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agosto 30, 2019
(Silvino Lopes)
Faz algum tempo que, lamentando a morte de um crítico, escrevi no meu "Diário".
Anguloso e tristonho, com uma voz de barítono em transição para baixo profundo, Gonçalo Torres foi, no seu tempo, o gênio da Crítica teatral. Em todas as suas críticas, sobrepairava uma alma de romântico invencível. Não o levasse a morte, tão inesperadamente, e o Brasil, que teve Pedro Américo, na pintura, Carlos Gomes, na música, Rui no verbo e o marechal Hermes na estratégia marvótica, teria o seu príncipe maior, porque, cá para nós, nada revela mais a cultura de um povo, a estabilidade econômica de um país e o poder produtivo de um solo, do que a existência de um crítico de teatro principalmente se este mestre é anguloso e tristonho e possui uma voz de barítono em transição para baixo profundo.
Mas, Gonçalo Torres não se contentava com a argúcia que Deus lhe havia concedido. Juntava a essa argúcia uma exigência tirânica. Era inflexível; nem mesmo uma paixão que o empolgasse de chofre, modificaria aquele temperamento granítico. Demais, Gonçalo tinha uma maneira especial de interpretar as coisas. Suas críticas, temperadas de minúcias, continham, para regalo do seu crônico romantismo, frases, frases e frases e, por cima destas, ainda despejava frases, deixando sempre no bico da pena a sensação de outras frases que lhe ficavam na garganta.
O Brasil perdeu em Gonçalo Torres o melhor termômetro das vocações cênicas. Quando o morto emérito se dispunha a pegar pela calva um ator ou uma atriz, Nossa Senhora!... Mesmo que o público sempre inconsciente, visse no comediante apenas um monstrengo heróico que se não assustava diante da platéia, Gonçalo Torres agarrava a tal figura olhava-a e, com aquela sua prodigiosa magia, dava-lhe dois ou três piparotes suaves e, feito isto, apresentava a celebridade.
Pobre gente estúpida essa que não tinha o poder de visão do meu finado amigo!
Passam os artistas mas a crítica fica. Gonçalo ficava a esperar novas manifestações de arte pura. Ora, num país como o nosso, as vocações artísticas descem com a cheia. O Teatro no Brasil é mais do que uma enxurrada. Autores e atores proliferam nos terrenos mais estéreis.
Tão forte se fazia a crítica do Gonçalo, que os melhores conjuntos do mundo eram atraídos ao rincão onde ele vivia.
Era esse homem um perfeito departamento meteorológico a calcular a temperatura artística. Logo, somente ele deveria ser ouvido.
Um dia, apareceu no território conquistado pela sua grande argúcia, uma companhia que nascera para revelar à humanidade, a pujança da arte cênica. Seus elementos, somente por modéstia congênita, pisavam o mesmo chão que pisamos. Todos, pelas criações formidáveis, seriam voláteis, se o quisessem. Estava o Gonçalo com a faca e o queijo... Partiu ao encontro das celebridades e foi derramando o que tinha em estoque. Viu na primeira central uma Margueirite Mayane, do teatro de Capucini. Nos elementos masculinos, viu tudo superior a comediantes que, na sua época deliciaram Paris. Que atrizinhas tinha Paris nas Senhoras Solange, Sicard, Annette Doria e Ivonne Claude! Era assim que falava o morto ilustre quando alguém cometia o sacrilégio de dizer que não via luz na "estrela" que ele criara com a sua eletrovisão.
Para Gonçalo, a tal companhia era alguma coisa mais significativa do que a Companhia dos Quinze, que o gênio de Jacques Copeau apresentou em Paris no ano remoto de 1913 e da qual faziam parte Dullin, Jouvet, Roger Martin du Gard, Duhamel e muita gente artisticamente sadia.
Lembro-me de uma desinteligência que houve entre nós, só porque eu lhe dissera que a tal "estrela" era um projeto a receber emenda e que só assim mereceria a sanção de um crítico.
Gonçalo espalhou-se. Abriu os grandes braços, tornou-se mais anguloso e pela sua larga boca deu passagem a um monstro protesto: Não! E a sua voz tinha toda a tonalidade que dorme na garganta de um barítono, em transição para baixo profundo.
Fazendo crítica à minuta, não gostava o Torres das minhas observações. Eu era um falhado.
Morreu esse grande crítico. Sua alma deve estar no céu, pois foram muitos os "Deus te dê o céu" que ele recebeu dos seus artistas prediletos, quando pingava da pena as suas críticas.
Data de sua morte prematura a falta de um crítico entre nós. Que pena! Que falta está fazendo o Gonçalo!
Entretanto, como creio no Espiritismo, estou inclinado a acreditar que o seu espírito está se manifestando...
(Silvino Lopes) Faz algum tempo que, lamentando a morte de um crítico, escrevi no meu "Diário". Anguloso e tristonho, com uma voz ...
O pai da crítica
(Silvino Lopes)
Faz algum tempo que, lamentando a morte de um crítico, escrevi no meu "Diário".
Anguloso e tristonho, com uma voz de barítono em transição para baixo profundo, Gonçalo Torres foi, no seu tempo, o gênio da Crítica teatral. Em todas as suas críticas, sobrepairava uma alma de romântico invencível. Não o levasse a morte, tão inesperadamente, e o Brasil, que teve Pedro Américo, na pintura, Carlos Gomes, na música, Rui no verbo e o marechal Hermes na estratégia marvótica, teria o seu príncipe maior, porque, cá para nós, nada revela mais a cultura de um povo, a estabilidade econômica de um país e o poder produtivo de um solo, do que a existência de um crítico de teatro principalmente se este mestre é anguloso e tristonho e possui uma voz de barítono em transição para baixo profundo.
Mas, Gonçalo Torres não se contentava com a argúcia que Deus lhe havia concedido. Juntava a essa argúcia uma exigência tirânica. Era inflexível; nem mesmo uma paixão que o empolgasse de chofre, modificaria aquele temperamento granítico. Demais, Gonçalo tinha uma maneira especial de interpretar as coisas. Suas críticas, temperadas de minúcias, continham, para regalo do seu crônico romantismo, frases, frases e frases e, por cima destas, ainda despejava frases, deixando sempre no bico da pena a sensação de outras frases que lhe ficavam na garganta.
O Brasil perdeu em Gonçalo Torres o melhor termômetro das vocações cênicas. Quando o morto emérito se dispunha a pegar pela calva um ator ou uma atriz, Nossa Senhora!... Mesmo que o público sempre inconsciente, visse no comediante apenas um monstrengo heróico que se não assustava diante da platéia, Gonçalo Torres agarrava a tal figura olhava-a e, com aquela sua prodigiosa magia, dava-lhe dois ou três piparotes suaves e, feito isto, apresentava a celebridade.
Pobre gente estúpida essa que não tinha o poder de visão do meu finado amigo!
Passam os artistas mas a crítica fica. Gonçalo ficava a esperar novas manifestações de arte pura. Ora, num país como o nosso, as vocações artísticas descem com a cheia. O Teatro no Brasil é mais do que uma enxurrada. Autores e atores proliferam nos terrenos mais estéreis.
Tão forte se fazia a crítica do Gonçalo, que os melhores conjuntos do mundo eram atraídos ao rincão onde ele vivia.
Era esse homem um perfeito departamento meteorológico a calcular a temperatura artística. Logo, somente ele deveria ser ouvido.
Um dia, apareceu no território conquistado pela sua grande argúcia, uma companhia que nascera para revelar à humanidade, a pujança da arte cênica. Seus elementos, somente por modéstia congênita, pisavam o mesmo chão que pisamos. Todos, pelas criações formidáveis, seriam voláteis, se o quisessem. Estava o Gonçalo com a faca e o queijo... Partiu ao encontro das celebridades e foi derramando o que tinha em estoque. Viu na primeira central uma Margueirite Mayane, do teatro de Capucini. Nos elementos masculinos, viu tudo superior a comediantes que, na sua época deliciaram Paris. Que atrizinhas tinha Paris nas Senhoras Solange, Sicard, Annette Doria e Ivonne Claude! Era assim que falava o morto ilustre quando alguém cometia o sacrilégio de dizer que não via luz na "estrela" que ele criara com a sua eletrovisão.
Para Gonçalo, a tal companhia era alguma coisa mais significativa do que a Companhia dos Quinze, que o gênio de Jacques Copeau apresentou em Paris no ano remoto de 1913 e da qual faziam parte Dullin, Jouvet, Roger Martin du Gard, Duhamel e muita gente artisticamente sadia.
Lembro-me de uma desinteligência que houve entre nós, só porque eu lhe dissera que a tal "estrela" era um projeto a receber emenda e que só assim mereceria a sanção de um crítico.
Gonçalo espalhou-se. Abriu os grandes braços, tornou-se mais anguloso e pela sua larga boca deu passagem a um monstro protesto: Não! E a sua voz tinha toda a tonalidade que dorme na garganta de um barítono, em transição para baixo profundo.
Fazendo crítica à minuta, não gostava o Torres das minhas observações. Eu era um falhado.
Morreu esse grande crítico. Sua alma deve estar no céu, pois foram muitos os "Deus te dê o céu" que ele recebeu dos seus artistas prediletos, quando pingava da pena as suas críticas.
Data de sua morte prematura a falta de um crítico entre nós. Que pena! Que falta está fazendo o Gonçalo!
Entretanto, como creio no Espiritismo, estou inclinado a acreditar que o seu espírito está se manifestando...
julho 19, 2019
(Silvino Lopes)
Morei numa cidade do interior já faz anos, onde circulavam dois jornais que não se davam bem, eram órgãos de partidos que não se entendiam. Hoje tudo é diferente, pois, os partidos se entendem, mesmo quando não se unem. Cada órgão tinha o seu redator político e este marretava.
Encarregavam-se os dois de defender, lá ao seu modo, o povo, Maltratavam-se gentilmente, porque eram vergônteas de uma classe.
Mas, um deles era terrível. Dizia do confrade coisasr horrorosas. Não recebia, porém, resposta no mesmo tom. Muita gente chegou a pensar que a polêmica terminaria em sangue. Lembravam-se muitas pessoas da hecatombe em que perdera a vida o barão da Escada. Não era possível que, recebendo diariamente insultos, o adver-
sário calmo não terminasse varando o confrade com cem ou duzentas balas.
O desaforado jornalista atacava em verso e prosa. Mais em versos. Epigramas ruins, porém causticantes. Por último já atirava pedras rimadas sobre o lar do homem prudente. Estava com o freio nos dentes. Assinava a versalhada com o pseudônimo de Jacques Milcau. Era o mesmo que botar abaixo dos versos o seu verdadeiro nome.
O outro não manejava o verso. Tinha essa desvantagem. O povo gostava mais dos versos. Urgia que o homem atacado criasse veia poética. E ei-lo a tentar. Um dia, ainda incerto na ciência de metrificar, resolveu mandar ao inimigo uma pequena prova do seu esforço. E foi somente isto o que publicou:
"O dr. Jacques Milcau,
poeta de nomeada,
ficou de barriga inchada
de tanto comer mingau".
O feroz adversário não aguentou a experiência. Ficou mesmo de barriga inchada, não escreveu mais nada, abandonou a política, desistiu de ser jornalista.Vê-se, por aí, que facilmente se põe um inimigo fora de campo. Bastará não levá-lo a sério.
Assim, não pensa o meu confrade Nelson Firmo. Outros seguem a sua escola. Estão errados. Há mais necessidade de humor do que de manteiga para o pão, do que de pão para a manteiga.
Somos todos irmãos, todos brasileiros e um pouco moleques. Deus nos deu a faculdade de sorrir e, para contrariá-lo, andamos a chorar de raiva. Vá lá que o mar se enfureça, porém nunca os banhistas. A raiva ficou para o cão que, aliás, é um bicho
amoroso. O ódio foi um recurso de Shakespeare para escrever Othelo.
Nada mais triste do que a caveira, e sempre está sorrindo. O choro só se justifica na criança. Se não chorar, não mama.
(Do livro Memórias de um Sargento de Malícias)
(Silvino Lopes) Morei numa cidade do interior já faz anos, onde circulavam dois jornais que não se davam bem, eram órgãos de partidos que nã...
Sinceramente
(Silvino Lopes)
Morei numa cidade do interior já faz anos, onde circulavam dois jornais que não se davam bem, eram órgãos de partidos que não se entendiam. Hoje tudo é diferente, pois, os partidos se entendem, mesmo quando não se unem. Cada órgão tinha o seu redator político e este marretava.
Encarregavam-se os dois de defender, lá ao seu modo, o povo, Maltratavam-se gentilmente, porque eram vergônteas de uma classe.
Mas, um deles era terrível. Dizia do confrade coisasr horrorosas. Não recebia, porém, resposta no mesmo tom. Muita gente chegou a pensar que a polêmica terminaria em sangue. Lembravam-se muitas pessoas da hecatombe em que perdera a vida o barão da Escada. Não era possível que, recebendo diariamente insultos, o adver-
sário calmo não terminasse varando o confrade com cem ou duzentas balas.
O desaforado jornalista atacava em verso e prosa. Mais em versos. Epigramas ruins, porém causticantes. Por último já atirava pedras rimadas sobre o lar do homem prudente. Estava com o freio nos dentes. Assinava a versalhada com o pseudônimo de Jacques Milcau. Era o mesmo que botar abaixo dos versos o seu verdadeiro nome.
O outro não manejava o verso. Tinha essa desvantagem. O povo gostava mais dos versos. Urgia que o homem atacado criasse veia poética. E ei-lo a tentar. Um dia, ainda incerto na ciência de metrificar, resolveu mandar ao inimigo uma pequena prova do seu esforço. E foi somente isto o que publicou:
"O dr. Jacques Milcau,
poeta de nomeada,
ficou de barriga inchada
de tanto comer mingau".
O feroz adversário não aguentou a experiência. Ficou mesmo de barriga inchada, não escreveu mais nada, abandonou a política, desistiu de ser jornalista.Vê-se, por aí, que facilmente se põe um inimigo fora de campo. Bastará não levá-lo a sério.
Assim, não pensa o meu confrade Nelson Firmo. Outros seguem a sua escola. Estão errados. Há mais necessidade de humor do que de manteiga para o pão, do que de pão para a manteiga.
Somos todos irmãos, todos brasileiros e um pouco moleques. Deus nos deu a faculdade de sorrir e, para contrariá-lo, andamos a chorar de raiva. Vá lá que o mar se enfureça, porém nunca os banhistas. A raiva ficou para o cão que, aliás, é um bicho
amoroso. O ódio foi um recurso de Shakespeare para escrever Othelo.
Nada mais triste do que a caveira, e sempre está sorrindo. O choro só se justifica na criança. Se não chorar, não mama.
(Do livro Memórias de um Sargento de Malícias)
julho 19, 2019
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