Como é costume se dizer aqui por essas nossas bandas, Chico está com a gota serena. Invocou-se e agora ninguém mais segura o “caba”. E tudo começou devido a um fato que diariamente ocorre diante da indiferença de nossos olhos e é portanto de conhecimento geral, mas ninguém se indigna com o que vê e também não há quem reclame ou tome providências.
Exatamente essa indiferença é o que teria feito aflorar uma, até então escondida, valentia desse nosso ex-jornalista, ex-boêmio, ex-comerciante de colchões, sempre uma figura da paz e da boa convivência. Vamos aos pormenores do que aconteceu.
Foi o seguinte: Chico anda “pê” da vida com o que vem observando em nossa cidade, digo eu desse abandono em que estão bustos e monumentos. É como se as figuras ali homenageadas não fossem merecedoras da lisonja que a obra do artista quis lhes dar. Eu também acho muito desrespeitoso o que nossas aves urbanas, principalmente rolinhas, pardais e as mais presentes, os pombos, fazem com proeminentes figuras de nossa história. Não bastasse essas avezinhas de intestino descontrolado a deixar essas marcas mal cheirosas na cabeça de nossas ilustres figuras, há também um bicho chamado gente que anda fazendo estrepolias e traquinagens com nossas esculturas e monumentos.
Nem sei o que seria se Chico pegasse a criatura que tirou a pasta 007 da estátua do nosso poeta Manoel Caixa D’Água na Praça Aristides Lobo ou quem ousou quebrar uma das mãos de Jackson do Pandeiro na praça do “sabadinho”. O vândalo que fez isso não tem noção de com quem está mexendo. E quem seria o safado que retirou as inscrições daquele conjunto de cinco esculturas na Praça dos Três Poderes? Se não me engano, essas inscrições: “Ação”, “Civismo” e “Nego” estariam ali desde o distante 1933 e algum sacripanta as retirou para fazer dinheiro em algum ferro-velho. Ah, se Chico pegasse de jeito esse iconoclasta despudorado. Nem é bom pensar.
Mas deixemos as conjecturas e vamos nos enfronhar nos últimos acontecimentos. Pois vejam, alguns sábados atrás, o nosso Chico ia todo pimpão e cheio das alegrias gastar conversa na Livraria do Luiz, que para quem não a conhece fica na Galeria Augusto dos Anjos, ali na Praça 1817. Parecia até que o nobre amigo se esquecera momentaneamente desses afligimentos que mencionei linhas antes, mas eis que chegando à galeria se depara com dois cenários distintos. Pedreiros, pintores e ajudantes fazendo uma reforma na entrada de um conjunto de salas dessa galeria. Na outra cena, lá estava o busto de nosso poeta maior cheio de limbo e cocô de passarinho. Chico retomou sua costumeira indignação com esse descaso e não se conteve, chamou o pintor ali presente e…
— Pinta a cara do “homi”. Te dou cinquenta reais.
Ordem dada, ordem cumprida e o nosso Augusto está lá em sua nova roupagem cinza-grafite. Discussão acalorada na Livraria. Uns contra, outros louvando a atitude de Chico. Eu presente no momento, afastei-me da tertúlia e mineiramente fiquei em cima do muro. Treta demorada. Ricardo da Livraria estava indignado por entender que a pintura descaracterizava o busto e na pedra em que fora esculpido não cabia pintura de tipo algum.
— Então, por que não mandou limpar? - rebateu Chico.
Dali a discussão chegou ao sabadinho na praça Rio Branco. Chico encarou ali o busto do barão que empresta o nome à praça.
— Pois vejam, esse homem nos deu o estado do Acre. O Brasil é desse tamanho graças a ele, mas vejam o descaso, o desrespeito. O pobre está todo sujo e sujo do quê. Pode?
Todos concordaram com Chico. Então nosso paladino continuou.
— Querem saber de uma coisa? Tô aposentado, não devo nada a ninguém, amo minha cidade. Qualquer fim de semana desses vou começar por aqui pintando o busto de Barão do Rio Branco e vou parar lá na praia, no busto do Almirante Tamandaré. Se a autoridade não cuida, eu cuido.
— E como fica o busto de Augusto dos Anjos, lá na Galeria? - quis saber nosso Zé Nilton ali presente.
Chico Pinto respondeu:
— Não sei. Só sei que nunca mais pombo algum vai cagar na cabeça do meu poeta.
Viram só? Agora só falta combinar com os pombos.