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Naquele remoto agora
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Meu caro amigo e confrade José Mário. Inicio agradecendo a sua participação, mesmo estando distante, no meu curso, Uma Introd...
Um velho de aspeito venerando...
Meu caro amigo e confrade José Mário.
Inicio agradecendo a sua participação, mesmo estando distante, no meu curso, Uma Introdução a Os Lusíadas, programado para dois sábados (21 e 28/09), num total de seis horas-aula, aberto a qualquer público interessado e ministrado no âmbito de nossa Academia Paraibana de Letras, patrocinadora do evento, em comemoração ao quinto centenário de nascimento de Luís Vaz de Camões.
Meu caríssimo amigo José Nêumanne Pinto , Ao longo da minha vida profissional de professor de Língua e de Literatura, uma boa parte...
Sem fim, não há começo ou A relevância de alisar as coisas ásperas
Ao longo da minha vida profissional de professor de Língua e de Literatura, uma boa parte do tempo levei a seguir os preceitos formais da análise e da crítica literária. Adianto que, mesmo não sendo crítico literário, para o exercício da minha função de professor, preciso saber manejar a sua técnica, com a finalidade de, tendo analisado um texto, eu possa ter uma visão fundamentada sobre ele. Dizendo de outro modo, a análise literária, que proporciona uma reflexão crítica, é, no meu caso, um meio, para atingir a finalidade maior de ser uma espécie de mediador entre o livro e os leitores, sobretudo com relação àqueles que se projetam professores na área da linguagem.
De uns tempos para cá, passei, gradativamente, a abrandar certa rigidez da técnica de leitura em grau mais verticalizado, para buscar outra maneira de ler, sempre procurando ser criterioso, tendo em vista que o texto literário requer um olhar que penetre o reino surdo das palavras, como diria o poeta de Itabira. Procurei dar vazão a uma sensibilidade e emotividade que, às vezes, a formalidade tende a passar por cima. É assim que vejo meus textos, hoje. Não me furto a deixar aflorar o sensível que me belisca e me encanta no que leio, sentindo-me mais perto do leitor, a quem meu texto se dirige, do que dos padrões formais que funcionam, muitas vezes, ao contrário do intentado, afastando-o da leitura do texto de base.
Com essa nova concepção em mente, meu amigo, enfrentei a leitura do seu belo livro de poemas Antes de atravessar (Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2022). Não espere, portanto, que eu me detenha nas muitas referências literárias do seu texto – Drummond, Bandeira, Lorca, Rosa, Horácio, o mito greco-latino, a Bíblia..., só para ficar em algumas – porque o que espicaçou a minha sensibilidade foi o resultado que você conseguiu, transformando um livro de poemas, em um livro-poema.
Estou habituado, de há muito, à leitura dos livros mais densos e longos. Gosto dos poemas narrativos. Atrai-me o poeta que gosta de escrever e de espraiar-se em versos. Não sou o que se pode chamar de leitor da poesia contemporânea, principalmente no que diz respeito aos poetas paraibanos. Digo-lhe, no entanto, Nêumanne, que conhecendo muitos dos nossos poetas, nossos coevos, agradou-me mais a sua maneira de encarar o fato poético. Quem o conhece e assiste aos seus posts políticos, reconhece imediatamente o tom que ali se encontra nos seus poemas, que não fazem questão de ser econômicos ou de se perder em joguinhos de palavras. Senti algo como se o amigo procurasse deixar o poema respirar, em lugar de sufocá-lo com minimalismos. Deixar o poema falar é abrir a porteira da poesia. E isto você faz com conhecimento de causa, meu amigo. Não se trata só de habilidade, aquilo que Camões chamou de “arte”, mas daquilo que o nosso maior poeta da Língua Portuguesa, chamou de “engenho”. A arte deve subordinar-se sempre ao engenho, para que dali o poema se transforme em poesia, única forma possível de eternizar a sua sobrevivência.
Vejo o seu livro, meu amigo, como uma preparação ritualística e bem ensaiada, na compreensão de que a vida é uma travessia inevitável, que ninguém pode fazer por nós. Cada um tem que enfrentar a sua própria, sempre diferente das demais e, frequentemente, diferente do traçado que, um dia, quisemos lhe dar. A idade, entretanto, tem, quase sempre, o condão de nos fazer experientes, para que preparemos uma viagem que começou há muito e que está longe de terminar, porque estaremos sempre fazendo travessias até aprendermos o caminho que nos acomodará na última morada espiritual.
Começo por confessar, Nêumanne, que gosto muito de capas e quando elas são bem escolhidas, tornam-se uma complementação do sentido do livro, não apenas uma parte integrante, para muitos, descartável. E que beleza de capa para Antes de atravessar! O frágil bote, à margem pedregosa, contrastando com a fluidez do rio, em cuja margem oposta, descortinam-se colinas verdes, sobre as quais o céu fulvo predomina, numa indefinição ambígua, que se adequa ao livro, como um fio condutor do poema: é o pôr-do-sol, findando o dia/vida, ou é a homérica Aurora dos dedos cor de rosa, no prenúncio de mais um começo? Parabéns a Romildo Castro Gomes e a Chico Pereira, os envolvidos na sua elaboração.
É aí, Nêumanne, que entra o seu verso, parte do título de minha leitura: sem fim, não há começo, porque cada fim nos leva a outro começo e assim sucessivamente, afinal de contas, rosianamente falando, só existem travessias. A outra parte do título – a relevância de alisar as coisas ásperas –, também verso seu, me leva a dois autores, ainda Rosa e o meu querido Virgílio. No Grande sertão, Riobaldo diz, compreendendo a dificuldade das travessias, que “não convém, a gente levantar escândalo de começo, só aos poucos é que o escuro é claro” (22ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 141). Já o poeta da Eneida, exige de seu herói, Eneias, em sua fuga de Troia, ordenada pelos deuses, que ele “are o mar”, para poder chegar ao seu novo destino. Assim são as travessias que fazemos e que você, meu amigo, estrutura de uma forma sutil, deixando a encargo do leitor a percepção de uma viagem com preâmbulo, origens, a travessia em si, testamento, despedida e transcendência, que não aparecem necessariamente nessa ordem e nem são estanques, interpenetrando-se o mais das vezes, porque, afinal de contas, a sua criação poética revela um fluxo irrepresável, seja no fundo, seja na forma.
Para que tudo isso possa tornar-se compreensível e se realizar, o leitor deve começar com o poema Será uma vez, uma Consoada às avessas, em que nada está preparado, porque a morte é apenas uma transição, entre tantas travessias a fazer, e não, com todo respeito a Bandeira, o fim de todos os milagres. Não escapa ao poeta a ironia, com referência ao choro falso dos “inimigos eventuais”, contrapondo-se ao lirismo “dos doces instantes”, que devem ser guardados pelo seu amor. Aliás, ver o Amor como a possibilidade de renascimento (Juventude a três), como um despertar que transforma (Isabel, Mar e Minas), sendo uma ousada celebração da amada (Manual de pintura, cartografia e anatomia), é uma condição sine qua non, para enfrentar com sabedoria a vida. O Amor Eros, que sai do ideal espiritualizado dos Cantares de Salomão, para encarnar na Musa Isabel; Amor maiúsculo, que faz frutificar no ser estéril, uma vida que só ele é capaz de conceder:
Da visão do Amor como essência da vida, surge o preâmbulo da travessia (Antes de atravessar), pois enganar Caronte e alongar a vida só tem sentido se for pela grande arte de amar. Já nas origens, estão dois magistrais poemas, um em verso (Stabat Mater), outro em prosa (Fundação do Pai), este último que denomino um Stabat Pater. São poemas que revelam a consciência de que não morremos e que os nossos vivem em nós e se transmigram sem cessar. Mãe Mundica e Pai Anchieta, meu amigo, não são apenas a genetrix e o genĭtor, que vivem e se multiplicam eternamente em cada célula dos seus descendentes; que vivem espiritualmente no renascimento; são, sobretudo, o mito fundador, com ambos glorificados na poesia. Sob todos os aspectos, o casal mater/pater transcende o tempo e o espaço. E como eu gostaria de ter escrito alguns versos/frases que se encontram nos poemas acima citados:
O melhor desse poema em prosa, Nêumanne, guardei para o final:
Qual a compreensão, senão a poética, para sentir o saber e o sabor do maior presente que o Universo nos deu, a Vida, fundidos em um verbo de significado duplo e instigante?
Já em Stabat Mater, surge o retrato mais fiel da mãe, que amalgama as torturas do sofrer e as tonturas do prazer, diante da geração e da criação dos filhos. Mãe, que não estava (stabat), como escolheu o frei Jacopone Da Todi, mas que está (stat), como escreveu João, aquele que foi dado à Virgem, como filho, por Cristo, na hora dolorosa; mãe que está, como processo contínuo, porque jamais deixará de estar presente:
O testamento está em Legado, expondo aos descendentes a consciência da miséria que nós geramos, o que, porém, é melhor do que deixar a ilusão de que o paraíso foi reencontrado. A despedida encontra-se em A volta de novo; a transcendência, que já se anuncia nos poemas aos pais, revela-se em No Oito, deitados. No meio de cada momento desse, aquilo que chamamos travessia, está a costura de sofrimentos e prazeres, que se fundem e se confundem, fornecendo o fio e o sentido da vida, porque é na exiguidade do espaço-tempo que se decide e se a vida se esvai ou se constrói; se se revela vã ou profícua; se cada um encontra a sua Isabel e, assim, há a remissão, no Amor que alivia como bálsamo, ou se a cada um cabe a sua Medeia e recebe a danação, consumido pelo fogo da miséria e abjeção de um mundo/país que não se ajeita (Medeia aqui e agora):
Destaque-se, portanto, nesse costurar, meu amigo, a travessia, esse louvor ao Amor, encarnado na Musa Isabel, que desperta os gozos e a memória, fusão essencial de Érato e Mnemósine, cujo umbigo rouba à Delfos Apolínia a primazia de ser o “centro do universo” (Manual de pintura, cartografia e anatomia). Destaque-se o Amor, porque alguns teimam em fazem da travessia uma linha sem sentido, com finalidades pífias, deixando o Amor para as vias marginais. E a vida, como você bem o diz, meu amigo, a “vida é pra viver/e não há tempo que se possa perder”, no já citado e magnífico poema Manual de pintura, cartografia e anatomia. Chega de perder tempo, no embrenhado das vias transversas e oblíquas.
Afinal, o compromisso maior é o Amor, exposto sem pejo e sem medida, em seus versos, meu amigo, e amar é saber a “relevância de alisar as coisas ásperas” (Magister dixit). Sem Musa, sem Amor, sem compromisso, sem memória, não há travessia, só fatuidade, e, no dizer de Riobaldo, “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente, é no meio da travessia” (op. cit., p. 53).
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