Não houve golpe mais drástico no viço do meu artesanato do que terem exonerado o papel linha d’água da impressão dos meus escritos. P...

O leitor invisível

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Não houve golpe mais drástico no viço do meu artesanato do que terem exonerado o papel linha d’água da impressão dos meus escritos. Por conta de amores velhos com A União, um dos raros jornais deste país fiéis ao papel de impressão, ainda continuo no ambiente pelo qual fui gamado ou pelo que de melhor se escreveu e imprimiu na literatura do mundo.

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GD'Art
Não sei no jornalismo, engolido pelo avanço pasmoso das novas trilhas visíveis e invisíveis de informação. Trilhas que em surdina podem propagar um candidato a presidente num país de 150 milhões de habitantes. O que sei ou sinto aqui do meu tugúrio é que o taco do meu leitor (os que ainda restam) já não joga comigo, atraído por bolas globais de invisíveis Brunswicks.

Não há lugar para uma crônica passadiça de interesse localizado. Aliás, Otávio Sitônio Pinto já havia me conformado: ” ...seu leitor, nego velho, é o que conversa com você, é o que faz parte do seu papo. O João sapateiro ou o Bau Montenegro de sua crônica entram bem porque conferem com os que o leitor conhece”. Eu lamentava ter enviado meu livro a dezenas e dezenas de leitores e críticos de fora e não
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Otávio Sitônio Pinto EPC
ter recebido sequer um aviso de recebimento. Isso na fase ainda plena do jornal impresso, Drummond no rodapé do Jornal do Brasil, Abramo na Folha.

“Além do mais, nego, me desculpe, mas você não escreveu nenhuma “Bagaceira”.

Querer o quê?

Daí para os dias de hoje, ao que sei de mim próprio, a coisa só tem levado sumiço. Levanto as mãos para o céu pela afinidade sincera que gozo entre os pares da Academia, de algumas redações, pelos remanescentes de outros círculos que de longe nos acompanham.

Há vinte e cinco anos desço e subo pelo mesmo elevador, o mesmo de 39 famílias, onde já cheguei sexagenário. Quanto mais passa o tempo menos tenho com quem falar. De tanto dar bom dia e não ser ouvido terminei privado do melhor de mim que é me dar às pessoas, no que sou em massa dispensado. Salvam-se uns três ou quatro condôminos acima dos cinquenta anos. Além dos porteiros que sempre me advertem do batente.

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Gonzaga Rodrigues
Acervo pessoal
Escrevo, continuo escrevendo, pois é o que me resta de enleio e atividade. Ler sem obrigação e escrever por sedução. Rico de família, de apoio, de afeto, única poupança de que não me descuidei, sinto faltar-me o Ponto de Cem Réis de Tenente Rubinho, não como a praça que volta a ser reformada, mas como o laboratório de opinião e de expressão viva do ânimo e do humor da cidade. Como faz falta, aos de minha geração e aos chegantes até os anos 1970, hoje reduzidos a dois ou três gatos pingados em busca de parelha, a cidade inteira a andar, trabalhar, dirigir de olhos no celular, o bem de consumo mais bem distribuído no mundo de hoje.

Mas ainda resta um de meus cafés, o de Carlos, do Aurora, no térreo do Paraíba Hotel, onde me atendem pelo nome e me fazem pergunta como esta:

“Ainda escreve, Gonzaga?
— Não, parei faz tempo”.

E ninguém me desmente.

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