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Vitória Lima
Vitória Lima, professora, poeta, amante do carnaval e fundadora do bloco Muriçocas do Miramar, e eu fazemos parte de um grupo de amigas, o CoisadeMulher, que começou nos tempos de e-mail, e hoje estamos em whatsapp. Ali, a gente canta, dança, discute política, poesia, aquarelas, fantasias, comportamento, vida das mulheres, viagens, receitas de todas as comidas e dicas de serviços domésticos. Isso já acontece há mais de 20 anos. Nos reunimos nos aniversários. No final do ano. Nos afagamos. Nos ajudamos quando estamos frágil ou doentes. Ou lépidas e faceiras. E assim caminham os dias.
No último dia 19/02, as amigas Rosário Bezerril, Alba Fernandes, e Thais Gualberto (filha de Vitória), e mais nós outras, nos reunimos no Brechó Volver (de propriedade de Rosário) para homenagear Vitória, numa chamada “Quarta Feira de Lenha”: pela sua trajetória carnavalesca, mas não só. O lugar ofereceu uma exposição de fotos do Carnaval das Muriçocas, slides (eu e a minha coleção de pierrôs, arlequins e colombinas); máscaras do artista Antônio Vinagre, flauta de Fernando Pintassilgo e convidados, e mais comidinhas da Casa Caratelli. Vitória pintou os cabelos de laranja para brindar à vida, recitou algum dos seus belos poemas, recebeu abraços, e passou batom. Tudo isso com uma faixa bordada pelas organizadoras que dizia em purpurina: Vitória do Miramar!
Vitória Lima @pb.gov.br
Conheci Vitória Lima no início dos anos 70. Acompanho a sua trajetória desde em que rodopiava em saias na Boate do Elite. Desde então, tenho sido testemunha e companheira de estudos, de conversas, de poemas, das tristezas, dos desmoronamentos, das escaladas das montanhas do cotidiano, na navegação dos mares das reflexões da vida, do aqui e do alhures. Pouco tempo depois, Vitória foi minha professora de Literatura Inglesa (com quem estudei Shakespeare, Harold Pinter, D. H. Lawrence, T. S Eliot); depois estudos de Mulher e Literatura (isso já na Especialização, onde fui apresentada ao conto, marco desse registro, “The Yellow Wallpaper”, de Charlote Perkin Gilman) e também, “To Room Nineteen”, de Doris Lessing, entre tantos outros títulos icônicos. Alguns anos mais, e Vitória seria minha co-orientadora na minha dissertação de Mestrado, sobre o silêncio feminino numa peça do movimento pós-guerra britânico, “Angry Young Man”. E por conta da Universidade e do Mulher e Literatura nos rodeamos de amigas comuns e hoje temos um grupo de queridas amigas dos escritos, das mulheres, e da vida também, as “Meninas Viajantes”.
Birmingham Georgi Kalaydzhiev
Mas foi na vida que, ficamos mais amigas e solidárias. Fomos vizinhas no Cabo Branco, eu recém-casada e ela no segundo casamento; trocávamos figurinhas das nossas experiências fora do Brasil, ela nos States, e depois na Inglaterra, e eu também na Inglaterra, a compartilhar o gosto pelo chá e pela paisagem do countryside por entre Warwick e Birmingham, e pela língua inglesa. E claro, nossas noites por entre os bares do Baixo Tambaú. Até que veio “As Muriçocas”, e aí dividimos fantasias, cerveja, frevo, as amigas comuns, e a descida ao pé do trio de Fuba. Muitos Carnavais brincamos.
Fiz o discurso em homenagem à Vitória, quando ela recebeu o Título de Cidadã Pessoense, oferecido pelo então vereador Julio Rafael (In Memoriam), meu companheiro. Como também fiz uma apresentação oral do seu livro, Fúcsia (Linha D´Água, 2007), “ Uma Loas sobre Fúcsia”. Anteriormente, ela também lançou, Anos Bissextos (A União, 1997). Hoje publicamos crônicas no jornal A União. Sempre atenta aos acontecimentos culturais da cidade, Vitória está sempre a prestigiar os artistas da terra nos seus escritos.
Vivi junto à amiga querida, duas experiências extremas na vida. Uma de vida, o nascimento da sua filha, a quadrinista, Thais Gualberto. Cheguei à sua casa e como tudo estava fechado, arrodeei, e
Thais Gualberto e Vitória Lima @vitoria.lima
quando cheguei à porta dos fundos, ouvi os gemidos das contrações. Vitória estava em trabalho de parto, acompanhada do marido Antônio Gualberto, da parteira e médico, pois tinha se preparado para ter a sua filha em casa, no acalanto do silêncio e da música escolhida. Fiquei quieta, junto mais Mocinha, a doméstica trabalhadora da casa, e assim respiramos juntas, arfamos juntas, fizemos força juntas, para finalmente ouvir o primeiro choro de Thais, e o nosso – não o primeiro, claro!
A outra experiência marcante foi de morte. A morte prematura e trágica do seu querido primogênito, Rodrigo Rocha. Eu havia estado com Rodrigo na véspera, e quando recebi a notícia, foi um desfalecimento. Junto com as amigas todas, compartilhamos desse processo de luto sofrido e que foi longo longo longo. Sei que a perda de um filho não tem prazo de validade. E até hoje cantarolo My Sweet Lord, uma música preferida minha, e soube depois que, de Rodrigo também.
Parabéns, todos, querida Vitória. Sei que envelhecer não está sendo fácil; a saúde, as limitações, o afastamento das ribaltas tantas da sua vida rica e diversa, mas sei também que, com a sua taça de vinho na sua varanda, com os brincos de pérola da sua trepadeira, você segue forte e atenta. Brincando o Carnaval.
Na Quarta de Fogo, mais uma vez estavas a postos na tua casa referência. E Viva a Vida!