Fui criado ouvindo MPB de um lado e o rock-pop nacional e internacional de outro.
Acompanhei toda sua trajetória na música e me encantava como ela conseguia misturar religião e sensualidade em suas canções, como em “Like a prayer”.
Ou com o furor de “Like a virgin”, a falar de uma mulher sexualmente independente. Ou a latina “La isla bonita”.
Ou a materialista de “Material girl”.
A ousadia de “Vogue”.
A polêmica “Papa Don’t Preach”.
Madonna falou de muitos temas importantes em suas músicas, alguns ainda hoje tabus numa sociedade cada vez mais careta e politicamente correta.
Mas hoje vou de “Live to tell”, um pouco melancólica, é verdade, mas uma das que mais gosto dela.
“Eu sei onde mora a beleza”, diz determinado momento da canção.
E ela mora no vigor e na presença de Madonna pontuando toda minha adolescência e ainda me encantando, acrescento.
A recente apresentação de Madonna no Brasil me fez rever alguns clipes musicais.
Não só dela, mas de outros artistas.
Nos anos 1980, era uma febre de clipes nos programas televisivos.
Lembro que a Globo passava a semana inteira anunciando o novo clipe de Michael Jackson ou de Paralamas ou de Caetano que seria exibido no domingo, no Fantástico.
E a gente ficava até tarde assistindo o programa não para ver aquelas matérias compridas sobre doenças ou das polêmicas políticas da semana, mas para ver aquele novo clipe.
Na segunda-feira, só se comentava sobre ele nas rodas de amigos e conversas de estudantes nos intervalos das aulas.
Quem tinha um pouquinho de grana corria para a Aky Discos comprar o novo disco do artista preferido.
Depois, chegar em casa, olhar a capa do disco, conferir o encarte, colocar o bolachão na radiola e tocar.
Uma, duas, três, muitas vezes.
Hoje tudo mudou.
Quase não tem mais clipes, quase não tem mais discos, quase não tem encartes, quase não tem radiolas...
Gosto de acordar cedo, ainda com o cri cri dos grilos no ar. Quando por algum motivo perco a hora e acordo um pouco mais tarde, é como se o dia ficasse mais curto.
Há quem acredite em inferno astral, que um mês antes de seu aniversário as coisas saem do eixo, tudo dá errado etc.
Comigo acontece o contrário.
O período anterior ao meu aniversário é quando as coisas mais fluem positivamente. Tanto que diversos lançamentos de livros meu aconteceram nesse período. E lançamento de livro para mim sempre foi uma festa.
Se Caetano Veloso fosse criar “Sampa” hoje talvez mudasse um dos versos mais emblemáticos para:
“É que Narciso acha feio o que não é Facebook”.
Não só Facebook, mas redes sociais de modo geral.
Elas, as redes sociais, foram feitas para que possamos cultuar nosso narcisismo, na medida em que estimula as curtidas, os “amei”, “uau”, compartilhamentos e comentários em cada postagem.
Às vezes acho que a mãe de Kafka era uma barata.
Que Machado de Assis era o alter ego de Dom Casmurro.
Que Jorge Amado sonhava em ser Nassib.
Que Júlio Verne se afogou nas milhas submarinas.
Que Cortázar jogava amarelinha.
Que Adélia Prado só viajava sem bagagem.
Que Garcia Marques era um solitário.
Que José de Alencar viveu com Ceci.
Que Sartre não foi existencialista.
Que Rachel de Queiroz serviu no Quinze de Cruz das Armas.
Que, antropofagicamente, Oswald comeu ele mesmo.
Que Drummond dormia numa pedra.
Que Clarice vive dentro do meu coração selvagem.
Que Borges era rato de biblioteca.
Que Saramago ensaiou nossa cegueira.
Que Shakespeare conheceu Hamlet.
E que Augusto dos Anjos nos fez profundissimamente hipocondríaco.
O Budismo prega o desapego como antídoto para o sofrimento. O desapego material, mas até mesmo não guardar sentimentos e emoções.
Embora estude o Budismo e admire sua doutrina, essa parte do seu dharma é bem difícil de praticar, principalmente em relação a sentimentos. Como dizia o Legião Urbana, “sou um animal sentimental; me apego facilmente ao que desperta o meu desejo “.
Li sem o fanatismo dos religiosos nem o desprezo dos ateus. Li por estudar as religiões, pela busca de explicações espirituais, pelo prazer de uma boa leitura, por não gostar de comentar sobre o que não li ou vi.
Há dois anos, exatamente quando começou a pandemia da Covid, tomei para mim o desafio de ler integralmente a Bíblia — o Velho e o Novo Testamentos: do Gênesis ao Apocalipse.
O livro é sempre tratado como a Geni da cultura, mas sempre resiste.
Estava lendo texto de Machado de Assis sobre “O jornal e o livro”, publicado no Correio Mercantil em 1859.
Com loas ao papel do jornal, Machado sugere o aniquilamento do livro.
Machado indaga: O jornal matará o livro? O livro absorverá o jornal?
Vejam o que dizia nosso maior escritor:
Há muito tempo não uso relógio. E fui daqueles que tinha relógios coloridos que mudava de pulseira como quem muda de horas.
Depois, vi que o tempo está dentro de nós. Assim como o sol que viola a janela de meu quarto nessa manhã virótica.
Às vezes, acho que meu relógio do tempo está sempre sendo reiniciado do zero. Como em um filme a que assisti (já faz tempo) e não lembro o nome.
Mas não reclamo. É como se nunca tivesse deixado de ser o zumbi de lá atrás.
Outro dia coloquei aqui um poema de Cassiano Ricardo sobre o relógio, poema este que gosto muito:
O Relógio Diante de coisa tão doida
Conservemo-nos serenos
Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos
Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser
Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer
Curioso que nunca fui muito de venerar relógios.
Quando era guri, queria ter um, porque a gente sempre quer o mundo adulto quando estamos pequenos.
Então, como os demais meninos da rua, costumava desenhar a lápis um relógio em meu braço esquerdo (aliás, nunca entendi porque só se usava relógio em braço esquerdo).
O desenho era tosco, pois sempre fui péssimo nessa arte, mas atendia à vaidade de achar que tinha um relógio no braço.
Depois, viraram moda uns relógios coloridos, com as pulseiras de cores diferentes.
A gente comprava um e ele vinha com várias pulseiras de cores diferentes, lembram?
Eu tive um bicho desses, não sei se foi comprado ou se ganhei.
Parei de usar relógio depois que comprei meu primeiro celular.
Àquela altura, já usava o relógio apenas para ver as horas, e não mais para enfeitar minha vaidade.
Como o celular já tem a hora na tela, preferi parar de usar relógio. Mas o poema de Cassiano Ricardo guardo comigo até hoje.
Afinal, “cada minuto da vida/ nunca é mais, é sempre menos”...
Outro dia uma pessoa querida comemorou aqui o fato de “eu não ser intelectual”, ao confessar que gostava do antigo seriado A Feiticeira.
O comentário me levou a tempos outros, quando, ainda adolescente, me trancava no quarto para ouvir Chico Buarque e algumas pessoas diziam, em tom de crítica, que eu era “intelectual”.
Engraçado que sempre li muito, sempre escrevi muito, mas nunca me senti um “intelectual”, não no sentido que geralmente as pessoas falam.
Não sei porque ainda me surpreendo com a arrogância de alguns jovens.
Outro dia recebi mensagem de um jovem poeta no Direct do Instagram.
Dizia que por indicação de um poeta amigo, estava me procurando para escrever uma resenha sobre um livro que tinha lançado recentemente.
Queria me enviar o livro por email em pdf para eu ler e escrever a resenha.
A Semana Santa há de ser sempre tempo de lembrar as lições cristãs mais duras. Justamente as que recusamos praticá-las. Falo daquelas que Jesus Cristo praticou com altivez e resignação, como sacrificar-se pelos seus semelhantes. Ou expulsar os vendilhões do templo. Ou desafiar alguém a atirar a primeira pedra se não tivesse pecado.
Sossego
como azeite para o palestino
: correria solta de menino
pés no chão, barro batido
por trás da casa, o açude
banhando mãe, banhando filho, banhando primos
tudo nu, sem malícia e nem milícia
na casa grande, a avó
com panelas chiando fogo
e janelas abertas para o silêncio
na cadeira de balanço, o avô
sentado por baixo do grosso chapéu
o jeito todo seu de ralhar até com o céu
( - eita, moleque, cabelo grande é coisa de mulher)
Mário de Andrade visita o Sertão (para William Costa)
(alguém lê mário de andrade ninguém conhece mário de andrade)
o homem traga o cigarro
o homem traga o insulto ao burguês
o homem permanece sentado sem insultar o burguês
(o copo na mão, o livro no chão
o violão na outra, mário de andrade no chão)
um garoto
pedala sua bicicleta rumo ao futuro
o garoto vai ser emboscado
e não encontrará mário de andrade
Belle de jour
não, não é catherine
de novo em busca de bordéis
para saciar a sede secreta de buñnuel
é juliana, sim,
bela na tarde cajazeiras; bela na tarde capital
remake do que ainda está por vir: surrealismo cinematográfico
- quadro de dali em rascunho eterno
juliana, que caminha nas tardes
, inconscientes de sua beleza
em primeiro plano, seu sorriso
no the end, o silêncio e o sertão dialogam
para que o litoral reverencie suas maçãs secretas
: ela, protagonista de um filme de almodóvar.