POEMAS DO LIVRO “XXI Sombras
(Editora COUSA – 2023)
(Editora COUSA – 2023)
MELODIA
Se laço ou corda me fizeram refém de sua volta, vai melodia — esse estilhaço de eternidade — (nessa revolta interminável) retorna e canta o descompasso das horas mortas, do grande nada, espalha e avança na absurda tarde, varre a esperança respinga, amaine, amansa e aguarda, enlaça a musa a minha carne pois já me cansa passar ao largo da tempestade.
Se laço ou corda me fizeram refém de sua volta, vai melodia — esse estilhaço de eternidade — (nessa revolta interminável) retorna e canta o descompasso das horas mortas, do grande nada, espalha e avança na absurda tarde, varre a esperança respinga, amaine, amansa e aguarda, enlaça a musa a minha carne pois já me cansa passar ao largo da tempestade.
PRIMEIRA SOMBRA
Sorte que o buraco dos sonhos seja profundo : é nato dos suicidas que assim seja:
Sorte que o buraco dos sonhos seja profundo : é nato dos suicidas que assim seja:
SEGUNDA SOMBRA
(toda ferida aberta cabe um mundo de suposições)
(toda ferida aberta cabe um mundo de suposições)
TERCEIRA SOMBRA
Torrão molhado de terra, e as pedras e ampulhetas na borda do vento
Torrão molhado de terra, e as pedras e ampulhetas na borda do vento
QUARTA SOMBRA
a visita das sombras tem um pio ingrato, e a cor branca da culpa nos delatando, : esse cara aí oh, esse cara é um calhorda, um pária, se disfarça em língua e fala
a visita das sombras tem um pio ingrato, e a cor branca da culpa nos delatando, : esse cara aí oh, esse cara é um calhorda, um pária, se disfarça em língua e fala
SOMBRA DERRADEIRA
A sombra tomba sobre a terra ao sentir o fascínio do sol. É a experiência diária da morte, o ato introdutório do homem no esquecimento. A sombra sinaliza ao homem o poder da luz que não o deixa esquecer que estar de pé é uma circunstância, uma transitoriedade. A sombra é a seta que o céu projeta sobre a soberba da consciência bípede.
A sombra tomba sobre a terra ao sentir o fascínio do sol. É a experiência diária da morte, o ato introdutório do homem no esquecimento. A sombra sinaliza ao homem o poder da luz que não o deixa esquecer que estar de pé é uma circunstância, uma transitoriedade. A sombra é a seta que o céu projeta sobre a soberba da consciência bípede.
A SALVAÇÃO NA PALAVRA
“Porque minha voz mais potente e grave sou eu mudo.”
Caê Guimarães
O lado obscuro me enerva,
me oprime, mas enfim resgata
o que me é próprio, esta espera,
seja da treva ou desta amada
tensão que provoca a guinada,
o transbordamento, a palavra
— verdade acessória —, o nada
celebrado na boca muda.
A indiferença recorta o ar;
de vermelho jaz a ave abatida;
a cólera: a cilada do lar.
Erguer a voz, não é saída,
não há o ouvido, sim o esgar.
Resta a palavra, crua,
mesmo assim, corroída.
Resta o silêncio do verso sagrado.
O poema espalmado em folha
cobre um certo tempo, um espaço
na linha das mãos.
O poema não sou eu.
Ele se mostra nu
e eu, despido, não sou nada.NORDESTE
O controle das pedras e ampulhetas
cabem nas bordas do vento nordeste
Vento e agreste,
guias dos pés no sem fundo
O beijo nos seios,
sugar o leite salgado do azul infinito
e o olhar da mãe e seu mar de ossos sertanejos
Gotejar na alma
este não sei o quê de sal,
mórbido, verdadeiro,
que canta aos ouvidos
a canção de despertar para a selva
Restingas, caatingas,
conchas e colchas de retalhos,
o beiral dos anjos desesperados,
a sacrossanta fala da matriarca
e um suspiro profundo ressoando no ventre morno,
fustigando os olhos com um calor
do saber-se terra a caminho da areia
de uma praia que não é minha,
de um sertão que é o meu nome.SER
Viver na ilha não é trazer consigo a língua dos peixes, a supresa dos dentes, a metamorfose das unhas.
Viver na ilha não é trazer consigo a língua dos peixes, a supresa dos dentes, a metamorfose das unhas.
NOME
O nome que me resta não cabe em meu corpo ouvidos poucos se prestam a escutar a minha urgência troco a minha fome pelo espasmo de minha carne pouca e esse desapego deixou de ser escolha, é o meu rastro pelas calçadas onde escrevo meu nome de hoje antes que eu mesmo esqueça.
O nome que me resta não cabe em meu corpo ouvidos poucos se prestam a escutar a minha urgência troco a minha fome pelo espasmo de minha carne pouca e esse desapego deixou de ser escolha, é o meu rastro pelas calçadas onde escrevo meu nome de hoje antes que eu mesmo esqueça.