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Quando eu vim de Alagoa Nova, minha terra natal, para viver na capital, foi na Rua Nova, hoje, General Osório, que passei a morar numa ...

carlos romero rua nova general osorio
Quando eu vim de Alagoa Nova, minha terra natal, para viver na capital, foi na Rua Nova, hoje, General Osório, que passei a morar numa casa, hoje demolida, que ficava onde está, hoje, o “Terceirão”. A casa era espaçosa, e o que mais encantou ao menino de quatro anos foram as amplas janelas. E janelas, naquela época, eram o melhor instrumento de comunicação. Ah, as fofocas na janela! A rua era larga, silenciosa e meio mística, com o relógio da Catedral anunciando as horas.

Texto originalmente publicado na revista comemotativa Rádio Tabajara 50 Anos, publicada pelo Governo do Estado da Paraíba, em 1987. ...

radio tabajara paraiba
Texto originalmente publicado na revista comemotativa Rádio Tabajara 50 Anos, publicada pelo Governo do Estado da Paraíba, em 1987.

O historiador José Octávio me pede algumas reminiscências sobre a Rádio Tabajara da Paraíba, que, este ano, está completando seu cinquentenário, e eu não vejo como esconder esse passado que mora com muita nitidez na minha memória.

Quem diria... Até há pouco tempo comemorávamos o Natal e o Ano Novo, com muita festa, muito barulho, muita comida, muita bebida. Pouco ...

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Quem diria... Até há pouco tempo comemorávamos o Natal e o Ano Novo, com muita festa, muito barulho, muita comida, muita bebida. Pouco mais virá o “Folia de Rua” e o Carnaval... Decididamente o homem é um animal festivo por excelência. E não falta motivo para festas. Seja para comemorar um nascimento, um casamento, uma formatura, as bodas de prata, de ouro, de diamante. Festa... Ah, quantas festas!

Venho falar-vos de Beethoven , Luiz de Beethoven. Não apenas o Beethoven das partituras, das notas musicais, mas o Beethoven, homem...

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Venho falar-vos de Beethoven, Luiz de Beethoven. Não apenas o Beethoven das partituras, das notas musicais, mas o Beethoven, homem de ideias, Beethoven filósofo. Como se sabe, ele não foi um temperamento essencialmente musical. Teve outras preocupações que não só artísticas. “Aos vinte e oito anos eu já era filósofo” — exclamava ele no seu Testamento de Heiligenstadt.

E eis que novamente temos a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, crucificado, no al...

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E eis que novamente temos a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, crucificado, no alto de um monte chamado o Monte da Caveira. Lá estava ele, de braços abertos, agredido e tendo como companheiro dois marginais.

Ano velho passando, ano novo chegando, será que o mundo melhorou? Claro, pois na vida não existe marcha à ré. Tudo evolui. Esta minha...

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Ano velho passando, ano novo chegando, será que o mundo melhorou? Claro, pois na vida não existe marcha à ré. Tudo evolui. Esta minha reflexão adveio de um desejo enorme de olhar para trás…

E tudo começou com aquele homem magro, quase nu, todo ensanguentado, pregado numa cruz, entre dois malfeitores. Um homem cujo crime foi amar a todos sem distinção. Pediu água e lhe deram vinagre. Pediu amor e lhe deram ódio, diante de uma multidão enlouquecida pelo fanatismo religioso, provou que nem sempre a voz do povo é a voz de Deus.

Memória Para escrever o presente texto não precisei ir ao arquivo de jornais, livros e documentos. Bastou o arquivo da memória, onde...

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Memória

Para escrever o presente texto não precisei ir ao arquivo de jornais, livros e documentos. Bastou o arquivo da memória, onde o prédio da velha A União ainda permanece aceso dentro da noite, com o ruído seco das suas linotipos e o som de uma sineta anunciando a chegada de provas para a revisão.

Eis uma imagem que perdura na minha lembrança. Demoliram o antigo prédio do tradicional jornal mas ele continua presente dentro de mim. E chegou a vez de evocar aquele poema de Manuel Bandeira – Última Canção do Beco – em que há uns versos assim:

O médico indiano e escritor Deepak Chopra narra, em seu livro “A fonte da felicidade duradoura” um fato, deveras impressionante: uma mu...

maturidade sabedoria velhice envelhecimento auto ajuda
O médico indiano e escritor Deepak Chopra narra, em seu livro “A fonte da felicidade duradoura” um fato, deveras impressionante: uma mulher de 60 anos tinha a aparência de uma jovem de trinta anos. Era saudável, alegre e rodeada de amigos. E quando lhe perguntaram o segredo de tanta jovialidade, a resposta foi: "talvez seja pelo fato de eu ter esquecido a minha idade”. Decerto, ela não queria festa de aniversário, com aquele bolo na mesa, as velinhas acesas e as pessoas batendo palmas e desejando ao aniversariante muitos anos de vida, mesmo que ele já tenha 95 anos de idade...

E. Grutzner ▪ 1846—1925
O danado é que em vários setores da sociedade, o idoso é muito discriminado. A própria sociedade discrimina o idoso. Por que aposentar um funcionário eficiente quando este completa 70 anos?... Então, um homem de noventa anos é incapaz de julgar? E que dizer do genial arquiteto Niemeyer que atravessou a faixa dos cem anos e continuou trabalhando no seu escritório? Com que idade o grande Churchill barrou as divisões de Hitler?

Eis que hoje se dá o Dia da Mulher. Elas merecem! Sempre que pego o jornal e vejo fotos de tantas mulheres importantes, seja em cargos pú...

dia internacional da mulher igualdade
Eis que hoje se dá o Dia da Mulher. Elas merecem!

Sempre que pego o jornal e vejo fotos de tantas mulheres importantes, seja em cargos públicos, profissionais, magistradas, todas muito chiques, fico a monologar: “Quem diria que isso acontecesse um dia na vida, em que sempre predominou o machismo, de bombachas ou sem elas?... Quem diria que uma mulher, um dia, ousasse dirigir um estado, um país, um tribunal, com a mesma desenvoltura e bravura dos grandes estadistas?

Como hoje é o Dia dos Mortos, segundo a tradição, não vejo outro assunto para uma crônica. Eu gostaria de usar, aqui, um eufemismo. E assi...

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Como hoje é o Dia dos Mortos, segundo a tradição, não vejo outro assunto para uma crônica. Eu gostaria de usar, aqui, um eufemismo. E assim, ao invés de Dia dos Mortos, substitui-lo por Dia dos Ausentes, embora Victor Hugo preferisse chamá-los de invisíveis. Jamais chamar a um fulano que morreu de "finado".E, aqui para nós, será que os que morreram, desapareceram para sempre? Que duro materialismo! Será que Deus criou o tudo para o nada?

Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo. — Uma ordem de pag...

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Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo.

— Uma ordem de pagamento — digo.

A tarde está fria, propícia ao devaneio. Acontece que o banco não está para fantasias e sim para cálculos. Portanto, nada de andar com alma de poeta ou de cronista sentimental.

Quando Gonzaga Rodrigues recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” da UFPB foi, sem dúvida, o grande acontecimento do ano. Por motivo supe...

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Quando Gonzaga Rodrigues recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” da UFPB foi, sem dúvida, o grande acontecimento do ano. Por motivo superior à minha vontade, não pude estar presente à solenidade da entrega do valoroso título ao estimado conterrâneo.

Designado para fazer a reportagem dos debates da Assembleia Legislativa, relatar para os leitores o curso das discussões levadas a efeito p...

carlos romero

Designado para fazer a reportagem dos debates da Assembleia Legislativa, relatar para os leitores o curso das discussões levadas a efeito pelos nossos parlamentares, observar tanto o entusiasmo de eloquência oratória dos deputados, como o ardor aclamatório dos frequentadores das galerias, tornou-se esse trabalho mais uma experiência de minha vida do jornal, mais um conhecimento travado com as múltiplas facetas da imprensa.

assembleia legislativa deputados
Com o decorrer do tempo, com o hábito do trabalho, com a rotina dos debates, fui verificando, pouco a pouco, num desses deslizes do olhar, numa dessas despreocupações de repórter, a presença quase infalível, a fisionomia cansada e atenta de um dos frequentadores das galerias.

Tratava-se de um velho funcionário público aposentado, trazendo no semblante desbotado pela vida a tortura e os restos de suas últimas decepções. O curioso personagem nunca faltou, quer fizesse chuva, quer fizesse sol, a uma das reuniões da Assembleia. Apesar da madureza de sua idade, apesar da severidade doentia de seu aspecto, entremostrava sempre um certo fulgor de encantamento no olhar, de felicidade, de esperança, mesmo quando da tribuna, um dos parlamentares dissertava sobre os problemas do povo, defendia um tema qualquer.

Então, eu via, emocionado, o homem sorrir satisfeito, olhar fraternalmente para os companheiros, erguer o braço num extravasamento de entusiasmo indiferente ao seu reumatismo e às dificuldades de sua vida de fracassado. Mas, o que mais me comovia e que mais me enchia de tristeza era quando a sessão decorria sem anormalidade, sem tumulto oratório, numa placidez de lago suíço, pois, nesse momento, o funcionário pegava de seu guarda-chuva, ajeitava o chapéu na cabeça branca e rumava, triste, desconsolado, em direção a um banco de praça, a um café de segunda classe, ou então ia descansar, repousar os nervos exaustos, em sua modesta residência de subúrbio.

Ninguém notava a saída do pobre ex-servidor público. Ninguém lhe percebia o desânimo no rosto. A sessão continuava sem novidade, passava-se à ordem do dia, às sisudas aprovações dos projetos e resoluções, enquanto, o espectador infalível das galerias ia pelas ruas, por entre a multidão indiferente.

antiga assembleia de deputados da paraiba
Assembleia Legislativa da Paraíba
A tarde para ele deveria ser horrível, com muito tédio, com muita melancolia. Ficava, às vezes, sem ter para onde ir. À noite, nem é bom falar. A velhice pobre na solidão, povoada de fantasmas, plena de doces reminiscências da infância, deve ter um aspecto dramático e desolador. Para o velho funcionário público, a Assembleia era um divertimento, um passatempo, um espetáculo grátis e bom para sacolejar os seus nervos, para fazê-lo crer que ainda vive, que ainda vibra. Por isso jamais faltou a uma reunião.

Sem filhos, sem amigos, sem conforto, nada mais esperava ele do mundo. Pouco importava que um discurso abrisse um lampejo de esperança, coisa que ele já perdera, há muito tempo. Ia à Assembleia somente para matar os poucos anos que lhe restavam. Enquanto os outros iam ao cinema, só tinha, graças a esse regime democrático, as galerias para encher o vazio de sua existência árida.

Enquanto outros, os jovens, operários e homens, em pleno exercício da função pública, procuravam a Assembleia para melhor medirem os acontecimentos das coisas públicas, para melhor se informarem da política estadual, o velho amanuense aposentado só tinha um único interesse — ter para onde ir, gozar ao som da oratória parlamentar, derradeiros instantes de sua insípida existência...

* crônica de 1947, escrita no Jornal A União


Carlos Romero é patrono deste ambiente de leitura (in memorian)

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(in memoriam) E eis que chega a   Semana   Santa   mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, cr...


(in memoriam)
E eis que chega a Semana Santa mostrando um Jesus traído, condenado, chicoteado, ensanguentado e, por fim, crucificado, no alto de um monte chamado o Monte da Caveira. Lá estava ele, de braços abertos, ensanguentado e tendo como companheiro dois marginais.

E é essa imagem que a Semana Santa traz para as ruas, cinema, teatro, televisão, espetáculos que rendem bom dinheiro para os seus promotores. Tanta coisa bonita no Evangelho para se evocar e mostrar, mas o que se quer exigir, naquele momento, é um Jesus moribundo, coroado de espinhos, humilhado e ofendido. E haja chicotadas no corpo magro, haja cusparadas no rosto suado, haja humilhações e mais humilhações.

Essa a imagem que mais atrai as multidões e os religiosos. Essa a imagem que mais fascina o público, que mais é evocada nas comemorações da semana que passou.

Não. Dependesse de mim, jamais seriam relembrados tais episódios. Jamais eu gostaria de ver, todo ano, um filho em situações tão dolorosas... Que as Escrituras evoquem aquela triste peregrinação do Mestre, está bem. Mas que tudo fique apenas registrado na História. Para que dramatizar e relembrar tão dolorosos sentimentos? Não haveria aí um triste sadismo? E eu chego até ao exagero – e o leitor vá me perdoando minha susceptibilidade – de sugerir que não se evoque mais a imagem de Jesus na cruz. Não gosto de vê-lo pregado numa cruz, nas igrejas, nas repartições públicas, nas assembleias legislativas e em volta dos pescoços das mulheres.

A imagem do Jesus que eu quero ver não é a do Jesus morto, mas a do Jesus vivo, do Jesus convidando-nos a olhar os lírios do campo e as aves do céu, do Jesus, no alto da montanha, pregando o seu sermão inaugural, do Jesus convidando as criançcnhas para um abraço fraterno e paterno, o do Jesus limpando leprosos, dando a vista aos cegos, levantando paralíticos, dando voz aos mudos, o do Jesus no Monte Tabor conversando com os espíritos, todo iluminado, do Jesus levitando sobre as águas... Ah, leitor, esse o Jesus que eu desejo ver sempre.

E abaixo o luto, a tristeza, a agonia. Ao invés de agonia, o que desejamos é alegria. Jesus nunca foi pessimista. Todo o seu Evangelho é um hino à fé. "Pedi e vos será dado, buscai e achareis, batei e se abrir-vos-á", recomendava ele. "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".

Luto na Semana Santa, jamais! O luto, há muito tempo que deixou ser usado quando uma pessoa morria. E havia aquele que usava o chamado luto fechado... Felizmente, acabou-se o costume. Não é com luto que se deve expressar a saudade dos mortos queridos, tanto é assim que os caixões mortuários estão sempre enfeitados de flores. Sim, flores que são o sorriso da Natureza.

Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as ...



Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as espumas parecem mais brancas e que às vezes durante a noite as águas avançaram inquietas, vejo isso pela marca que as ondas deixaram na areia. Olho as amendoeiras de minha rua. Presto atenção se o céu de noite, antes de eu dormir e tomar conta do mundo em forma de sonho, se o céu de noite está estrelado e azul-marinho, porque em certas noites em vez de negro parece azul-marinho. O cosmos me dá muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomo conta com alguma relutância.

Observo o menino de uns dez anos, vestido de trapos e macérrimo. Terá futura tuberculose, se é que já não a tem.

No Jardim Botânico, então, eu fico exaurida, tenho que tomar conta com o olhar das mil plantas e árvores, e sobretudo das vitórias-régias.

Que se repare que não menciono nenhuma vez as minhas impressões emotivas: lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego pois dinheiro não ganho por isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.

Se tomar conta do mundo dá trabalho? Sim. E lembro-me de um rosto terrivelmente inexpressível de uma mulher que vi na rua. Tomo conta dos milhares de favelados pelas encostas acima. Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.

Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de lesa-corpo e lesaalma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.

Tomo desde criança conta de uma fileira de formigas: elas andam em fila indiana carregando um pedacinho de folha, o que não impede que cada uma, encontrando uma fila de formigas que venha de direção oposta, pare para dizer alguma coisa às outras.

Li o livro célebre sobre as abelhas, e tomei desde então conta das abelhas, sobretudo da rainha-mãe. As abelhas voam e lidam com flores: isto eu constatei. Mas as formigas têm uma cintura muito fininha. Nela, pequena, como é, cabe todo um mundo que, se eu não tomar cuidado, me escapa: senso instintivo de organização, linguagem para além do supersônico aos nossos ouvidos, e provavelmente para sentimentos instintivos de amor-sentimento, já que falam. Tomei muita coisa das formigas quando era pequena, e agora, que eu queria tanto poder revê-las, não encontro uma. Que não houve matança delas, eu sei porque se tivesse havido eu já teria sabido. Tomar conta do mundo exige também muita paciência: tenho que esperar pelo dia em que me apareça uma formiga. Paciência: observar as flores imperceptivelmente e lentamente se abrindo.

Só não encontrei ainda a quem prestar contas.

(2020, Ano de Centenário de Clarice Lispector)

Os cachorrinhos de apartamentos, felpudos e perfumados é só o que a gente vê nas calçadas das avenidas Tamandaré e Cabo Branco. Suas donas...



Os cachorrinhos de apartamentos, felpudos e perfumados é só o que a gente vê nas calçadas das avenidas Tamandaré e Cabo Branco. Suas donas os tratam como filhos. E elas são tão pacientes que chegam a esperar que eles façam xixi nos postes. Vejam até que ponto chega o amor pelos animais..

E os vira-latas? Como gosto deles. De sua liberdade, de sua autenticidade, de sua filosofia. Vivem sua vida de marginal sem incomodar ninguém. E muitas vezes são repelidos ou apedrejados pelos estúpidos, tão mal compreendidos por muita gente. Certo dia, vi uma senhora enxotando um humilde marginal canino que caminhava pacificamente pela calçada. Um gesto áspero e grosseiro que definiu bem sua personalidade. Vá ver que ela viu no cachorro o marido, de quem não gosta mais...



Nunca me esqueci de um gesto do pianista Gerardo Parente, meu vizinho. Ele estava, na porta de sua casa, por sinal uma bela casa, dando comida a um vira-lata da rua, num prato. O fato me comoveu. Ao invés de enxotar o animalzinho, como fazem muitos, ele procurava alimentá-lo como se tratasse de uma pessoa.

Faz tempo que ele se foi deste mundo, mas, decerto, continua alegrando o outro lado com a sua música e a sua bondade. Só o cachorrinho é que não viu mais o portão daquela casa abrir-se para ele…



Uma coisa que mais me chamou a atenção em algumas cidades civilizadas foram os cães passeando livremente pelas avenidas e praças, muito respeitados e bem tratados pelo povo. A exemplo dos cães da Atenas de Sócrates, que ao que fui informado, são protegidos pelo Estado, e ainda trazem no pescoço uma placa oficial identificadora. Vi e acariciei muitos. Não sei se no tempo do filósofo eles viviam perambulando pelas ruas. E ai de quem tratar mal um desses animais. Ser-lhe-á, sem dúvida, aplicada uma multa. Creio que a mesma coisa acontece na Índia, onde a vaca tem livre trânsito na via pública. Ela é tida como sagrada. Eis aí um culto que respeito e admiro.

Agora me veio à memória turística que nos restaurantes de Paris os cães entram acompanhados de seus donos, e ninguém diz nada. Alguns chegam até a ficar sentados na cadeira e se comportam muito bem. Vem-me, também, neste momento, uma frase de autoria do escritor Frank Deford, que Germano andou me mostrando, um dia desses: “Pode-se ficar conhecendo tudo de um povo só pela maneira como ele trata os animais e as praias.” – uma grande verdade.



Pouquíssimas são as pessoas que amam os bichos como se fossem gente. Há muita gente que é indiferente ou trata mal os animais chamados inferiores. Que só recebem pontapés ao invés de carinho. Ângela Bezerra de Castro, nossa culta intérprete do fenômeno literário, uma mestra que muito respeito nos infunde e cujos olhos vêem longe, tem um sorriso muito mais bonito do que o da Mona Lisa. Ângela foi capaz de chorar pela morte de sua gatinha de estimação. Uma gatinha que ela encontrou abandonada, e adotou, desde o tempo em que trabalhava na Esma, com quem conversava, todos os dias, que, muitas vezes, atenuava sua solidão de intelectual e pensadora. E isto só fez crescer minha admiração por ela, que tem uma sensibilidade fora do comum.

(excertos de crônicas)

Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a d...


Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a democracia, que com todos os seus erros, ainda é o regime que dignifica o homem. E está aí o muro de Berlim demolido, está aí a Cortina de Ferro destruída. Mil vezes o rosto alegre de um estadista eleito pelo povo do que a carranca de um Stalin, de um Hitler ou a barba de um Fidel.

A democracia é o regime que cultua a coisa mais importante no homem: a liberdade, a livre opção. Pode ter seus pecados, mas com o tempo a coisa vai melhorando. Votar consciente do voto é o que importa. E quem vende o voto torna essa consciência numa mercadoria.

Ah, liberdade!... Quanto me alegrou a fisionomia risonha das pessoas em Moscou e em Leningrado, quando lá estive, logo depois que seu povo recuperou a liberdade. Todo mundo alegre, livre da ditadura...

Em muitos anos eu poderia não ter votado, baseado na isenção que a Justiça me concedeu, mas achei que, não votando, eu estaria sendo antidemocrático.

Ao votar, deve-se esquecer as brigas das campanhas, das agressões à honra dos candidatos. Esquecer dos ataques pessoais, todos eles dominados pela paixão política.

O que é asqueroso é o voto vendido, material ou ideologicamente, voto prostituído, voto de cabresto. Devemos votar esquecidos das gritarias das campanhas, dos ataques mesquinhos e da chamada “lavagem de roupa.”

O negócio agora é esquecer a campanha e colaborar com os candidatos que mereceram os votos da maioria. A ordem, agora, é esquecer os ódios, respeitar a vontade popular, e não atrapalhar os planos dos eleitos pelo povo.

E viva a Democracia!

(Publicado no jonral A União em 2010)


O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis ...


O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis e até quereis que eu seja obrigada a vos amar. Eu sei, com o natural entendimento que Deus me deu, que tudo o que é belo pode ser amado; mas não compreendo que, pela razão de ser amado, quem é amado por belo tenha obrigação de amar quem o ama.

E ainda poderia acontecer que o amante do belo fosse feio e, sendo o feio digno de ser desprezado, fica mal dizer: ‘Amo-te porque és bela: deves me amar embora eu seja feio’. Mas, mesmo que as belezas se equivalham, nem por isso haverão de ser iguais os desejos, pois nem todas as belezas apaixonam: algumas alegram a vista mas não subjugam a vontade.

Se todas as belezas apaixonassem e subjugassem, as vontades andariam desorientadas e confusas, sem saber onde iriam parar, porque, sendo infinitas as pessoas belas, infinitos haveriam de ser os desejos.

E, conforme ouvi dizer, o amor verdadeiro não se divide e deve ser voluntário, não forçado. Sendo assim, como penso que é, por que quereis que submeta minha vontade à força, apenas porque me dizeis que me amais? Se não, dizei-me: se em vez de formosa o céu me tivesse feito feia, seria justo que me queixasse de vós por não me amardes?

Eu nasci livre e, para poder viver livre, escolhi a solidão dos campos: as árvores destas montanhas são minha companhia; as águas cristalinas destes riachos, meus espelhos; às árvores e às águas comunico meus pensamentos e formosura.

Sou fogo afastado e espada distante. Aos que apaixonei com a vista desiludi com as palavras; e, se os desejos se sustentam com esperanças, não tendo eu dado nenhuma a Grisóstomo, nem a algum outro (na verdade, a nenhum deles), bem se pode dizer que antes o matou sua teimosia do que minha crueldade.

Se a Grisóstomo matou sua impaciência e desejo impetuoso, por que se deve culpar meu honesto procedimento e recato? Se eu conservo minha pureza em companhia das árvores, por que devem querer que a perca em companhia dos homens?

Como sabeis, sou rica e não cobiço as riquezas alheias; sou de temperamento livre, não gosto de me sujeitar; não amo nem odeio ninguém; não engano este nem cortejo aquele; não zombo de um nem me divirto com outro.

A conversa honesta das pastoras destas aldeias e o cuidado com minhas cabras me distraem. Meus desejos se limitam a estas montanhas e, se daqui saem, é para contemplar a formosura do céu, passos com que anda a alma para sua primeira morada.

(discurso de Marcela - excerto de Dom Quixote)

A catinga formava um aranhol. As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal. Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, ...


A catinga formava um aranhol.
As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal.
Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, esplêndida, a macaíba com o leque de chamas.
A manhã estava tonta de claridade.



Parecia um inferno orgíaco.
O milharal embandeirava o sitio em festa.
O melão bravo salpicado de ouro formava um ninho acintoso.
As cigarras aplaudiam uma fulguração triunfal.
Mal se distinguia o que corria do céu: se a claridade líquida ou a garoa dourada.



Eu chorava, de manhãzinha, quando os passarinhos começavam a cantar – chorando, que é a forma mais alegre de criança falar.



A minha alma de velho
Anda agora renovada,
Que a paixão é como sonho,
Chega sem ser esperada



Não se vê um olho d’água,
Quando há seca no sertão,
E enche-se os olhos d’água,
Quando seca o coração

(excertos de A Bagaceira)


Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero , grande ad...



Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero, grande admirador da literatura e apaixonado por livros e ensaios. Com o tempo, o blog diversificou-se, passando a veicular outros assuntos de interesse do blogueiro, como a musica erudita, as artes, religiões, o aprendizado de linguas estrangeiras e as curiosidades que cercam a vida na Terra.