POEMAS DO LIVRO “XXI Sombras (Editora COUSA – 2023) MELODIA Se laço ou corda me fizeram refém de sua volta, vai melodia — e...

O Estalo da Palavra (XXXVI)

poesia espirito-santense capixaba jorge elias neto

POEMAS DO LIVRO “XXI Sombras
(Editora COUSA – 2023)



MELODIA
Se laço ou corda me fizeram refém de sua volta, vai melodia — esse estilhaço de eternidade — (nessa revolta interminável) retorna e canta o descompasso das horas mortas, do grande nada, espalha e avança na absurda tarde, varre a esperança respinga, amaine, amansa e aguarda, enlaça a musa a minha carne pois já me cansa passar ao largo da tempestade.


PRIMEIRA SOMBRA
Sorte que o buraco dos sonhos seja profundo : é nato dos suicidas que assim seja:


SEGUNDA SOMBRA
(toda ferida aberta cabe um mundo de suposições)


TERCEIRA SOMBRA
Torrão molhado de terra, e as pedras e ampulhetas na borda do vento


QUARTA SOMBRA
a visita das sombras tem um pio ingrato, e a cor branca da culpa nos delatando, : esse cara aí oh, esse cara é um calhorda, um pária, se disfarça em língua e fala


SOMBRA DERRADEIRA
A sombra tomba sobre a terra ao sentir o fascínio do sol. É a experiência diária da morte, o ato introdutório do homem no esquecimento. A sombra sinaliza ao homem o poder da luz que não o deixa esquecer que estar de pé é uma circunstância, uma transitoriedade. A sombra é a seta que o céu projeta sobre a soberba da consciência bípede.


A SALVAÇÃO NA PALAVRA
“Porque minha voz mais potente e grave sou eu mudo.” Caê Guimarães
O lado obscuro me enerva, me oprime, mas enfim resgata o que me é próprio, esta espera, seja da treva ou desta amada tensão que provoca a guinada, o transbordamento, a palavra — verdade acessória —, o nada celebrado na boca muda. A indiferença recorta o ar; de vermelho jaz a ave abatida; a cólera: a cilada do lar. Erguer a voz, não é saída, não há o ouvido, sim o esgar. Resta a palavra, crua, mesmo assim, corroída. Resta o silêncio do verso sagrado. O poema espalmado em folha cobre um certo tempo, um espaço na linha das mãos. O poema não sou eu. Ele se mostra nu e eu, despido, não sou nada.


NORDESTE
O controle das pedras e ampulhetas cabem nas bordas do vento nordeste
Vento e agreste, guias dos pés no sem fundo O beijo nos seios, sugar o leite salgado do azul infinito e o olhar da mãe e seu mar de ossos sertanejos Gotejar na alma este não sei o quê de sal, mórbido, verdadeiro, que canta aos ouvidos a canção de despertar para a selva Restingas, caatingas, conchas e colchas de retalhos, o beiral dos anjos desesperados, a sacrossanta fala da matriarca e um suspiro profundo ressoando no ventre morno, fustigando os olhos com um calor do saber-se terra a caminho da areia de uma praia que não é minha, de um sertão que é o meu nome.


SER
Viver na ilha não é trazer consigo a língua dos peixes, a supresa dos dentes, a metamorfose das unhas.


NOME
O nome que me resta não cabe em meu corpo ouvidos poucos se prestam a escutar a minha urgência troco a minha fome pelo espasmo de minha carne pouca e esse desapego deixou de ser escolha, é o meu rastro pelas calçadas onde escrevo meu nome de hoje antes que eu mesmo esqueça.

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