O avião parece que está parado. Flana leve, estável, e mesmo a cordilheira branca de nuvens à janela dorme inerte o sono bom e tranq...

Flanando com Chopin

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O avião parece que está parado. Flana leve, estável, e mesmo a cordilheira branca de nuvens à janela dorme inerte o sono bom e tranquilo deste céu.

Ledo engano. Parados nunca estamos. Mesmo dormindo, viajamos a não sei quantos quilômetros rodando com a Terra que, além de girar em torno de si, dia após noite, arrodeia o Sol, ano após ano, séculos, milênios. Ah o tempo… outro ledo engano. Como diz nosso amigo Antônio Aurélio Cassiano:

“O tempo não existe, nós o inventamos, para não pensarmos na morte. E o espaço, onde pode ocorrer o tempo, é o lapso em que se deu nossas memórias”.

Voltando ao voo, aliás, aos voos, e aos tantos giros, deixemos a imaginação idem voar. Subamos além deste tapete branco, do mar azul acima dele, e, bem mais alto, planetas, galáxias, que também voam, girando, girando, na espiral infinita que tudo move, por onde o todo se expande infinitamente, e nós pensando que estamos parados. Ledo engano.

De Lisboa a Varsóvia, são só 4 horas. Polônia, terra de Chopin, e a Fantasia-Improviso soando sublime nos fones com melodias que nos levam a tantas lembranças. Com apenas 10 anos, noturnos e valsas do gênio ao piano embalavam o garoto que cedo se encantou com suas mazurkas. E nunca esqueceu a emoção que sentiu na casa museu de Zelazowa Wola, onde ele nasceu. Juntos chegamos e até no jardim os prelúdios cantavam à luz dos gerânios. Nada conteve as lágrimas escorridas enquanto olhávamos aqueles recantos. Agora não voltaremos à casa museu, ao menos de corpo. Mas d’alma pra sempre nela estarão as sonatas e as formas do amor mais bem nutrido que é gratidão.

E a nave desliza. Suave é a manhã que nos acompanha no tempo que gira, nunca parado, ainda que aos olhos as nuvens pareçam imóveis no espaço que é lapso na poesia de Aurélio.

Pouco mais o avião aterrissa em Varsóvia, cidade que inspirou Addinsell ao concerto em seu nome. Destruíram a Polônia, os infames insanos que sozinhos decidem para todos o pior. Vidas preciosas, arte feita em pedra, tombaram pelas ruas, e páginas tão sombrias foram impressas cruelmente nos horrores da história. Com trabalho e coragem tudo se ergueu tal como existiu. E a Polônia de hoje ressurge bela como ouvida ao piano de seu filho Chopin.

Felizmente é impossível destruir com bombardeios as eternas melodias que o tornaram imortal. Ainda que os insanos com o poder que têm nas mãos e nas mentes doentias outra vez de sangue manchem com o terror da violência que reservam aos que dominam.

Mas lembremos de Chopin e da música que não morre. A França o acolheu, como a ilha de Maiorca, onde o exílio feito idílio o inspirou profundamente. Em Paris foi sepultado seu corpo que ainda jovem sucumbiu à enfermidade do destino inexorável. Mas o povo polonês exigiu seu coração que do peito foi tirado de volta ao solo pátrio que jamais o esqueceu. Hoje se abriga dentro de uma das belas colunas da Igreja da Cruz Sagrada, aqui em Varsóvia. São hotéis, aeroporto, institutos, universidades, escolas, monumentos, rua e praça que registram sua memória tão honrosa ao mundo e a este heroico país. Sua música emociona onde quer que se interprete, rediviva e renovada com o talento que apenas sem guerra e injustiças enobrecerá por inteiro o tão sofrido ser humano.

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  1. O viajante presta bela e justa homenagem ao músico notável. E também ao seu país, tão sofrido ao longo da história. As viagens servem para isso. Parabéns, Germano. Francisco Gil Messias.

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