O sol da manhã se derramou sobre a aldeia no norte da Itália. As casas simples, de pedra e madeira, respiravam quietude. Sophia atravessava a pequena praça com um cesto de remédios e lençóis. Tomás, ao longe, ajudava um vizinho a consertar o telhado. A filha Clara corria entre as oliveiras, leve, livre.
Tudo seguia como sempre. Mas naquela manhã, o ar parecia estranho, pesado.
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A menina brincava perto do poço, distraída. Foi então que o galho de uma árvore se partiu, assustando um cavalo solto, que disparou pela rua estreita, indo direto em direção à criança.
Sophia deixou o cesto cair e correu. Mas antes que pudesse chegar, um homem agarrou as rédeas e conteve o animal. Clara, assustada, se encolheu nos braços da mãe.
A praça voltou ao silêncio, mas não era o mesmo silêncio. Havia algo mais. Uma idosa, sentada à porta de casa, observava tudo com olhos duros. Quando Sophia passou carregando a filha, ela falou baixinho, num tom grave, sem desviar o olhar:
— Coisas ruins avisam antes de chegar, Sophia. Às vezes, a gente não entende o aviso.
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Na região da Úmbria, Dom Henrique de Alencar permanecia sentado à cabeceira da longa mesa de carvalho. A taça de vinho, intocada à sua frente, representava seu desânimo. A casa estava silenciosa demais. Nenhum riso, nenhum passo leve nos corredores. Apenas ele e seus criados, que falavam baixo e evitavam seu olhar. O administrador entrou e se curvou. Dom Henrique ergueu os olhos estreitos e firmes. — Já enviei mensageiros a diversas regiões. Ninguém sabe do paradeiro deles — disse o administrador. Dom Henrique manteve-se imóvel. Em seguida, deu um leve aceno com a mão.
— Chega de perguntar. Agora precisamos caçar.
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— Há um homem, senhor. Ele é bom no que faz. Trabalho limpo e discreto. Nunca falha.
O velho limpou os restos de comida nos cantos da boca. Olhos presos na chama da lareira; não precisou ouvir mais. Apenas ordenou:
— Chame esse homem. Diga que pagarei o que for preciso. Quero que encontre Tomás. E quando encontrar, acabe com ele.
Meses se passaram. O inverno avançava nas colinas, trazendo noites longas. O administrador voltou certa manhã. Dom Henrique, mais abatido, olhava pela Janela, olhos vazios no horizonte.
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— O caçador já partiu há semanas. Não temos notícias dele — disse o criado.
Henrique permaneceu calado. Desde algumas noites, o sono lhe fugia. Sonhava com Verônica parada à porta do convento, olhos presos nele. O rosto de Sophia, jovem, sumia na multidão.
Naquela tarde, Dom Henrique chamou o mesmo administrador:
— Envie outro homem. Quero que encontre o caçador e lhe dê nova ordem: pare tudo. Diga que volte. E... me traga notícias.
Mas o mensageiro voltou dias depois, sem as notícias esperadas.
— Não o encontramos, senhor. Ele sumiu. Ninguém sabe onde está.
Dom Henrique se recostou na cadeira pesada, olhando para os próprios punhos fechados. Pela primeira vez em anos, não sabia se venceria mais nem a si mesmo.
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O estranho chegou à aldeia numa tarde chuvosa. Trazia um manto grosso, um chapéu baixo, e uma expressão que ninguém sabia decifrar. Disse que era viajante, vindo do sul, em busca de abrigo por uma noite. As mãos carregavam marcas de luta, o rosto trazia um corte recente.
Sophia observou o homem de longe enquanto ele falava com um dos vizinhos. Havia algo em seus olhos que incomodava, mas ela não disse nada. Era hábito dela acolher os que batiam à porta.
Tomás foi quem estendeu a mão primeiro, como sempre fazia.
— Há comida quente e um canto seco na nossa casa. Fique enquanto precisar – disse Tomás.
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Na manhã em que decidiu agir, o destino mudou os planos. O caçador subiu cedo até uma trilha estreita atrás da aldeia. Ali, procurava um ponto onde pudesse emboscar Tomás ao fim daquele dia.
Mas, de repente, o chão cedeu sob seus pés. Um buraco entre as pedras, um deslizamento. O corpo rolou encosta abaixo, até parar na terra enlameada. As pernas feridas, o braço quebrado. Não conseguiu levantar.
Horas depois, Tomás o encontrou desacordado.
Sem saber de nada, levou o visitante de volta à casa. Sophia correu, limpou os ferimentos, preparou remédios. Por dias, cuidaram dele como a qualquer outro. Não perguntaram de onde vinha, nem para onde ia.
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Na véspera da morte, chamou Sophia com um fio de voz.
— Eu vim para matar seu marido — disse, olhos secos. — Seu pai me mandou.
Ela ouviu em silêncio, sem surpresa.
Naquela casa, ninguém devolvia ódio. Nem mesmo para quem o trazia no peito.
O homem foi enterrado na clareira atrás da igreja. Poucos sabiam seu nome. Sophia e Tomás não falaram sobre a confissão do caçador feita na noite anterior. Continuaram seu trabalho: curando, cuidando, vivendo.
Dias depois, chegou um novo mensageiro. Vinha de longe, das terras de Dom Henrique. Entregou a Sophia um pergaminho selado.
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Na carta, Dom Henrique admitia sem rodeios que tinha enviado alguém para lhes trazer desgraça, tomado pelo orgulho e pela raiva. Mas dizia também que, logo após, arrependeu-se dos seus planos. Infelizmente, não sabia onde encontrar o homem a tempo de desfazer o que havia ordenado. Agora, à beira da morte, pedia perdão. Queria saber se havia um neto, alguém a quem pudesse deixar suas terras.
As palavras vinham pesadas, trazendo mais arrependimento do que pedidos.
Sophia dobrou a carta sem responder.
Naquela tarde, enquanto Clara ajudava Tomás a colher lenha, Sophia ficou diante da porta, observando.
O vento soprava leve, sem susto.
Nenhum cavalo desgovernado. Nenhum galho partido.
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Clara correu até ela, rindo, e perguntou:
— Mamãe, vovô vai nos visitar?
Sophia passou a mão pelos cabelos da menina e respondeu com calma:
— Às vezes, filha, não precisamos voltar para buscar o que nunca foi nosso. Então, voltou-se para dentro da casa simples, onde o amor não precisava de herança para sobreviver.