Quando eu vim de Alagoa Nova, minha terra natal, para viver na capital, foi na Rua Nova, hoje, General Osório, que passei a morar numa ...
Uma rua dentro de mim
Texto originalmente publicado na revista comemotativa Rádio Tabajara 50 Anos, publicada pelo Governo do Estado da Paraíba, em 1987. ...
Estas Reminiscências... ou Rádio Tabajara nos anos 40/50
Quem diria... Até há pouco tempo comemorávamos o Natal e o Ano Novo, com muita festa, muito barulho, muita comida, muita bebida. Pouco ...
Festas... Ah, quantas festas!
Venho falar-vos de Beethoven , Luiz de Beethoven. Não apenas o Beethoven das partituras, das notas musicais, mas o Beethoven, homem...
A outra face de Beethoven
E eis que novamente temos a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, crucificado, no al...
Tirem Jesus da cruz!
Ano velho passando, ano novo chegando, será que o mundo melhorou? Claro, pois na vida não existe marcha à ré. Tudo evolui. Esta minha...
Será que melhoramos?
E tudo começou com aquele homem magro, quase nu, todo ensanguentado, pregado numa cruz, entre dois malfeitores. Um homem cujo crime foi amar a todos sem distinção. Pediu água e lhe deram vinagre. Pediu amor e lhe deram ódio, diante de uma multidão enlouquecida pelo fanatismo religioso, provou que nem sempre a voz do povo é a voz de Deus.
Memória Para escrever o presente texto não precisei ir ao arquivo de jornais, livros e documentos. Bastou o arquivo da memória, onde...
A União: memória e eternidade
Eis uma imagem que perdura na minha lembrança. Demoliram o antigo prédio do tradicional jornal mas ele continua presente dentro de mim. E chegou a vez de evocar aquele poema de Manuel Bandeira – Última Canção do Beco – em que há uns versos assim:
O médico indiano e escritor Deepak Chopra narra, em seu livro “A fonte da felicidade duradoura” um fato, deveras impressionante: uma mu...
Esqueça sua idade
O danado é que em vários setores da sociedade, o idoso é muito discriminado. A própria sociedade discrimina o idoso. Por que aposentar um funcionário eficiente quando este completa 70 anos?... Então, um homem de noventa anos é incapaz de julgar? E que dizer do genial arquiteto Niemeyer que atravessou a faixa dos cem anos e continuou trabalhando no seu escritório? Com que idade o grande Churchill barrou as divisões de Hitler?
Eis que hoje se dá o Dia da Mulher. Elas merecem! Sempre que pego o jornal e vejo fotos de tantas mulheres importantes, seja em cargos pú...
Viva a mulher!
Sempre que pego o jornal e vejo fotos de tantas mulheres importantes, seja em cargos públicos, profissionais, magistradas, todas muito chiques, fico a monologar: “Quem diria que isso acontecesse um dia na vida, em que sempre predominou o machismo, de bombachas ou sem elas?... Quem diria que uma mulher, um dia, ousasse dirigir um estado, um país, um tribunal, com a mesma desenvoltura e bravura dos grandes estadistas?
Como hoje é o Dia dos Mortos, segundo a tradição, não vejo outro assunto para uma crônica. Eu gostaria de usar, aqui, um eufemismo. E assi...
Mortos, ausentes ou invisíveis?
Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo. — Uma ordem de pag...
Devaneio no banco
Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo.
— Uma ordem de pagamento — digo.
A tarde está fria, propícia ao devaneio. Acontece que o banco não está para fantasias e sim para cálculos. Portanto, nada de andar com alma de poeta ou de cronista sentimental.
Quando Gonzaga Rodrigues recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” da UFPB foi, sem dúvida, o grande acontecimento do ano. Por motivo supe...
Merecidas homenagens
Quando Gonzaga Rodrigues recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” da UFPB foi, sem dúvida, o grande acontecimento do ano. Por motivo superior à minha vontade, não pude estar presente à solenidade da entrega do valoroso título ao estimado conterrâneo.
Designado para fazer a reportagem dos debates da Assembleia Legislativa, relatar para os leitores o curso das discussões levadas a efeito p...
O homem das galerias
Designado para fazer a reportagem dos debates da Assembleia Legislativa, relatar para os leitores o curso das discussões levadas a efeito pelos nossos parlamentares, observar tanto o entusiasmo de eloquência oratória dos deputados, como o ardor aclamatório dos frequentadores das galerias, tornou-se esse trabalho mais uma experiência de minha vida do jornal, mais um conhecimento travado com as múltiplas facetas da imprensa.
Com o decorrer do tempo, com o hábito do trabalho, com a rotina dos debates, fui verificando, pouco a pouco, num desses deslizes do olhar, numa dessas despreocupações de repórter, a presença quase infalível, a fisionomia cansada e atenta de um dos frequentadores das galerias.
Tratava-se de um velho funcionário público aposentado, trazendo no semblante desbotado pela vida a tortura e os restos de suas últimas decepções. O curioso personagem nunca faltou, quer fizesse chuva, quer fizesse sol, a uma das reuniões da Assembleia. Apesar da madureza de sua idade, apesar da severidade doentia de seu aspecto, entremostrava sempre um certo fulgor de encantamento no olhar, de felicidade, de esperança, mesmo quando da tribuna, um dos parlamentares dissertava sobre os problemas do povo, defendia um tema qualquer.
Então, eu via, emocionado, o homem sorrir satisfeito, olhar fraternalmente para os companheiros, erguer o braço num extravasamento de entusiasmo indiferente ao seu reumatismo e às dificuldades de sua vida de fracassado. Mas, o que mais me comovia e que mais me enchia de tristeza era quando a sessão decorria sem anormalidade, sem tumulto oratório, numa placidez de lago suíço, pois, nesse momento, o funcionário pegava de seu guarda-chuva, ajeitava o chapéu na cabeça branca e rumava, triste, desconsolado, em direção a um banco de praça, a um café de segunda classe, ou então ia descansar, repousar os nervos exaustos, em sua modesta residência de subúrbio.
Ninguém notava a saída do pobre ex-servidor público. Ninguém lhe percebia o desânimo no rosto. A sessão continuava sem novidade, passava-se à ordem do dia, às sisudas aprovações dos projetos e resoluções, enquanto, o espectador infalível das galerias ia pelas ruas, por entre a multidão indiferente.
A tarde para ele deveria ser horrível, com muito tédio, com muita melancolia. Ficava, às vezes, sem ter para onde ir. À noite, nem é bom falar. A velhice pobre na solidão, povoada de fantasmas, plena de doces reminiscências da infância, deve ter um aspecto dramático e desolador. Para o velho funcionário público, a Assembleia era um divertimento, um passatempo, um espetáculo grátis e bom para sacolejar os seus nervos, para fazê-lo crer que ainda vive, que ainda vibra. Por isso jamais faltou a uma reunião.
Sem filhos, sem amigos, sem conforto, nada mais esperava ele do mundo. Pouco importava que um discurso abrisse um lampejo de esperança, coisa que ele já perdera, há muito tempo. Ia à Assembleia somente para matar os poucos anos que lhe restavam. Enquanto os outros iam ao cinema, só tinha, graças a esse regime democrático, as galerias para encher o vazio de sua existência árida.
Enquanto outros, os jovens, operários e homens, em pleno exercício da função pública, procuravam a Assembleia para melhor medirem os acontecimentos das coisas públicas, para melhor se informarem da política estadual, o velho amanuense aposentado só tinha um único interesse — ter para onde ir, gozar ao som da oratória parlamentar, derradeiros instantes de sua insípida existência...
(in memoriam) E eis que chega a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, cr...
O Jesus que eu quero ver...
Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as ...
Eu tomo conta do mundo
Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as espumas parecem mais brancas e que às vezes durante a noite as águas avançaram inquietas, vejo isso pela marca que as ondas deixaram na areia. Olho as amendoeiras de minha rua. Presto atenção se o céu de noite, antes de eu dormir e tomar conta do mundo em forma de sonho, se o céu de noite está estrelado e azul-marinho, porque em certas noites em vez de negro parece azul-marinho. O cosmos me dá muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomo conta com alguma relutância.
Observo o menino de uns dez anos, vestido de trapos e macérrimo. Terá futura tuberculose, se é que já não a tem.
No Jardim Botânico, então, eu fico exaurida, tenho que tomar conta com o olhar das mil plantas e árvores, e sobretudo das vitórias-régias.
Que se repare que não menciono nenhuma vez as minhas impressões emotivas: lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego pois dinheiro não ganho por isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.
Se tomar conta do mundo dá trabalho? Sim. E lembro-me de um rosto terrivelmente inexpressível de uma mulher que vi na rua. Tomo conta dos milhares de favelados pelas encostas acima. Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.
Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de lesa-corpo e lesaalma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.
Tomo desde criança conta de uma fileira de formigas: elas andam em fila indiana carregando um pedacinho de folha, o que não impede que cada uma, encontrando uma fila de formigas que venha de direção oposta, pare para dizer alguma coisa às outras.
Li o livro célebre sobre as abelhas, e tomei desde então conta das abelhas, sobretudo da rainha-mãe. As abelhas voam e lidam com flores: isto eu constatei. Mas as formigas têm uma cintura muito fininha. Nela, pequena, como é, cabe todo um mundo que, se eu não tomar cuidado, me escapa: senso instintivo de organização, linguagem para além do supersônico aos nossos ouvidos, e provavelmente para sentimentos instintivos de amor-sentimento, já que falam. Tomei muita coisa das formigas quando era pequena, e agora, que eu queria tanto poder revê-las, não encontro uma. Que não houve matança delas, eu sei porque se tivesse havido eu já teria sabido. Tomar conta do mundo exige também muita paciência: tenho que esperar pelo dia em que me apareça uma formiga. Paciência: observar as flores imperceptivelmente e lentamente se abrindo.
Só não encontrei ainda a quem prestar contas.
(2020, Ano de Centenário de Clarice Lispector)
Os cachorrinhos de apartamentos, felpudos e perfumados é só o que a gente vê nas calçadas das avenidas Tamandaré e Cabo Branco. Suas donas...
Dize-me como tratas os animais...
Os cachorrinhos de apartamentos, felpudos e perfumados é só o que a gente vê nas calçadas das avenidas Tamandaré e Cabo Branco. Suas donas os tratam como filhos. E elas são tão pacientes que chegam a esperar que eles façam xixi nos postes. Vejam até que ponto chega o amor pelos animais..
E os vira-latas? Como gosto deles. De sua liberdade, de sua autenticidade, de sua filosofia. Vivem sua vida de marginal sem incomodar ninguém. E muitas vezes são repelidos ou apedrejados pelos estúpidos, tão mal compreendidos por muita gente. Certo dia, vi uma senhora enxotando um humilde marginal canino que caminhava pacificamente pela calçada. Um gesto áspero e grosseiro que definiu bem sua personalidade. Vá ver que ela viu no cachorro o marido, de quem não gosta mais...
Nunca me esqueci de um gesto do pianista Gerardo Parente, meu vizinho. Ele estava, na porta de sua casa, por sinal uma bela casa, dando comida a um vira-lata da rua, num prato. O fato me comoveu. Ao invés de enxotar o animalzinho, como fazem muitos, ele procurava alimentá-lo como se tratasse de uma pessoa.
Faz tempo que ele se foi deste mundo, mas, decerto, continua alegrando o outro lado com a sua música e a sua bondade. Só o cachorrinho é que não viu mais o portão daquela casa abrir-se para ele…
Uma coisa que mais me chamou a atenção em algumas cidades civilizadas foram os cães passeando livremente pelas avenidas e praças, muito respeitados e bem tratados pelo povo. A exemplo dos cães da Atenas de Sócrates, que ao que fui informado, são protegidos pelo Estado, e ainda trazem no pescoço uma placa oficial identificadora. Vi e acariciei muitos. Não sei se no tempo do filósofo eles viviam perambulando pelas ruas. E ai de quem tratar mal um desses animais. Ser-lhe-á, sem dúvida, aplicada uma multa. Creio que a mesma coisa acontece na Índia, onde a vaca tem livre trânsito na via pública. Ela é tida como sagrada. Eis aí um culto que respeito e admiro.
Agora me veio à memória turística que nos restaurantes de Paris os cães entram acompanhados de seus donos, e ninguém diz nada. Alguns chegam até a ficar sentados na cadeira e se comportam muito bem. Vem-me, também, neste momento, uma frase de autoria do escritor Frank Deford, que Germano andou me mostrando, um dia desses: “Pode-se ficar conhecendo tudo de um povo só pela maneira como ele trata os animais e as praias.” – uma grande verdade.
Pouquíssimas são as pessoas que amam os bichos como se fossem gente. Há muita gente que é indiferente ou trata mal os animais chamados inferiores. Que só recebem pontapés ao invés de carinho. Ângela Bezerra de Castro, nossa culta intérprete do fenômeno literário, uma mestra que muito respeito nos infunde e cujos olhos vêem longe, tem um sorriso muito mais bonito do que o da Mona Lisa. Ângela foi capaz de chorar pela morte de sua gatinha de estimação. Uma gatinha que ela encontrou abandonada, e adotou, desde o tempo em que trabalhava na Esma, com quem conversava, todos os dias, que, muitas vezes, atenuava sua solidão de intelectual e pensadora. E isto só fez crescer minha admiração por ela, que tem uma sensibilidade fora do comum.
(excertos de crônicas)
Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a d...
Viva as liberdades democráticas
Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a democracia, que com todos os seus erros, ainda é o regime que dignifica o homem. E está aí o muro de Berlim demolido, está aí a Cortina de Ferro destruída. Mil vezes o rosto alegre de um estadista eleito pelo povo do que a carranca de um Stalin, de um Hitler ou a barba de um Fidel.
A democracia é o regime que cultua a coisa mais importante no homem: a liberdade, a livre opção. Pode ter seus pecados, mas com o tempo a coisa vai melhorando. Votar consciente do voto é o que importa. E quem vende o voto torna essa consciência numa mercadoria.
Ah, liberdade!... Quanto me alegrou a fisionomia risonha das pessoas em Moscou e em Leningrado, quando lá estive, logo depois que seu povo recuperou a liberdade. Todo mundo alegre, livre da ditadura...
Em muitos anos eu poderia não ter votado, baseado na isenção que a Justiça me concedeu, mas achei que, não votando, eu estaria sendo antidemocrático.
Ao votar, deve-se esquecer as brigas das campanhas, das agressões à honra dos candidatos. Esquecer dos ataques pessoais, todos eles dominados pela paixão política.
O que é asqueroso é o voto vendido, material ou ideologicamente, voto prostituído, voto de cabresto. Devemos votar esquecidos das gritarias das campanhas, dos ataques mesquinhos e da chamada “lavagem de roupa.”
O negócio agora é esquecer a campanha e colaborar com os candidatos que mereceram os votos da maioria. A ordem, agora, é esquecer os ódios, respeitar a vontade popular, e não atrapalhar os planos dos eleitos pelo povo.
E viva a Democracia!
(Publicado no jonral A União em 2010)
O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis ...
Nem todas as belezas apaixonam
O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis e até quereis que eu seja obrigada a vos amar. Eu sei, com o natural entendimento que Deus me deu, que tudo o que é belo pode ser amado; mas não compreendo que, pela razão de ser amado, quem é amado por belo tenha obrigação de amar quem o ama.
E ainda poderia acontecer que o amante do belo fosse feio e, sendo o feio digno de ser desprezado, fica mal dizer: ‘Amo-te porque és bela: deves me amar embora eu seja feio’. Mas, mesmo que as belezas se equivalham, nem por isso haverão de ser iguais os desejos, pois nem todas as belezas apaixonam: algumas alegram a vista mas não subjugam a vontade.
Se todas as belezas apaixonassem e subjugassem, as vontades andariam desorientadas e confusas, sem saber onde iriam parar, porque, sendo infinitas as pessoas belas, infinitos haveriam de ser os desejos.
E, conforme ouvi dizer, o amor verdadeiro não se divide e deve ser voluntário, não forçado. Sendo assim, como penso que é, por que quereis que submeta minha vontade à força, apenas porque me dizeis que me amais? Se não, dizei-me: se em vez de formosa o céu me tivesse feito feia, seria justo que me queixasse de vós por não me amardes?
Eu nasci livre e, para poder viver livre, escolhi a solidão dos campos: as árvores destas montanhas são minha companhia; as águas cristalinas destes riachos, meus espelhos; às árvores e às águas comunico meus pensamentos e formosura.
Sou fogo afastado e espada distante. Aos que apaixonei com a vista desiludi com as palavras; e, se os desejos se sustentam com esperanças, não tendo eu dado nenhuma a Grisóstomo, nem a algum outro (na verdade, a nenhum deles), bem se pode dizer que antes o matou sua teimosia do que minha crueldade.
Se a Grisóstomo matou sua impaciência e desejo impetuoso, por que se deve culpar meu honesto procedimento e recato? Se eu conservo minha pureza em companhia das árvores, por que devem querer que a perca em companhia dos homens?
Como sabeis, sou rica e não cobiço as riquezas alheias; sou de temperamento livre, não gosto de me sujeitar; não amo nem odeio ninguém; não engano este nem cortejo aquele; não zombo de um nem me divirto com outro.
A conversa honesta das pastoras destas aldeias e o cuidado com minhas cabras me distraem. Meus desejos se limitam a estas montanhas e, se daqui saem, é para contemplar a formosura do céu, passos com que anda a alma para sua primeira morada.
(discurso de Marcela - excerto de Dom Quixote)
A catinga formava um aranhol. As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal. Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, ...
"Um Américo das Américas"
A catinga formava um aranhol.
As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal.
Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, esplêndida, a macaíba com o leque de chamas.
A manhã estava tonta de claridade.
Parecia um inferno orgíaco.
O milharal embandeirava o sitio em festa.
O melão bravo salpicado de ouro formava um ninho acintoso.
As cigarras aplaudiam uma fulguração triunfal.
Mal se distinguia o que corria do céu: se a claridade líquida ou a garoa dourada.
Eu chorava, de manhãzinha, quando os passarinhos começavam a cantar – chorando, que é a forma mais alegre de criança falar.
A minha alma de velho
Anda agora renovada,
Que a paixão é como sonho,
Chega sem ser esperada
Não se vê um olho d’água,
Quando há seca no sertão,
E enche-se os olhos d’água,
Quando seca o coração
(excertos de A Bagaceira)
Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero , grande ad...
Carlos Romero (1923 - 2019)
Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero, grande admirador da literatura e apaixonado por livros e ensaios. Com o tempo, o blog diversificou-se, passando a veicular outros assuntos de interesse do blogueiro, como a musica erudita, as artes, religiões, o aprendizado de linguas estrangeiras e as curiosidades que cercam a vida na Terra.