Em sua obra Poética, provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e 323 a.C., é um conjunto de anotações das aulas do filósofo grego Aristóteles (384–322 a.C.) sobre o tema da poesia e da arte em sua época. Nela, o polímata introduz o conceito de hamartia como uma falha trágica do protagonista. Ele a descreve como um defeito de julgamento que ocorre, geralmente, sem a intenção de causar dano, mas que tem consequências desastrosas para o personagem. Essa falha é uma característica do herói virtuoso e digno, sendo ele o responsável por sua queda inevitável, forçada pelo destino — ou seja, por uma predestinação. Isso provoca no público uma catarse, que é uma purificação ou purgação das emoções de compaixão e medo.
O poeta, dramaturgo e ator inglês William Shakespeare (1564–1616) apresenta em suas peças trágicas o conceito de hamartia em seus protagonistas, mas de forma mais complexa e diversificada. Embora o erro de julgamento continue sendo determinante, os erros trágicos dos personagens shakespearianos são acompanhados por questões psicológicas e falhas morais, como a ambição desmedida, o ciúme, a indecisão ou o orgulho. Essas falhas são mais explícitas e frequentemente mais dramáticas do que em Aristóteles, e os personagens de Shakespeare muitas vezes têm um maior senso de autoconhecimento e conflitos internos, o que torna suas quedas ainda mais universais.
Nas tragédias de Shakespeare, as transformações de personalidades são, na maioria das vezes, causadas por falhas de caráter dos personagens. Por exemplo, sobre a hamartia: Em Romeu e Julieta, escrita por volta de 1592, a impulsividade de Romeu Montéquio apresenta uma falha fatal que o leva à morte, juntamente com o suicídio de sua amada; Hamlet, escrita entre 1599 e 1601, apresenta sua falha na forma de indecisão e hesitação em vingar a morte de seu pai, o que contribui para sua própria morte e a de vários outros; Otelo, escrita em 1603, sofre de ciúme, manipulado por Iago, o que o leva a cometer o assassinato de Desdêmona, destruindo sua própria vida; Macbeth, escrita entre 1603 e 1607, tem a ambição, alimentada por um transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, que o leva a cometer assassinatos e, eventualmente, à sua destruição; Rei Lear, publicada em 1606, é impulsionado por seu orgulho e arrogância excessivos. Essas tragédias em Shakespeare são frequentemente motivadas por falhas de caráter dos personagens e por suas interações complexas com os outros. Esses elementos são conhecidos como defeito trágico.
As tragédias de Shakespeare abordam temas universais como ambição, vingança, amor, loucura e destino, retratando personagens que confrontam suas próprias falhas morais e forças externas perversas, as quais conduzem à queda do herói — geralmente nobre — em um ciclo de sofrimento que, ao final, culmina em morte ou ruína. As tragédias também lidam com o conflito entre destino e livre-arbítrio. Em muitas de suas peças, o personagem parece estar submetido a forças externas ou divinas, como no caso dos presságios em Macbeth ou do destino trágico de Romeu e Julieta. No entanto, essas forças externas interagem com as escolhas e ações dos personagens, o que levanta a questão: o destino é realmente inevitável ou a própria ruína é consequência das escolhas pessoais? Isso sugere uma integração entre destino e livre-arbítrio, na qual o futuro trágico é tanto predito quanto causado pelas próprias decisões dos personagens. Por exemplo, a dualidade entre amor e ódio em peças como Romeu e Julieta e Antônio e Cleópatra é idealizada e está entrelaçada com o conflito. Essa mistura cria uma tensão destrutiva, pois o amor, muitas vezes, leva à morte tanto dos próprios personagens quanto daqueles ao seu redor. Em Otelo, o amor de Otelo por Desdêmona é corrompido pela insegurança e pelo ciúme — sentimentos que o levam a cometer o assassinato da esposa.
As obras de Shakespeare, especialmente Hamlet, abordam temas filosóficos relacionados ao medo, à morte, à moralidade e à condição humana, destacando o sofrimento existencial. O monólogo “Ser ou não ser” exemplifica esse conflito. Suas tragédias provocam uma catarse no público, que sente compaixão e medo ao se identificar com os personagens e suas falhas morais. Essa empatia — emoção que Aristóteles chamou de catharsis — é uma das grandes contribuições de Shakespeare à literatura mundial.