Este texto é produto da memória que guardo dos fatos. O prazer de fazê-lo é incomensurável e apesar da natural fragilidade do recurso utilizado, espero ser fiel no que narrar. A publicação de uma coletânea reunindo nossos feitos e memórias, a partir do Seminário Diocesano de São José de Sobral, nossa casa por vários anos, à ocasião das comemorações dos 100 Anos da Diocese de Sobral, ecoa como acontecimento histórico. O Seminário é uma das joias raras da Diocese e nós, ex-seminaristas, nos sentimos honrados por fazer parte de sua história e por poder transmitir aos nossos familiares, amigos, admiradores e seguidores, por meio de registros e relatos singulares, um legado de nossas experiências de vida.
Como e porque fui para o Seminário
Filho de pais católicos engajados, desde cedo comecei a receber os estímulos que me levariam ao Seminário. Aos sete anos de idade, já testemunhava seu Vicente Siebra e dona Ana Maria, preceptores voluntários quando jovens,
GD'Art
Logo fui aceito como membro da Cruzada Eucarística, virei coroinha requisitado para as missas de domingo e ingressei na Escola Preparatória para o Seminário, a Escola Cura d'Ars, da Paróquia de Itapipoca, cujos orientadores eram o Pe. Francisco Abelardo Ferreira Lima e o Pe. Paulo Eduardo de Andrade Pontes. O primeiro destacou-se por seu papel como incansável estruturador das campanhas que conduziriam à criação da Diocese de Itapipoca (1971)
Praça da Matriz ▪ Itapipoca-CE, 1950s ▪ Fonte: IBGE
Minha Turma no Seminário de Sobral (1962 e 1963)
Minha passagem pelo Seminário de São José de Sobral, o inesquecível Seminário da Betânia, se dá do início de 1962 ao final de 1963. Entrei no 4º Ano Ginasial. Foram dois anos que marcaram a minha vida para sempre, tanto pelo que vi, quanto pelo que vivenciei.
F. Briguiet Ed.
Seminário da Prainha ▪ Fortaleza-CE / Fonte: Acervo Nirez (adapt.)
A formação que passei a receber no Seminário de Sobral, além de especial, veio à hora certa. Despertou-me! Abriu minha mente para as primeiras compreensões de mundo e sociedade, do papel da Igreja e das lutas sociais.Sempre afirmei que a melhor coisa que me ocorreu na vida foi ter ido estudar no Seminário de Sobral. Ali encontrei uma instituição reformulada, aberta, onde se respirava liberdade e os seminaristas conviviam sem grandes distanciamentos entre si mesmos e com seus dirigentes, professores ou orientadores. A Betânia, naquele momento, contava com uma pequena equipe de padres-professores que aos nossos olhos era qualificada, harmônica e bem comandada.
Vinha de um Seminário grande e bem mais fechado, onde a expressão “falar com o Reitor” carregava amplos significados. De plano, senti a diferença e, sem demora, procurei me integrar. Para ilustrar a abertura a que me refiro,
Entrada principal do Seminário São José (Seminário da Betânia), em Sobral ▪ Fonte: UVA
Até ali, eu ainda não havia entendido por completo que estava em um Seminário onde as relações interpessoais eram menos distantes e mais abertas.
José Linhares Ponte (Padre Zé), reitor do Seminário S. José em 1961 ▪ Fonte: Unilab
Ao longo do tempo, afirmei sempre que a minha vida foi moldada na minha família e nos Seminários em que estudei. O caráter, disciplina, princípios, valores cívicos, morais e religiosos, a disposição para o trabalho e o prazer pelos estudos tiveram suas referências básicas tecidas nesses dois ambientes.
A formação que passei a receber no Seminário de Sobral, além de especial, veio à hora certa. Despertou-me! Abriu minha mente para as primeiras compreensões de mundo e sociedade, do papel da Igreja, de desenvolvimento
Geir Campos (1924—1999) poeta, escritor, jornalista e tradutor capixaba. ▪ Fonte: Wikimedia
Ali, no âmbito do estudo das escolas literárias e de leituras que, pessoalmente, priorizava, nasceriam os primeiros contatos do quintanista com as obras de Machado, Gorki, Eça, Fernando Pessoa, Euclides da Cunha, Graciliano, Mário e Oswald de Andrade, e com a poesia de Castro Alves, Bandeira, Drummond, Vinicius, Jorge de Lima, Geir Campos, Cecília Meireles, encontradas na nossa Biblioteca, ou que adquiria por iniciativa própria.
Os ares saídos da JEC por vezes, nos atiravam a leituras mais ousadas, e para não chamar a atenção encapavam-se os livros que circulavam entre membros do pequeno circuito dos jecistas. Recordo-me de Ody Mourão me passando para leitura, sobrecapado, o romance A Mãe, de Máximo Gorki, obra que, à época, despertava entusiasmo político e seduzia jovens leitores no mundo inteiro.
Máximo Gorki (1868—1936), escritor, romancista, dramaturgo e ativista político russo. ▪ Fonte: Wikimedia
Serei para sempre grato ao estimado Pe. Oswaldo Chaves por me incentivar à leitura e à escrita e a publicar o meu primeiro texto no Correio da Semana. Por certo período, anos depois me tornei colaborador assíduo desse histórico semanário da Diocese.
Padre Oswaldo Chaves (1923—2020) ▪ Fonte: Léo Prudêncio
O tempo, o destino e os caminhos vão distanciando as pessoas, mas bem que eu gostaria de voltar no tempo e me ver no velho Casarão da Betânia, em dia normal de funcionamento. E como outrora, descontraído e à sombra de seus seculares oitizeiros, com direito a trilha sonora vinda da inconfundível Rádio Itamarati, comandada por Chico Sampaio e José Arimatéia Mourão, ficar a jogar conversa fora entre os velhos amigos do 4º Ano Ginasial (1962): Abdoral Pinho, Bruno Alves, Cristóvão Aragão, Flávio Machado, Erasmo Aguiar, Luciano Lobo, Flamarion Rodrigues, Wellington Meneses, Francisco Cunha, Fernando Frota, Jorge Linhares, Joviniano Lopes e Wellington Aguiar.
Sobral, 1962. Quartanistas do Seminário Diocesano São José: Bruno Alves, José Welington, Ribamar, Erasmo, Francisco Cunha, Francisco Welington, José Alcir, Flávio Machado, Cristóvão Aragão, Luciano Lobo, Abdoral Eufrasino e Joviniano Lopes. ▪ Fonte: "LITERATURA CEARENSE: Viagens para o Seminário", artigo de Flávio da Silva Machado, publicado em Artemísio da Costa.
Para mim, extraordinária e valorosa foi, ainda, a convivência, de 1994 a 2000, no próprio Casarão da Betânia que se tornara campus-sede da UVA, com vários outros ex-betanistas de períodos e turmas diferentes dos meus. Para ali voltei como Professor Visitante, com muita satisfação, depois de 30 anos, para, ao lado de proeminentes profissionais, participar da revolucionária gestão do Reitor, Professor José Teodoro Soares, ele, também, um ex-betanista de alto coturno e homem-político, atualmente. Naquele momento, ocupavam postos de relevância na administração superior da instituição, os professores José Vitorino, Leunam Gomes, José Cândido, João Edison Andrade, Benedito Aguiar e José Portela.
Todas as turmas reunidas, do 1º ao 6º Ano, compúnhamos uma comunidade de cerca de 160 seminaristas. Havia tempo para rezar, estudar e recrear. O recreio era uma festa só! A vida fluía levemente. Tempos inesquecíveis aqueles! Era assim que eu me sentia. Feliz por estar ali!
A decisão de deixar o Seminário (dezembro de 1965)
Nenhum de nós desconhece a máxima do Evangelho: “muitos são chamados e poucos os escolhidos” Ao término do Seminário Menor, após muita reflexão, concluí que não era um dos escolhidos e
Modesto Siebra Coelho, em evento no Seminário S. José, 1963 ▪ Fonte: Artemísio da Costa
Da minha turma dos anos de 1962 e 1963, em Sobral, nenhum se ordenou padre. Mas, fruto da formação que receberam e dos alicerces que ali souberam construir, todos foram exitosos nos novos caminhos buscados e vêm desempenhando brilhantes trajetórias profissionais na Advocacia, Medicina, Engenharia, Agronomia, Geografia e outras.
Formação e Trajetória Profissional
Deixei o Seminário em 1965 e um mês depois ingressei na Universidade. A pressa foi estratégia para driblar sofrimentos. A orientação do Pe. Francisco Luz, meu professor de História na Prainha, Diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal do Ceará, morador do Seminário, foi decisiva. Expus-lhe que buscava algo diferente. Não me interessavam os cursos tradicionais. “Ingresse, então, em interessante curso que a UFC acaba de implantar; você poderá atuar como professor, como geógrafo, ou nos dois campos, desde que faça a Licenciatura e o Bacharelado”, foram as suas palavras. Depois de várias conversas, optei pela Geografia como caminho profissional, obtendo a Licenciatura Plena em 1970 e o Bacharelado em 1971. Estava habilitado para o exercício do magistério e de atividades técnicas como geógrafo. Logo ingressei no ensino superior para nunca mais largar. Iniciei na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cajazeiras, da Diocese dessa cidade paraibana e, paralelamente, atuei no Ensino Público Estadual como professor de ensino médio. Por concurso público, em 1976, deu-se o meu ingresso como professor na Universidade Federal da Paraíba.
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cajazeiras ▪ Fafic, anos 1970 ▪ Fonte: Coisas de Cajazeiras
Vieram os cursos de Aperfeiçoamento de Professores de Geografia pelo IBGE (1972); cursos de Especialização em nível de Mestrado em Planejamento Urbano e Metodologia de Projetos na Escola Nacional de Serviços Urbanos,
Capela do edifício principal da Sorbonne, ParisMbzt
Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atuei como professor de diversas disciplinas da Geografia Física e Geografia Humana. Exerci os cargos de Pró-Reitor de Administração, Assessor de Planejamento, Diretor do Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Chefe do Departamento de Geociências, Prefeito Universitário e Diretor da Editora Universitária. Na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA): Pró-Reitor de Administração, Diretor do Centro de Letras e Ciências Sociais, Diretor da Casa da Geografia, Coordenador do Núcleo de Desenvolvimento Local. Na Fundação de Ensino Superior de Cajazeiras-FESC: Chefe do Departamento de Ciências Exatas e Sociais. No Instituto Ensino Superior da Paraíba (IESP): Diretor Acadêmico e Diretor de Recursos Humanos. No Governo Municipal: Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras-Paraíba. No Governo Estadual: Assessor de Planejamento da Secretaria de Planejamento do Governo da Paraíba. No ensino privado: Diretor do Colégio Sobralense GEO.
Colégio Sobralense GEO, na década de 1990 ▪ Fonte: Sobral Nostalgia
Entre os principais trabalhos que publiquei, cito: A Nova Onda no Transporte Urbano – Mototáxi, livro, Sobral-Fortaleza, (1997); De Sobral ao Global – Um percurso pela questão urbana, livro, Sobral-Fortaleza, (2000); L’homme traditionnel dans l’environnement sertanejo, cap. de livro, Bordeaux-França (1980); Brésil: des capitales universitaires aux technopoles, cap. de livro,
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano ▪ Fonte: IHGP
Ao curso destes escritos, mencionei os agentes e atores religiosos importantes para a minha formação básica, com os Seminários como referência; ao seu final, menciono os agentes e atores universitários que, ao me convocarem para funções de relevância, agregaram valores incalculáveis à trajetória profissional que construí. Entre outros, cito os ex-Reitores: Gualberto de Andrade, Lynaldo Cavalcante, Milton Paiva, Berilo Borba, Jackson Carneiro, Antônio Sobrinho, Teodoro Soares e Antônio Colaço.
Diz-se comumente que toda profissão é sacerdócio. É certo que desisti do sacerdócio que almejava e dei outro rumo à vida, mas é igualmente verdadeiro que me sinto realizado com as escolhas que fiz e seguro para afirmar que transformei a atuação em Educação e a profissão de professor que abracei em novo sacerdócio ao qual me dedico até hoje.
O edifício histórico do Seminário São José (bairro Betânia, Sobral-CE) abriga, atualmente, algumas das instalações da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), incluindo sua reitoria e os cursos de Direito, Letras e Filosofia. ▪ Fonte: Gov. CE.