A manhãzinha na igreja da Matriz. As donas que rezam. O sino que chama. Do alto da igreja, na morada dos sinos, bem perto do céu, as duas torres que guardam a cidade em vigília.
Sempre tem um galo de não sei onde. Acho que sonhei com um tempo em que os galos cantavam nos quintais da cidade pequena. E os gatos no cio seduziam as fêmeas. Toca uma buzina ardida. Pão quente na padaria.
Tatuí, 1960s: Esquina da Praça da Matriz com a Rua Onze de Agosto ▪ Fonte: IBGE
Os armazéns, as lojas, uma cidade mansa.
O Hotel Del Fiol onde se pensava uma cidade para o futuro. Senhores de todo respeito, a mesa de xadrez onde meu pai jogava com o Senhor Salustiano, o Doutor Almiro dos Reis, O Doutor Aniz Boneder, o Senhor Acácio Manna. As senhoras que entre si conversavam esperando a Sessão das Moças no Cine São Martinho. E as famílias se desdobravam e formavam uma sociedade com uma aura de incomum.
Tatuí: Cine São Martinho, 1940s ▪ Fonte: Facebook
A cidade de hoje não é a minha de antigamente e olhá-la do alto é retroceder como se eu estivesse na frente de um baú precioso, um tesouro cintilante guardado da poeira sépia do tempo. A memória flui por dentro de meus olhos que a tudo viram, meus ouvidos atentos buscam sons, o tic tac na madeira do menino que vende biju, a voz do Jonas que se hoje fosse vivo daria um show de marketing com o pregão de “vamos levar“.
Vista aérea do centro de Tatuí-SP: Praça da Matriz, 1950s ▪ Fonte: IBGE
Os médicos de época, a farmácia do Sêo Juquinha, as farmácias dos três Avalonne, a Flor Geni e o Rad, o Café Combate, os Armazéns do Farran, do Ito Sá, da Elze Zani, a Casa Barino, O Seo Pretinho, o Peixoto, a Tatuí Elegante, a Padaria XV, a Padaria Bimbati, a Foto Menezes, um cortejo do que marcou presença. Acordo do vácuo para um sonho, as décadas passando, o lugar que escolhi para morar. Os livros com que derramei o meu amor pela cidade. O cortejo de artistas, poetas, músicos, pensadores, professores. O povo das ruas. A nossa Avenida das Mangueiras. O que tivemos de muito bom, nossas escolas, nossos professores que nos davam orgulho. Quantos de nós não se fizeram no Barão de Surui, na Sales Gomes, no Conservatório Dramático e Musical Dr Carlos de Campos. Os saudosos professores.
A cidade nos conduzia com segurança e suavidade. Para mim que tenho olhos cor de rosa curti muito as festas nos Clubes Recreativo e Tatuiense, as Serestas tradição da cidade, a figura querida do Professor Paulo Ribeiro, do Professor Acassil, os Saraus na minha Casa dos Sonhos, na Contos e Encontros, o ponto cultural no Café Canção, o movimento nas notícias do Jornal O Progresso de Tatuí, no qual, ao longo uma década, escrevi a página Prisma, sendo colega de Jorge Rizek que, durante muitos anos, se dedicou a trazer a festa nas noites da cidade. Outro tempo, o Tro-lo-ló, o Salão do Luís Duarte, os desfiles de moda, a Malu, um evento de nome Constelação. As performances irreverentes de Rivaldo Nogueira, a carreira de Jaime Pinheiro, o Livro de Rua e de tudo e todos uma saudade imensa.
Se continuar escrevendo nesta lírica emocionada acabarei escrevendo um livro com certeza iluminado para clarear o lado sombrio de nosso futuro sonhado.
Aqui cresci, me fiz em ação, emoção, sonho e brincando escrevi bons momentos da minha vida.
Gratidão.