha responsabilidade.
E sabe de uma coisa? Foi ele quem arrumou o meu primeiro emprego, depois de formado. Nomeou-me Juiz Substituto de Santa Rita. E para quem estava necessitado de prática forense, aquela nomeação foi um maná do céu.
Mas já é tempo de revelar o mestre e amigo, não esquecendo o talentoso neto: Osias Gomes e Cleanto Gomes Pereira, hoje advogado de nota e cronista.
Osias muito me impressionou, não só pela cultura, como pela ética. Profundamente religioso, conhecia a Bíblia palavra por palavra. Escreveu uma excelente biografia, sob o pseudônimo Baruque. Fez parte de nossa Academia de Letras, aumentando ainda mais o conceito daquela magna instituição.
Osias Gomes foi um exemplo de conduta e cultura. Escrevia com uma invejável presteza, enchendo laudas e mais laudas de papel.
Mas cometeria uma injustiça se esquecesse de mencionar, aqui, o belo trabalho biográfico, de autoria do neto Cleanto, e que me chegou às mãos como uma dádiva. Um trabalho que vale por uma enciclopédia sobre o ilustre e querido avô. Presente do neto privilegiado. Trata-se de “Permanência de Osias Gomes”, que nenhum paraibano pode deixar de ler.
Osias era todo dinamismo, nunca estava parado. Perspicaz, às vezes irônico. Lembro de um fato que dá a medida de seu humor. Fomos a Pilar, numa homenagem a José Lins do Rego. Uma comitiva ilustre, a maioria de membros de nossa Academia. No alpendre da casa, onde nos hospedamos, podia faltar tudo, menos amendoim, já torradinho sobre uma larga mesa. Porém, ninguém quis prová-lo. Mas, Osias, observador, cochichou-me aos ouvidos, sorrindo: “o padre foi a exceção”. Sim, um sacerdote, que não me lembro quem, fazia parte da comitiva, e comeu muito amendoim.

 Assim era Osias, culto, cheio de idéias, sincero e com grande apetite para a vida.