O tempo tem seus descompassos no calendário da memória. Em 1951, logo que cheguei a João Pessoa, desci a escadaria de A União , onde s...

Voltando a Sapé

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O tempo tem seus descompassos no calendário da memória. Em 1951, logo que cheguei a João Pessoa, desci a escadaria de A União, onde subira levado por uma carta de apresentação, e lá embaixo, ao rés da calçada e dos resultados da carta, dou com os olhos no conjunto monumental erguido ao presidente João Pessoa.

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Monumento ao Presidente João Pessoa (PB) Rubens Chaves
Dali a alguns meses eu ia fazer 18 anos, idade igual à do monumento, mas como o vi distante e bem mais imenso ainda! O mítico da escultura a dar força e opulência à postura do herói associou-me, de pronto, à Grécia e à Roma das ricas aulas ilustradas do professor Normando do meu ginásio campinense. E daí ficou até hoje, uma mistura mágica de tempo histórico e tempo real.

Foi o que vivi, há oito dias, indo com Paulo Emmanuel e José Nunes ao memorial dedicado a João Pedro ou às Ligas Camponesas, no sítio Antas, à direita da estrada de Sapé. Com uma diferença de tempo em relação ao monumento a João Pessoa: desde o Café do Vento até a volta, o sítio e casa de Antas questionados na Justiça, como a imagem de conflagração por todas aquelas extremas e caminhos,
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Adalberto Barreto
Acervo Nereida Barreto
ressurgem-me vivos, muito fortes e brutais, ainda mais pela frustração minha e de Adalberto Barreto de não termos seguido a lição de Howord Fast e tentado converter a saga real da luta camponesa nordestina num outro “Spartaco”.

Fomos testemunhas, participamos com os meios de que dispúnhamos, mas a realidade foi muito mais forte e poderosa do que as nossas virtualidades. Leia-se ou releia-se “O Vietnã que não houve” de Assis Lemos, com prefácio à altura do livro e da luta assinado por Clemente Rosas Ribeiro. É um depoimento, um testemunho vivo, os fatos se escrevendo pela própria mão de Assis tão reais e épicos quanto podem sonhar os mais iluminados criadores literários.

Não foi ou não é de graça que Sapé com seus 15.000 revoltosos das Ligas, servos seculares de repente conscientizados, senhores dos seus direitos, tenha chamado a atenção do mundo para as condições desoladoras do campesinato nordestino. Provinciano como o meu jornal, quantas vezes vi chegar à nossa redação repórteres e fotógrafos de alguns dos grandes jornais europeus e americanos. E escritores como John dos Passos. Não havia Internet, não havia nenhuma agência nacional de informação, e o noticiário de A União, que dava cobertura franca às reformas de base, às Ligas Camponesas - isto até as bases reacionárias de apoio ao governo não puxarem o tapete – era a União a agência nacional e internacional desse o “Vietnã que não houve”, como bem intitulou o seu autor, Assis Lemos.

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Movimento das Ligas Camponesas @ligascamponesas.org.br/
No sábado retrasado, a mão no queixo, o olhar num sábado mais remoto de 1965, chego ao Café do Vento e, calado, me vejo na estrada ao lado de João Manuel, de Leonardo Leal, de Janiro Pontes vendo o assombro do ex-presidente Juscelino, que desejara ver as Ligas num dia que não era o domingo dos comícios habituais. O senador Rui desaconselhou. JK insistiu. Chamaram Assis Lemos e três horas depois ingressava-se na estrada cheia pelas beiras, três ou quatro mil camponeses ladeando o jipe de Assis com JK até desaguar na multidão subitamente formada que o esperava na cidade. Com D. Célia Guevara não foi diferente.

Isto há mais de sessenta anos e, de repente, em meio aos meus olhos enevoados.

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