Quando menos esperávamos, na manhã de sol brando e vento morno, estávamos subindo a Serra do Espinho, cortando as serras, nessa época verdes e perfumadas, a caminho de Serraria.
Subíamos lento, para melhor olhar a natureza, enquanto o vento balançava as palmeiras e as amorosas espalhadas pelos declives. Uma atração à parte.
Apontava para o professor Milton Marques Júnior as casas em ruinas de antigos engenhos de rapadura e açúcar mascavo, onde a cabroeira, em noites de sábado, após seguidas bicadas de cachaça no barracão, chamava uma bichota para dançar no samba animado pelo fole e zabumba – um tempo de que ouvi falar e ainda presenciei, antes das crises financeiras em meados do século passado, quando destruíram a economia dos engenhos e das fazendas de café, muito abundantes na região.
Milton escutava e forçava o carro para passar um jumento lerdo, com os caçuás cheios de banana, que seguia a passos cadenciados.
A paisagem da região de Areia, em demanda de Serraria e Pilões, quando começou a ser habitada, nos primeiros anos depois de 1850, o povo se unia à beleza da paisagem. Meu amigo conhecia essa região, por onde passou antes, mas agora descobria outras magias.
Milton reconhecia os azulejos do antigo engenho Santo Antônio, identificando a procedência deles: “São azulejos de Portugal; de longe se percebe”.
Na manhã de nossa viagem, a natureza estava em perfeita harmonia com o verde exuberante. Neste Brejo, o mormaço, mesmo em período de estio, aquieta o corpo e serena a ansiedade; então, esquecemos a secura da caatinga dos sertões, que conhecemos de vista e de literatura.
Quem passa por este lugar sente o baticum no coração, como efeitos do verde das serras, do sol ameno, das flores silvestres, das árvores, da água pelos riachos, do vento fresco.
Lembramos do tempo dos coronéis dos engenhos e os majores do café, que recebiam Antônio Silvino. O cangaceiro às vezes se amoitava em grutas e ninguém o incomodava na visita aos brejeiros.
As paisagens humanas trouxeram para essa região novo modo de exploração da terra e suas riquezas; o homem sem rosto protagonizou cenas de lutas pela terra, num conjunto de atitudes à semelhança dos discípulos de Spartacus.
O legado dos acontecimentos na região de Serraria, Pilões, Areia e Bananeiras, com pessoas carregando angústias e protagonizando cenas políticas de intenso valor histórico, daria um romance de costumes.
Deixamos a Serra do Espinho, entre Serraria e Pilões, com seus despenhadeiros, para trás.
Na minha infância, os partidos de cana caiana cobriam grande parte da região; famílias eram atraídas pela terra roxa e barro vermelho que produziam lavoura da melhor qualidade. Os engenhos moíam a cana, que os burros mulos conduziam, com facilidade, pelos despenhadeiros.
Na manhã sem pressa, a paisagem queria reter nossa visão. As palmeiras nos antigos engenhos Baixa Verde, Martiniano e Laranjeiras executavam sinfonia, acompanhadas por pássaros invisíveis.
Tudo: os canaviais, as casas e as veredas entre as amorosas, víamos como refúgio para corpo e espírito.
Nesta região, os sinais insinuam olhar os acontecimentos em redor. O sol levanta cedo; ilumina os caminhos da gente; mesmo em dia com neblina.
Chegando a Serraria, no lugar mais alto do mirante, ou mais adiante, somente avistamos paisagem que o sol iça; é quando o banzo se afasta. As terras de Serraria têm poentes vertidos com luz penetrante nos declives e nos recurvos menores, que se tornam paisagem na memória.
Em alguns pontos, há lajedos e pedras enlodados, por onde a água desce lentamente. Isso é bonito de se ver.
Tudo verde e fresco! Lagartixas às vezes caminham, observadas pelos tizius ou anuns em voos rasantes sobre a milhã crescida no sopé da pedra.
Olhamos para o distante. Olhares calados, quietos, para ouvir o vento balançando as palmeiras e os eucaliptos de Nova Floresta, na entrada de Serraria.
Quando sair no meu cansaço, então saberei que o coração ficou ali.