Cheguei ao local de trabalho numa manhã após o Sol despontar por entre as nuvens cinzas e esparsas, penetrando os galhos das árvores existentes no pátio da empresa. Enquanto esperava a hora de iniciar o expediente, em passos lentos percorria ao largo, como sempre faço. Esse é o momento oportuno para contemplar as árvores e o jardim cultivado com esmero.
Em um dia qualquer, antes da chegada da Primavera no ano, quando caminhava pelas alamedas observando o orvalho da madrugada na grama, vi uma formiga solitária conduzindo
Gosto de sentir a fresca da manhã nos ramos de mato, porque me faz recordar meu tempo de criança no sítio Tapuio, em Serraria. Também porque sempre apreciei olhar as formigas. A formiga dessa manhã da qual falo caminhava com o produto de seu trabalho. Sei que as formigas não trabalham para acumular, mas armazenar alimentos. Vendo a formiga solitária a ziguezaguear, conduzindo o resultado de seu trabalho, lembrei-me das coisas que desumanizam e escravizam. Observando-a, pensei nos caminhos percorridos para conseguir alimento para meus filhos na escassez numerária. Muitas vezes seguia solitário pelas ruas em busca da inspiração, carregando comigo a certeza de que, em casa, alguém me esperava, enquanto, distante, outras pessoas rogavam ao Altíssimo por nós.
Admirável e grandiosa é a obra da formiga, pois trabalha silenciosa para alimentar a família, sem acumular riquezas. Olhando aquela conduzindo a folhinha de mato, estropiada de tanto andar, no galho da mangueira que nos dava sombra vi um passarinho debruçado, em posição de voo. Outros deram um revoo e ficaram juntos.
Chegava à tardinha quando e observava o caboclo afiar a faca para picar a palma que alimentava o gado. Ele tinha a cara bruta porque as asperezas do lugar exigiam que fosse assim. Mas nunca pisava nas formigas, assim como eu não acertava
Naquela manhã da chegada da Primavera, senti saudade das formigas vermelhas de Tapuio que cortavam as manivas recém-nascidas. Tantos anos se passaram, mas me lembro porque saudade é coisa de idoso.
As formigas do sítio andavam juntas. A que observei no local do meu trabalho andava sozinha. Talvez em sua loca filhotes estivessem azoretados de fome. Por isso caminhava apressada, com passos miúdos. A folhinha de mato às costas, balançando ao vento, não impedia seu caminhar. Ela andava um pouco e parava porque ela fazia zigue-zague, escolhendo o melhor caminho. Eu acompanhava seu trajeto de olhos arregalados.
Comecei a sentir um bem-querer pela formiga, enquanto trovoavam no meu coração as lembranças de Alice, menina do meu tempo passado, tão achegada a olhar o tempo e os bichinhos da terra.
Naquela manhã, enquanto seguia com o olhar a formiga conduzindo a sua carga, escutava o vento que passava distante afastando as derradeiras nuvens e sentia o vento quente espalhando calor. O vento levava o cheiro da chuva. A formiga desconfiava da ausência de chuviscos. Então, solitária, conduzia a alimentação para o período calorento.
Estiquei o pescoço para olhar a beira do abismo onde a formiga passava. Ela parou diante do obstáculo, contornou a pedra e seguiu seu caminho. Depois se perdeu na distância.