Dica de leitura
Título: | O OITAVAO SELO, QUASE ROMANCE |
Autora | Heloisa Seixas |
Fui ao lançamento do livro, O oitavo selo, quase romance de Heloisa Seixas. Já conhecia sua escrita e gosto do seu estilo. O livro Contos mínimos sobre ler, escrever e contar – Uma ilha chamada LIVRO me convencera de que se tratava de ótima escritora.
O título baseado no filme de Ingmar Bergman a história do cavaleiro que volta das Cruzadas e a Morte aparece dizendo que chegou a sua hora. O cavaleiro então propõe a partida de xadrez, para ganhar tempo, para enganar a Morte. Através desse recurso dos sete selos, Heloisa encontrará as palavras para contar as sete vezes em que Ruy defrontou-se com a morte, saindo sempre vencedor. O texto é narrado na terceira pessoa do singular por um narrador onisciente, que diz ele, ou homem ou a mulher. Mas, a estrutura romanesca é quebrada e surge a voz confessional explícita de Ruy ou a de Heloisa destacadas em negrito como a emprestar a veracidade a um texto documental.
Heloisa Seixas e Ruy Castro
Ela descobrirá ao longo das suas doenças, o estratagema dele para enfrentá-las, ou seja, a sua capacidade de vencer a morte. Tudo parece estar relacionado a sua paixão da escrita, trabalha nas horas mais incertas. Há sempre um livro por terminar, e ele não pode esperar, nem mesmo no hospital. Ele diz não ter medo da morte, mas medo de não acabar o livro. “Ia fazer cinquenta e sete anos e estava começando a escrever o livro mais importante da minha vida. Não podia me dar ao luxo de morrer.” Diz Ruy se referindo ao livro Carmen Miranda, uma biografia, de 2005.
O leitor passa a conhecer o pano de fundo quase irreal para a criação, os bastidores improváveis para a pesquisa e a escrita de um livro que ficou no ranking dos mais vendidos no ano do seu lançamento, 2005.
Heloisa: “Facas, agulhas, carne viva. Ruy sofria. Mas passava o dia escrevendo, horas e horas... era como se ele fosse só um cérebro usando aquele corpo. O corpo era seu cavalo.”
Ruy Castro (ABI)
A seguir cito trecho de uma página em que Heloisa recorre às lembranças sobre viagens, e dias felizes, como uma pausa para aquilo com o qual não podia lutar, como quem busca a força para enfrentar aqueles dias.
“Não parar, não pensar, ser apenas um punhado de recordações...uma tarde no Douro, às margens do rio, vendo o casario antigo morro acima...uma tarde em São Marcos, já quase vazia, àquela hora, o sol brilhando nas cúpulas bizantinas da catedral. Um som de bossa nova, um gosto forte de café e licor. Não só crepúsculos, também muitos nasceres do sol, muitos dias nublados — muita chuva. Um banho sob um jato de uma calha, em meio a um temporal, desafiando os trovões, uma sensação de poder, de indisciplina — uma sensação de ser criança.”
Veneza Luca Micheli
Dá pra sentir o amor que os une, o cotidiano no qual os dois vivem da palavra. A palavra que os constrói, que os leva longe, e a beleza surge inesperada alimentada pelo amor das palavras não só as palavras do Ruy Castro, mas também as da Heloisa Seixas.
Lúcia Maia Nóbrega com Ruy Castro e Heloisa Seixas Acervo da autora
Importante dizer, o texto apesar de tratar de doenças graves, é narrado como um romance cheio de peripécias, coisas engraçadas, viagens do casal, trechos líricos e poéticos, como só um craque da palavra sabe fazer. O livro possui 175 páginas, eu o li de uma tacada só.
O livro é ainda uma singular história de amor. Na dedicatória, Heloisa escreveu: “Para Lúcia com um beijo, as loucas aventuras desse homem apaixonado pela palavra”. Certamente, mas são as palavras de Heloisa que dizem o amor como uma prece pelo ilustre escritor e que revelam a bela escritora que ela é.
O oitavo selo, quase romance está disponível no site da 👉🏽 Companhia das Letras