Referem as crônicas que certo dia Alguém se apaixonou por Ninguém. Quando ou como se conheceram, nunca se soube. Mas Alguém comentava com amigos que Ninguém era muito diferente da Outra. Sim, porque a Outra, com quem tivera uma vaga relação, de Ninguém nem perto chegava. Jamais conhecera um ser tão misterioso, difuso,
Paul Klee, 1922
inabordável e, no entanto, tão certo e presente.
O problema é que, depois de tê-la encontrado um dia (se não foi sonho...), Alguém perdeu Ninguém de vista. E de audição, olfato, gosto. Ela (pois Ninguém é mulher) em lugar nenhum estava. Onde morava Ninguém? Teve então outro sonho, em que Algo lhe soprou: “Ninguém só pode morar Alhures...”. E Alguém tratou logo de ir para lá.
Varou estradas, escalou montanhas, percorreu inúmeras trilhas, e nada de chegar Alhures. Que ficava sempre além. Desencantado, perguntava a Todos se a conheciam, se por acaso a tinham visto. Respondiam sempre que não. Como era ela? Com quem se parecia? Ninguém só se parecia com ela mesma – e às vezes inexplicavelmente com Todas, o que o confundia ainda mais.
Tentando vislumbrar o rosto da amada, Alguém se lembrou do sonho em que a vira – ou imaginou tê-la visto. Já não sabia se aquilo fora mesmo um sonho, se no sonho havia um rosto de mulher e se a mulher com quem sonhara era a mesma que passou a procurar. Tudo lhe parecia muito vago.
Paul Klee, 1922
Um dia cansou, desistiu. Talvez procurasse a pessoa errada, confundindo Ninguém com Todas, ou Todas com Nenhuma, que por sinal eram muito semelhantes. Certamente Ninguém vivia não aqui nem Alhures, mas ao léu.
Pensava em desistir da procura, quando então apareceu o Outro – um velho amigo –, dizendo-lhe que deveria continuar. Perguntou-lhe o que ganharia se desistisse depois de tanto empenho. Nada. E acabaria perdendo Tudo. Ou Todas. Alguém ponderou que não era egoísta a ponto de querer Todas, ou Qualquer Uma. Ao que o Outro confirmou, um tanto filosoficamente, que querer Todas era uma forma de ter Nenhuma.
E lhe propôs que passasse um tempo sozinho, para esquecer a fugidia amada, e depois procurasse Outra. “Outra?” Sim, outra que com Ninguém se parecesse. “Outra no lugar de Ninguém? Nunca.”
E assim, entre tantos indefinidos, Alguém deu por finda a sua busca. Não estava triste. Consolava-o saber que Ninguém era mesmo de ninguém.