Filme do magnífico e premiado cineasta francês François Ozon (Oito Mulheres e Swimming Pool, dentre tantos); um diretor que tem nas ambiguidades do enredo e da vida, nas encruzilhadas das nossas escolhas e na complexidade da natureza humana, a sua fina ironia ou tantas possibilidades para cada take, cena do filme, ou da vida.
Este, assisti com a sala somente com cinco pessoas, daí que só é exibido por míseros cinco dias, e temos que estar atentos à programação dos cinemas dos Shoppings, caso queiramos ainda assistir bons filmes na tela grande.
Duas Senhorinhas, vividas pelas majestosas atrizes, Hélène Vincent e Josiane Balasko, eram prostitutas no passado. Hoje moram sozinhas numa pequena cidade da Borgonha, rodeada de florestas e famosas pelos seus cogumelos, iguaria da culinária francesa. Michelle e Marie-Claude, respectivamente, são vizinhas e levam uma vida no campo sem maiores sustos, apesar de Michelle não se dar bem com a filha, Valérie, (Ludivine Sagnier) e Marie Claude receber o filho, Vincent (Pierre Lottin) enigmático, recém-saído da prisão.
Michelle é uma vovó carinhosa, meiga, e que tem muito amor pelo neto que virá para as férias em sua casa. Já a filha, melancólica, não aceita o fato de a mãe ter sido prostituta, está se divorciando e é amarga com tudo. Ao comer a torta de cogumelos feita com carinho pela mãe, passa mal, e essa intoxicação fará com que ela não deixe mais o neto querido para as férias. Esse conflito desencadeará os próximos acontecimentos do enredo.
As duas amigas seguem na solidão, nos afazeres domésticos, passeios pelas tardes alaranjadas e vida que segue. Até que algo inusitado acontece e que irá mudar o desfecho de tudo. Aí é que as ambiguidades aparecem, e tudo pode ser, ou não ser. Hamlet que o diga! Todos podem ser culpados, inocentes, acidentais, premeditados, acasos, ocasiões e lá se vão as interpretações. Eu montei o meu raciocínio em cima de um acidente, levando em consideração o imponderável, e a generosidade de Michelle. Serei eu inocente diante das artimanhas de Ozon? Sei que ele manipula o expectador. Leva-nos floresta adentro. Em busca de um lobo mau? Mas, o importante é perceber as camadas e nuances do ser humano e das suas circunstâncias; a percepção de como podemos ser maquiavélicos ou não, e ver que na vida nada é simples. E todos somos testados a todo momento.
Eu amo filme francês. E o que mais me encanta é assistir ao cotidiano da vida das pessoas. Mas ainda das mulheres. A simplicidade de como vivem. E mesmo na solidão, como as pessoas lidam com os dilemas, o trabalho doméstico, o ser sozinho depois que os filhos voam, o isolamento, a cozinha, a amizade, e a vida. E a morte.
Outro domingo li uma entrevista com a maravilhosa escritora francesa, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, Annie Ernaux, (no caderno “Ela” do O Globo). E me encantei também. Pelas fotos e entrevista. Annie mora em Cergy-Pontoise, a uma hora de trem de Paris. Divorciada e mãe de dois filhos, estava acompanhada apenas por seus gatos Sam e Zoë (que preferiu não dar as caras na biblioteca, onde aconteceu a entrevista), diz a manchete. E os entrevistadores falam que: “A única pista de que estamos no lugar certo está escondida debaixo da folhagem: a caixa de correio, onde se lê “Ernaux”. A sensação térmica é de três graus. O portão de ferro, que não chega a um metro de altura, está aberto, e um caminho de terra pelo jardim em declive conduz à entrada da casa. Ouvem-se passos firmes se aproximando, e Annie Ernaux abre a porta com um sorriso”.
Ao terminar de assistir ao filme de Ozon, lembrei imediatamente da entrevista de Ernaux, não que houvesse similaridades com o tema, mas o modo de vida dessas mulheres. Guardando as devidas proporções, é claro. Mas lembrei das protagonistas também pelo comentário de Ernaux sobre a prostituição:
“A prostituição é mesmo uma escolha? Não tenho certeza. Por outro lado, me parece que a prostituição se baseia na ideia de que o desejo dos homens é mais forte que o das mulheres e por isso eles têm o direito de pagar para satisfazê-lo. E isso, obviamente, eu não posso aceitar.”
Quando me sinto sozinha na solitude do meu quarto e na penumbra dos dias, penso nessas mulheres de outras fronteiras que, vivem só, e vivem, um dia por vez, como se não houvesse amanhã. A natureza em volta ajuda, os climas frios e temperados, a paisagem, e estar perto de Paris, com certeza, ilumina a criatividade dos cineastas como Ozon. Já eu, abro as janelas, olho para o céu meu amor, e sigo. Também com as ambiguidades e complexidades da vida e do ser humano.