Ambos se conheceram pela Internet, para espanto meu. Um espanto que eu não teria se antes soubesse o quanto são corriqueiros os relacionamentos amorosos por tal modo iniciados. Hoje em dia, assim me contam, os sites de namoro existem em número que, de tão grande, ocasionou a criação de consultorias destinadas a cada avaliação por peritos na matéria.
A exemplo de quaisquer serviços e produtos há, também, nesse ramo, os mais e os menos confiáveis. Os especialistas pontuam, assim, quesitos como inscrição fácil, registro gratuito, correspondência rápida e segura, diversidade de membros e, não menos, privacidade de dados.
Sou informado de que alguns deles contêm algoritmos capazes de encontrar e combinar pretendentes ao relacionamento mais sério a partir das informações que então forneçam sobre si próprios: idade, padrão de renda, gosto pelo cinema, pelo teatro, pela literatura, pela música e, é claro, pelo que lhes possam ir à cama e à mesa. Em todo caso, eles e elas sempre poderão fazer suas escolhas “manuais”, antes do primeiro encontro pessoal, com base na aparência, no rumo das conversas e na troca de impressões.
Os dois que eu conheço souberam que não mais poderiam existir um sem o outro ao darem-se as caras numa plataforma que atrai pessoas do mundo inteiro para o bate-papo trivial, corriqueiro, não mais do que isso. A coisa, que dispensa cadastro e a identificação dos usuários, popularizou-se, em escala planetária, a partir da primeira onda do Covid-19, tempo de angústia e isolamento.
Aluno de um curso on-line de Inglês com professores para os quais isso é língua nativa, ele pretendia aperfeiçoar o aprendizado em canal de vídeo com gente do mundo inteiro, desde que também falante desse idioma. Reduziu a uma única pessoa o propósito do abraço universal quando, três meses depois, um par de olhos azuis o enfeitiçou.
Sua cara bonita, seu corpo atlético e sua pele queimada pelo Primeiro Sol das três Américas – assim dito na propaganda oficial – também encantaram a moça, a quem logo remeteu o nome, endereço, telefone, fotos numa prancha de surf e retratos de pai, mãe e irmãos. Em troca, recebeu dela quase essas mesmas coisas. A diferença estava na casinha de madeira com dois pavimentos instalada numa aldeia gelada, geladíssima.
Os encontros com a menina, tão remotos quanto aqueles campos de gelo, passaram a acontecer, depois disso, diariamente, de modo exclusivo e direto. Ela não mais saía da sua cabeça. Melhor, ainda, não saía dos seus sonhos. Era quando a tinha nos braços e ao alcance dos beijos. Sonhos malucos pois, não raramente, transportavam o sol e o calçadão de Tambaú para aquelas colinas nevadas. O melhor da sua cidade para o pior das terras onde a amada crescera e fixara raízes.
Foi conhecer aquilo, presencialmente, quando o pai da moça, um aldeão rígido, rigoroso, forçou a filha a traduzir-lhe o ultimato: ou iria até ela, ou aquele romance, com separação de nove mil quilômetros, teria fim. A menina perdia peso a olhos vistos, afastava-se das amigas e mal se interessava pelos estudos.
Com trabalho e renda fixa, nosso amigo fez as contas para perceber que somente a passagem, a preços de hoje, lhe custaria R$ 12 mil, ida e volta. A despesa aumentaria se tivesse que voltar ao Brasil com aquela deusa chorosa, no momento do ultimato.
Encurtemos a história. O casamento deu-se, após duas viagens sozinho, numa Igreja Católica Ortodoxa, em dia de Primavera, quando aquele frio absurdo não lhe doeria nos ossos. A antecipação do décimo terceiro salário e o pagamento pelo tio materno, um chefe compreensivo, de uma das duas férias acumuladas permitiram ao casal a lua de mel em Lisboa, a bem dizer, já perto de casa, pois a um Atlântico de distância da orla paraibana.
Portugal encantou a moça. Porém, o que a deixou, mesmo, deslumbrada foi a cidade onde passou a viver e onde já pariu um filho. Antes de aqui pôr os pés, jamais imaginara a grandeza do País que antes supunha feito apenas de Rio, São Paulo e floresta amazônica. As novelas da Globo, levadas para o mundo inteiro não a permitiam perceber mais do que isso. Nem o noticiário que quase sempre lhe chegava com histórias de crises, desmatamentos e tiroteios.
De início, morou com os sogros paraibanos, à pequena distância da beira-mar. Descera em plena madrugada no Aeroporto local, depois de escalas em São Paulo e Recife. O amanhecer por nossas bandas a ela entregou o brilho mais intenso que, até então, jamais havia recebido da Natureza. Azul, vermelho, verde, amarelo, rosa tinham, por aqui, a seu ver, tonalidades mais belas e intensas.
Ainda hoje, ela mergulha em águas mornas com o encantamento dos primeiros dias. Os parques, os jardins, os pássaros, as frutas que lhe vão à mesa a fazem pensar no paraíso. Quase não acredita que também somos feitos de sofrimento. É que seu mundo não vai muito além dos restaurantes, bares, shopping centers e grandes edifícios. O marido ainda não lhe possibilitou o ingresso em redutos de pobreza e fome. Mal sabe, portanto, das nossas periferias.
Disseram-me que, às vezes, de uns dias para cá, ela se põe triste. Sente falta de casa, dos pais, irmãos e amigos. Deseja pães e sopas com séculos de história. Quer os cheiros e a neve da sua aldeia e reza para que Deus livre aquelas poucas casas de bombas russas.
Também rezo por isso. Suplico a todos os santos que as guerras, tenham a motivação que tiverem, não mais ocorram. Peço o abraço total e completo da humanidade e a prevalência do amor. Mesmo quando nasça, remotamente, em sites de relacionamentos.