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Dica de leitura Título: O OITAVAO SELO, QUASE ROMANCE Autora Heloisa Seixas

''O oitavo selo'', quase romance

Dica de leitura

Título: O OITAVAO SELO, QUASE ROMANCE
Autora Heloisa Seixas

Fui ao lançamento do livro, O oitavo selo, quase romance de Heloisa Seixas. Já conhecia sua escrita e gosto do seu estilo. O livro Contos mínimos sobre ler, escrever e contar – Uma ilha chamada LIVRO me convencera de que se tratava de ótima escritora.

No livro O OITAVO SELO, quase romance — o jornalista e escritor, Ruy Castro é personagem. Sua figura humana surge à medida que Heloisa vai esculpindo com as palavras, o corpo, o cérebro, a alma. Um tipo de biografia que ela narra com graça e talento, mostrando as fases da vida, o Ruy criança, seus primeiros amores, tudo bem antes de se conhecerem. Das palavras surge uma memória. E delas um retrato de um homem. Um ser. Corpo e alma. Vivo, porque suas palavras são feitas carne.

O título baseado no filme de Ingmar Bergman a história do cavaleiro que volta das Cruzadas e a Morte aparece dizendo que chegou a sua hora. O cavaleiro então propõe a partida de xadrez, para ganhar tempo, para enganar a Morte. Através desse recurso dos sete selos, Heloisa encontrará as palavras para contar as sete vezes em que Ruy defrontou-se com a morte, saindo sempre vencedor. O texto é narrado na terceira pessoa do singular por um narrador onisciente, que diz ele, ou homem ou a mulher. Mas, a estrutura romanesca é quebrada e surge a voz confessional explícita de Ruy ou a de Heloisa destacadas em negrito como a emprestar a veracidade a um texto documental.

Heloisa Seixas e Ruy Castro
O livro é a um só tempo sobre o passado, a juventude do escritor, o sexo, as drogas, o álcool, a escrita diária, e vai até o presente no qual a escritora passa a fazer parte da sua vida. A história e a personalidade do jornalista vão se desenhando e ganhando contorno até atingir vida e profundidade. Ruy Castro, jornalista e escritor é figura pública, mas enquanto passou por graves problemas de saúde tudo ficou silenciado, assunto íntimo, desconhecido do público. Será mais tarde que Heloisa percebe na escrita uma maneira de expurgar o sofrimento, pois foram sete vezes seus saltos sobre a morte.

Ela descobrirá ao longo das suas doenças, o estratagema dele para enfrentá-las, ou seja, a sua capacidade de vencer a morte. Tudo parece estar relacionado a sua paixão da escrita, trabalha nas horas mais incertas. Há sempre um livro por terminar, e ele não pode esperar, nem mesmo no hospital. Ele diz não ter medo da morte, mas medo de não acabar o livro. “Ia fazer cinquenta e sete anos e estava começando a escrever o livro mais importante da minha vida. Não podia me dar ao luxo de morrer.” Diz Ruy se referindo ao livro Carmen Miranda, uma biografia, de 2005.

O leitor passa a conhecer o pano de fundo quase irreal para a criação, os bastidores improváveis para a pesquisa e a escrita de um livro que ficou no ranking dos mais vendidos no ano do seu lançamento, 2005.

Heloisa: “Facas, agulhas, carne viva. Ruy sofria. Mas passava o dia escrevendo, horas e horas... era como se ele fosse só um cérebro usando aquele corpo. O corpo era seu cavalo.”
Ruy Castro (ABI)
É extraordinário o que se passa no interior de um escritor, essa força motriz, essa necessidade de expressão, o ímpeto da palavra para mostrar uma realidade, um retrato humano, uma paisagem, como se sua própria vida dependesse disso.

A seguir cito trecho de uma página em que Heloisa recorre às lembranças sobre viagens, e dias felizes, como uma pausa para aquilo com o qual não podia lutar, como quem busca a força para enfrentar aqueles dias.

“Não parar, não pensar, ser apenas um punhado de recordações...uma tarde no Douro, às margens do rio, vendo o casario antigo morro acima...uma tarde em São Marcos, já quase vazia, àquela hora, o sol brilhando nas cúpulas bizantinas da catedral. Um som de bossa nova, um gosto forte de café e licor. Não só crepúsculos, também muitos nasceres do sol, muitos dias nublados — muita chuva. Um banho sob um jato de uma calha, em meio a um temporal, desafiando os trovões, uma sensação de poder, de indisciplina — uma sensação de ser criança.”
Veneza Luca Micheli
A página era a publicação de um texto da Heloisa na revista Mantra. “Era a manhã de um domingo, o homem estava com os jornais e chorava”.

Dá pra sentir o amor que os une, o cotidiano no qual os dois vivem da palavra. A palavra que os constrói, que os leva longe, e a beleza surge inesperada alimentada pelo amor das palavras não só as palavras do Ruy Castro, mas também as da Heloisa Seixas.

Lúcia Maia Nóbrega com Ruy Castro e Heloisa Seixas Acervo da autora
Importante dizer, o texto apesar de tratar de doenças graves, é narrado como um romance cheio de peripécias, coisas engraçadas, viagens do casal, trechos líricos e poéticos, como só um craque da palavra sabe fazer. O livro possui 175 páginas, eu o li de uma tacada só.

O livro é ainda uma singular história de amor. Na dedicatória, Heloisa escreveu: “Para Lúcia com um beijo, as loucas aventuras desse homem apaixonado pela palavra”. Certamente, mas são as palavras de Heloisa que dizem o amor como uma prece pelo ilustre escritor e que revelam a bela escritora que ela é.

O oitavo selo, quase romance está disponível no site da 👉🏽 Companhia das Letras

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  1. JOSE MARIO ESPINOLA16/3/25 00:02

    Mais uma deliciosa crônica escrita com esmero por Lúcia Maia.
    Com sua memória fabulosa, tenho a certeza de que mais outras virão.

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    1. Obrigada Zé Mário pela leitura e estímulo.

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  2. A paixão pelos livros é nossa herança paterna. Aprecio muito seu cuidado com a palavra. Gosto cada vez mais do registro de suas impressões de leitura. Sou sua fã incondicional minha querida.
    Elizabeth.

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    1. Beth querida, você foi a primeira a ler e a me incentivar. Obrigada

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  3. Um privilégio, Lúcia, encontrar pessoalmente os dois escritores, marido e mulher. O livro é muito bom, vale a leitura. Seu texto confirma isso. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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    1. Grata Gil Messia sua leitura é sempre um incentivo fundamental. Muito orgulho ter você como leitor de meus textos.

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  4. O "Sétimo selo" é uma obra prima do cinema, um dos melhores de Bergman; Ruy Castro é um escritor genial; e Heloisa Seixas, com a sensibilidade de sempre, reúne essas duas motivações. Então, o resultado só pode ser bom e gratificante, e justifica a leitura em um fôlego só. É o que espero fazer, também. Bela crônica, parabéns Maria Lucia!
    Humberto Espinola

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    1. Oi Humberto, grata por ler. Futuramente você entrará nos meus escritos de memória pois fomos contemporâneos em Paris. Tenho texto sobre aquela casa em Meaux chez Bernard e Sherry onde passávamos fins de semana.

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