As mulheres sempre lutaram por seus direitos seja nos bastidores ou no protagonismo. Se, segundo Homero, uma mantinha sua Ítaca livre d...
Olhares relacionais para um conceito de Nação conjugado no Feminino
Nascer numa cidade pequena e ser mulher, há mais de cinco décadas, era por si só um desafio. Existiam códigos escritos que estabelecia...
As ilusões esquecidas
Il faut être toujours ivre, tout est là; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise...
Caravaggio
Quem era ele mesmo? Mutante. Metamorfo…
A Batalha de Campo Grande: o começo da popularidade Em 1864, teve início a guerra que foi para o Brasil a mais violenta de sua histór...
Pedro Américo de Figueiredo e Mello
Je ne suis pas prisonnier de ma raison. Arthur Rimbaud ▪ Une saison en enfer I Quem foi que preparou e ofereceu a primeira xí...
[Ab]sinto
Arthur Rimbaud ▪ Une saison en enfer
Eram xícaras desemparelhadas, remanescentes de antigos faustos, sobreviventes aos estragos do tempo. Algumas rachadas e coladas, mas as estrelas ainda estavam todas lá e, aos poucos, começavam a adquirir brilho próprio sob o líquido que, dependendo da luz, também mudava de cor: do verde da cana ao verde do mar.
Las cosas no son como las vemos, sino como las recordamos. Ramon del Valle-Iclán O dia nem bem se enchia de sol e ela chegava à praia ...
Las trampas de la vida
Ramon del Valle-Iclán
Amo-te como se ama certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a alma. Pablo Neruda ▪ A dança Tento não te pensar debatend...
Alados
Pablo Neruda ▪ A dança
Quando Giovanni Boccaccio escreveu “O Decamerão”, a história dos jovens cercados, sitiados, pela desolação provocada pela peste que matara...
Tavares: um flaneur sobre uma cidade sitiada
Quando Flavio Tavares, em sua casa sitiada pelo vírus, se isola ele conta, para si mesmo (e para o possível futuro espectador), muitas das nossas histórias também. Do nosso momento. E utiliza as mídias para mostrar seu processo artístico. E regista suas narrativas para que hoje possamos também olhar a cidade, o país, o mundo em um momento de pandemia, em uma época de nossa história, que só com muito humor e ironia podemos suportar no isolamento do claustro de cada um, no contexto de uma peste agora global.
A partir de seu olhar de artista ele ilustra nosso momento político desesperador, obscurantista, em contraposição à cenas de sua memória de infância. Ele nos fala de sua mitologia pessoal baseada no inconsciente de uma cidade onde seu olhar se habituou a mergulhar como flaneur de seus próprios mitos , sonhos e pesadelos. Ele nos aponta o caminho desse espaço/ cidade/mundo que ele elegeu como fonte de pesquisa e vivência. Gabriel Garcia Marques criou sua Macondo, Tavares sua Parahyba (com y). Os dois a viam fantástica em suas situações mais banais tornadas ora sublimes, ora surreais.
Como nos diz Saramago: “Se podes ver, repara!” Porque pode ser grande a diferença para um artista entre ver (associado ao sentido físico, biológico da visão) e olhar que implica em uma apreciação demorada, profunda, interrogativa, poética e política.
O ato de vasculhar memórias e sensações é o produto de uma luta constante contra a anestesia do próximo minuto, do próximo ano... Em um contexto de apatia política e existencial onde a clausura de cada um de nós interrompeu bruscamente a velocidade das imagens própria de nossa sociedade de consumo, de nosso cotidiano pleno da superficialidade das percepções Flavio se torna o seu cronista que, sitiado, analisa o mundo distante e a si mesmo.
Flaneur de almas, Flavio Tavares passa horas dirigindo seu tempo a registrar os nossos e os seus fantasmas com uma imaginação que atravessa telhados, paredes ou muros que venham a deter o seu olhar sobre ladeiras, becos , ruas, praças, quartos e quintais da cidade de Nossa Senhora das Neves. Nasce uma cidade surreal sobre a qual podia nos falar Aragon: “Nossas cidades são assim, povoadas por esfinges desconhecidas que não detêm o passante sonhador” A cidade de Flavio é território da memória, da fantasia e da história mesmo que ora esta seja contada por cegos ou surdos. Assim, ele atua como demiurgo aproximando deuses e homens, anjos e gente... no seu universo fantástico onde cria humanos híbridos, personagens trágicos ou satíricos que provocam dor ou riso pelo conhecimento ou pela tristeza. Nunca a indiferença.
Esses registros do inconsciente da cidade (e do mundo pois que uma cidade é um mundo, um pequeno povoado é um universo) se espalham em telas, papeis, pedras, madeiras, enfim, em todos os suportes que o artista possa tomar emprestado para contar suas histórias, as nossas histórias. Elas estão também espalhadas pelas paredes criadas por Flavio em seu claustro, na instalação que ele nos apresenta hoje presencialmente para que com ela possamos interagir.
A pandemia o isolou, mas não deteve o seu olhar. Do claustro pessoal ele continuou a fazer o retrato cultural de uma sociedade que migra de uma democracia doente para uma possível teocracia iconoclasta onde não há lugar para as imagens do artista, mas para todas as inquisições que vêm a reboque. Boccacio saía do medievo... nós, parecemos entrar.
Talvez por isso, para nos tornar cumplices de suas visões ele seduz o espectador que também é personagem de suas histórias. Aos poucos ele nos faz abandonar a posição de simples observador e a mergulhar no realismo fantástico de suas cenas. E sentimos então (ou não) o quanto a arte (como nos lembra Frederico Morais) além de armar o braço é, ao mesmo tempo, o mais confessional dos meios, diário intimo, eletrocardiograma, rebeldia travada no meio da noite: solitariamente. Obrigada Flavio pelo espelho que você coloca em frente ao nosso rosto.
Obrigada Flavio, por esse espelho.