O que não se vê não incomoda — essa máxima, há séculos, serve de escudo contra os aspectos mais sombrios da natureza humana, que, ge...

Maldades obscenas

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O que não se vê não incomoda — essa máxima, há séculos, serve de escudo contra os aspectos mais sombrios da natureza humana, que, geração após geração, encontram novas formas de ameaçar as mentes mais vulneráveis.

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Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, 1904-05 ▪ Fonte: Gov.BR
No início do século XX, os portadores de doenças mentais crônicas eram rotulados como “degenerados” e “indesejáveis”, equiparados a criminosos e marginais. Assim, a solução encontrada foi isolá-los em manicômios, espaços que mais ocultavam do que tratavam, reflexo de uma sociedade incapaz de enfrentar os mistérios e inquietações da própria alma.

Nossas dores emocionais são presenças recorrentes, mesmo que não as tenhamos convidado, nem cultivado interesse por sentimentos que perturbam e consomem a serenidade de nossas ideias ainda em formação. Buscamos leveza porque a ausência de fardos torna o ser humano mais acessível, agradável e, consequentemente, favorecido pelas oportunidades mundanas e pelos vínculos sociais.

O problema é que aquilo que nos atormenta, cedo ou tarde, extravasa diante do outro — e esse peso silencioso contamina as relações, tornando o convívio áspero e carregado.

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Milan Kundera (1929—2023), escritor checo, naturalizado francês. ▪ Fonte: Wikimedia
Milan Kundera, em sua obra magistral A Insustentável Leveza do Ser, escreveu que o mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Paradoxalmente, é nesse peso que reside a imagem da plenitude vital. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.

Vivemos quase sempre pela primeira vez. A vida não concede ensaios antes de lançarmo-nos à cena pública, às ruas e aos julgamentos alheios. E, nessa estreia contínua, às vezes somos censurados por sermos diferentes, ou simplesmente por estarmos um passo adiante do tempo que nos cerca.

Em 1486, algumas mulheres foram acusadas de bruxaria não apenas por supostos pactos com o oculto ou práticas consideradas heréticas, mas também por desafiarem a ordem patriarcal vigente. Essas mulheres, que ousaram contrariar o machismo institucionalizado, tornaram-se alvos da Inquisição.

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Gravura representativa da tortura e execução de mulheres acusadas de bruxaria, na Europa, durante Idade Média. ▪ Fonte: Wikimedia
A maior "inovação" do inquisidor Heinrich Institoris (Heinrich Kramer), em sua obra Malleus Maleficarum — ou O Martelo das Feiticeiras —, foi justamente associar de maneira quase exclusiva a figura da "bruxa" à condição feminina. Ele consolidou a ideia de que a mulher, por natureza, seria mais inclinada à feitiçaria, reforçando séculos de perseguição misógina sob o pretexto de zelo espiritual.

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Antes mesmo da publicação do livro, amparado por uma bula papal, Institoris já havia iniciado sua cruzada inquisitorial contra mulheres suspeitas de bruxaria. A história ensina que é sempre mais fácil atacar o vulnerável, o marginalizado, pois o covarde necessita de um inimigo para justificar suas próprias vilezas. Hitler, em sua infame lógica de ódio, resumiu isso cruelmente ao dizer a um de seus generais: "Se não existissem os judeus, precisaríamos criá-los, para justificar nosso ódio."

Institoris, durante os interrogatórios, buscava associar a mulher não só à heresia, mas também a desvios de conduta sexual, reforçando a narrativa de que o feminino seria terreno fértil para o mal. Assim, legitimava suas atrocidades e maldades obscenas contra criaturas desavisadas, enquanto o discurso oficial se travestia de zelo moral e defesa da fé.

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