Mostrando postagens com marcador Antonio Morais Carvalho. Mostrar todas as postagens

Para muitas pessoas, é banal, posto que diário e rotineiro, passar por uma padaria qualquer e levar alguns pães para casa. Mas não era...

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Para muitas pessoas, é banal, posto que diário e rotineiro, passar por uma padaria qualquer e levar alguns pães para casa. Mas não era banal para ele: era um ritual solene descer a Manuel Elias de Araújo, dobrar na Silva Jardim e seguir até a Santo Antonio, às 10 para as seis da tarde, para colher o pão da fornada das seis horas da tarde na mesma padaria, sua preferida.

Ao final da leitura de um poema que nos falou à inteligência, pelas idéias ou pela concepção; ou que nos comoveu, por sua expressiv...

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Ao final da leitura de um poema que nos falou à inteligência, pelas idéias ou pela concepção; ou que nos comoveu, por sua expressividade ou beleza verbal, é comum dizermos que já havíamos sentido ou percebido o que ali estava dito, apenas nunca nos ocorrera botar aquilo no papel com aquelas palavras (o equívoco está exatamente aí: “aquelas” palavras são apenas tudo!).

Nos anos 50 e 60, havia muitas livrarias em Campina Grande. A Livraria Nova, em frente ao Colégio Alfredo Dantas; uma pequena livrari...

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Nos anos 50 e 60, havia muitas livrarias em Campina Grande. A Livraria Nova, em frente ao Colégio Alfredo Dantas; uma pequena livraria, ao lado do Cine Capitólio, especializada nos livrinhos das Edições de Ouro; a Livraria Modelo (especializada em livros sobre música e partituras musicais), no Beco 31; a Livraria Universal, no Edifício Palomo, e a Livraria Cruzeiro, na Maciel Pinheiro, quase ao lado da Pedrosa. Mas nenhuma dessas livrarias tinha o espírito de livraria, se comparadas à Livraria Pedrosa, na esquina da Maciel Pinheiro com o Beco 31.

Em Trastevere, charmoso bairro de Roma, há um pequeno restaurante com uma das melhores cozinhas da cidade. Mas o que chama logo a atenç...

Em Trastevere, charmoso bairro de Roma, há um pequeno restaurante com uma das melhores cozinhas da cidade. Mas o que chama logo a atenção do cliente que ainda não lhe conhece a cozinha é um extraordinário aviso emoldurado na parede: “NON ABBIAMO WI-FI. PARLATE UN PÒ TRA VOI.” Em bom português: “Não temos wi-fi: conversem um pouco entre si.”

Não é incomum, hoje em dia, quatro amigos dividirem uma mesa de restaurante, cada um comunicando-se isoladamente com alguém que não está à mesa, através do celular, como se não houvesse pessoa alguma ao seu lado naquele momento. Ver uma foto, um vídeo, ler ou responder a uma mensagem (coisas que ficam gravadas e podem ser vistas quando se estiver sozinho) ficam sendo algo mais importante e prazeroso do que conversar com as pessoas com quem você combinou de encontrar-se e que estão ali, ao lado, com a sua presença viva, tornando possível o milagre que é compartilhar um instante único e irrepetível.

Eu tinha 9 anos quando Jânio Quadros, candidato a presidente, esteve em Campina Grande. Naquele tempo, apesar de o Grande Hotel, um ple...

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Eu tinha 9 anos quando Jânio Quadros, candidato a presidente, esteve em Campina Grande. Naquele tempo, apesar de o Grande Hotel, um pleno “Art Déco” bem razoável para a época, ainda estar em funcionamento, era comum pessoas “importantes”, de passagem pela cidade, hospedarem-se na casa de um dos numeráveis ricos.

Eu morava na Nilo Peçanha, esquina com Buenos Aires (nome que me fascinava, sem que eu soubesse por quê), e fiquei sabendo que Jânio estava hospedado na casa de Camboim,

    HOZANETE (Para minha irmã – in memoriam) Quantos não diziam Que eras difícil, impulsiva, intratável, Que eras rigoros...

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HOZANETE
(Para minha irmã – in memoriam) Quantos não diziam Que eras difícil, impulsiva, intratável, Que eras rigorosa, inflexível, Que eras, às vezes, sobranceira, Que eras apenas certezas, Que eras recalcitrante, intolerante!? Fiquei achando que só tinhas defeitos. De-repente-a-noite-universal-visita-a-família- Sem-mandar-telegrama E te rouba os terríveis todos defeitos, E tu ficaste tão silenciosamente boa, Tão insuportavelmente tolerante, Na tua indiferença!

    alguma coisa, alguma linha, algo há de escapar insétil. dúctil, mas indócil, leve, mas indelével, há de manter-se presente. n...

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alguma coisa, alguma linha, algo há de escapar insétil. dúctil, mas indócil, leve, mas indelével, há de manter-se presente. não há de ser, inevitavelmente, aroma (a maresia habita igual o poema), mas há de eludir o tempo.

Da janela do meu apartamento, vejo o quintal da casa lá embaixo. Largada, ao lado da churrasqueira, uma pequena bicicleta. Sob uma árvore,...

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Da janela do meu apartamento, vejo o quintal da casa lá embaixo. Largada, ao lado da churrasqueira, uma pequena bicicleta. Sob uma árvore, uma mesa, na qual repousa um chapéu branco, possivelmente tricotado, de abas largas, ao lado de um par de luvas de cozinha. Próxima à mesa, uma antiga cadeira de balanço. Não conheço as pessoas que moram na casa, e, vistos assim, sem pertencimento, esses objetos não transcendem sua condição material, genérica; vale dizer: carecem da singularidade que só uma pessoa (um “dono”) a quem pertencessem lhes doaria. Tautologicamente: esses objetos, como os vejo agora, não passam de objetos.

Diante do caixa, olhando a capa da edição crítica de A paixão segundo G. H ., que a mão acariciava, enquanto o coração se afogava no tempo...

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Diante do caixa, olhando a capa da edição crítica de A paixão segundo G. H., que a mão acariciava, enquanto o coração se afogava no tempo esvaído, as lágrimas começam a descer devagar, mas continuamente. A moça do caixa pergunta-lhe: ​

– Senhor: o que se passa? O senhor está bem?

Enquanto a pergunta o fazia regressar ao instante da experiência daquele momento, sem saber por que, lembrou-se de “Casa tomada.”

Se há um tipo de texto que prioriza o sortilégio das palavras (mesmo que em detrimento do conteúdo) à procura de um encanto, este tipo de ...

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Se há um tipo de texto que prioriza o sortilégio das palavras (mesmo que em detrimento do conteúdo) à procura de um encanto, este tipo de texto é a crônica. Bem sei que todo texto literário faz um uso retórico das palavras e procura encantar, mas um romance (ou um conto, um poema) tem (ou procura ter) uma densidade que uma crônica não ambiciona alcançar – em outras palavras: tudo que é dito pela crônica é supérfluo, ou, ao menos, secundário: o que importa mesmo é o jeito como a crônica se diz.

Quando criança, eu costumava convocar Deus para consertar tudo: de falta de ar a brinquedo quebrado. Minha mãe, que acreditava com convicç...

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Quando criança, eu costumava convocar Deus para consertar tudo: de falta de ar a brinquedo quebrado. Minha mãe, que acreditava com convicção em Deus e me amava com fé, saía do sério, colocava a fé em crise e me admoestava com firmeza, insistindo para que eu não invocasse o nome de Deus em vão. Lentamente, fui aprendendo a lição; gradualmente, fui guardando Deus para as situações limites. Por isto, causa-me sempre grande espanto a convocação diuturna de Deus para a resolução de tarefas que qualquer ser humano normal pode levar a efeito; principalmente, causa-me indignação e repulsa a convocação de Deus para atos que desmerecem ou até negam os princípios de qualquer religião.

Algumas pessoas que leram a crônica “ O vendedor de milho ” perguntaram-me, preocupadas, por onde andava o vendedor de milho. Aderindo ao ...

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Algumas pessoas que leram a crônica “O vendedor de milho” perguntaram-me, preocupadas, por onde andava o vendedor de milho. Aderindo ao sentimento do narrador da crônica, elas têm toda razão em fazer eco à dúvida dele, mas será que elas também poderiam ter lido o texto numa perspectiva meramente ficcional, sem perder o sentimento?

Na província em que o garoto morava, ainda não havia televisão: o cinema e os gibis (as revistas em quadrinhos) formavam o imaginário de c...

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Na província em que o garoto morava, ainda não havia televisão: o cinema e os gibis (as revistas em quadrinhos) formavam o imaginário de crianças e adolescentes do seu tempo, e o faroeste era o gênero preferido daquela molecada.

Eu estava deixando a pequena Santa Luzia, onde nasci e me criei, onde podia desmaiar na praça sem medo (pois alguém iria me deixar em casa...

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Eu estava deixando a pequena Santa Luzia, onde nasci e me criei, onde podia desmaiar na praça sem medo (pois alguém iria me deixar em casa), a cidade que eu podia levar no bolso, para ir morar em Campina Grande, uma cidade grande, onde qualquer desconhecido poderia me botar no bolso a adolescidade.

Como eras minha, se deixaste de ser? Pouco importa que a lógica diga que tudo que é deixará de ser; ou que o que é só é porque promete que...

Como eras minha, se deixaste de ser? Pouco importa que a lógica diga que tudo que é deixará de ser; ou que o que é só é porque promete que deixará de ser; ou que, na dialética metafísica, o não ser é que dá substância ao ser. Eu não quero esta ciência. Eu preferiria o inteiriço nada, na sua plenitude de não desfazer-se, do que ter-me sentido pleno e hoje ser apenas fragmentos de nada.

Eu posso afirmar, com certo grau de verdade, muita coisa sobre a Iracema de José de Alencar, figura de ficção, mas não posso afirmar quase...

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Eu posso afirmar, com certo grau de verdade, muita coisa sobre a Iracema de José de Alencar, figura de ficção, mas não posso afirmar quase nada sobre Iracema, pessoa tangível, minha vizinha.

Para Genilda – meu dicionário amoroso Menino pobre, afora os livros da escola, um único livro ocupava, soberano, a pequen...

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Para Genilda – meu dicionário amoroso

Menino pobre, afora os livros da escola, um único livro ocupava, soberano, a pequena estante (vazia) da minha infância: um pequeno dicionário, de José Baptista da Luz, que tinha como seu auxiliar o que seria o futuro famoso Aurélio Buarque. Este pequeno dicionário foi a raiz do consagrado dicionário de Aurélio. Minha querida irmã mais velha, que costumava decidir o que interessava aos irmãos e jogar fora as coisas, sem pedir licença ao dono, usando de sua generosidade excessiva, transferiu o único patrimônio da família para uma colega de trabalho.

A manhã de João ficou feliz quando o contido Antenor lhe falou com entusiasmo sobre uma colega do curso de Química que o tinha encantado. ...

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A manhã de João ficou feliz quando o contido Antenor lhe falou com entusiasmo sobre uma colega do curso de Química que o tinha encantado. Como naquela época ainda havia flerte, apresentação, conversa, aproximação, antes do namoro, levou algum tempo até o domingo em que Antenor apresenta sua namorada a João. Os três conversaram um pouco e João fica de ir à casa de Antenor no mesmo domingo, à tarde. Despediram-se, e João saiu perguntando aos seus botões como alguém poderia ficar encantado com uma “obra” daquelas.

Qualquer leitor brasileiro já ouviu falar de Graciliano Ramos . Capítulo de todos os manuais de literatura, tópico em inúmeros vestibular...

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Qualquer leitor brasileiro já ouviu falar de Graciliano Ramos. Capítulo de todos os manuais de literatura, tópico em inúmeros vestibulares, unanimidade para a crítica especializada e editado em larga escala (a julgar pelo número de edições de seus livros), parece desnecessário falar da importância de sua obra. Há, no entanto, um livro de Graciliano que é completamente esquecido (embora com muitas edições) por parte da crítica especializada: "Insônia". "Insônia" é um livro tão ignorado pela crítica que, até a sua 29ª edição, não tinha nenhum prefácio ou posfácio. Ironicamente, um prefácio que circulou em algumas poucas edições anteriores falava genericamente sobre a obra de Graciliano; não sobre "Insônia".

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enla...

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“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.)
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes.”