Não estou entre os que veem no uso largo da Internet, para entretenimento, uma forma viciante de alienação, um jeito de se isolar do mundo. Aliás, duvido de que, em outro momento da nossa existência, mesmo naquele dos olhos nos olhos, tenhamos sido tão próximos dos amigos que fizemos e daqueles dos quais prefiramos a distância.
Cottonbro St.
No meu e no seu perfil eletrônico, estejamos no Facebook, no Instagram, no WatsApp, no Telegram, no diabo a quatro, chegam-nos, a cada minuto, o que pedimos e não pedimos. Espontânea, ou compulsoriamente, sabemos de nascimentos, batizados, casamentos, aniversários, viagens, hospitalizações, fracassos e progressos pessoais daqueles que guardamos do lado esquerdo do peito e, não menos, daqueles de cuja existência havíamos esquecido. No mais das vezes, os felicitamos, no ato, por seus êxitos e acontecimentos.
“Sabe quem casou? A filha de Clotildes. Fomos criadas como irmãs e ela sequer deu-se ao trabalho do convite. Não que eu fizesse questão de ir para a festa. O que lastimo é a desconsideração”, contou-me, magoadíssima, por mensagem de Zap, uma velha amiga. Eu já sabia disso. Vira o corte do bolo postado em fotos e vídeos. Festança das boas.
Chandrabindu
Pelos mesmos meios, tenho sabido do ingresso em universidades de garotos e garotas que vi em fraldas, da compra da casa nova e de esticadas internacionais dos parentes, ou amigos queridos, mesmo quando residem em outras cidades e outros países. Internet, minhas e meus camaradas, é terreno onde ninguém esconde nada. Aí, contamos tudo, tintim por tintim, ora por afetação ora pelo desejo simples e puro de apenas falar dos nossos passos, das nossas conquistas e das nossas mazelas, até mesmo disso.
Por meio eletrônico, sempre temos atos e fatos para ouvir ou informar àqueles dos quais gostemos, ou nem gostemos. Mas sem o mínimo poder sobre o que nos chega ao computador de mesa,
Noland
ao laptop e à telinha do smartphone. Não votou naquele candidato do seu mais profundo desagrado? Pois bem, isso não o livra do discurso do homem. Nem o livra do contraponto, da crítica infamante ao mesmo orador, caso por ele haja optado.
Você não tem o mínimo interesse naquele móvel, naquele sapato, naquele cartão de crédito, naquele medicamento, enfim, em coisas que lhes são ofertadas a preços de ocasião? Não importa, você continuará a receber tais anúncios do mesmo jeito. O aborrecimento, nestes casos, é o preço pago pela exposição que expandimos e acatamos.
O repórter que me tornei adveio dos tempos da linotipo, do chumbo derretido, das gavetas com suas letras de ferro, dos clichês metálicos com calços de madeira para ganhos da altura necessária à impressão com tinta preta. Títulos, textos e fotos tinham que estar no nível adequado àquelas velhas impressoras com seus rolos de borracha. Nem mais altos nem mais baixos, em grades onde os fatos e as fotos, ali parafusados, obedeciam ao diagrama das editorias. Não perguntem o peso de uma página de jornal numa oficina de ferro e chumbo.
Operadores de linotipo, S.XX ▪ Fonte: Wikimedia
Creiam, a feitura dos jornais transcorreu desse modo em muitos pontos deste País até os anos de 1980. A década de 90 nos trouxe a impressão a frio e as páginas mais leves, pois feitas de chapas. A seguinte começou a aposentar as velhas máquinas de datilografia. Mas ainda estávamos distantes do milagre tecnológico que pariu a Internet. A partir dela, a boa e a má notícia nunca correram tanto nem tão rapidamente. Num átimo, nós passamos a tê-las em casa antes mesmo que delas nos dessem conta a tevê e o rádio. Assim, também, o besteirol, a arenga, a fofoca, caso isso nos entretenha.
Fonte: Imdb
No primeiro filme da trilogia “De volta para o futuro”, o inventor Emmett Brown espantava-se, em 1958, com a filmadora e reprodutora de imagens empunhada por Marty McFly, o garoto de cuja amizade privava na futura década de 80. “Uma estação portátil de tevê”, exclamava ele. O que não diria se fosse então apresentado ao telefone celular que hoje eu e você temos nos bolsos...
Das linhas de chumbo aos megabytes de agora, tenho sobrevivido, individual e profissionalmente. Estou, assim, na companhia de muitos amigos e amigas, dentro e fora do ramo que abracei. Juntos, fazemos, por sorte, bom proveito do avanço dos anos. Afinal, somos contemporâneos dos filhos e netos. E temos uma vantagem sobre eles. Temos histórias para contar.
Pessoalmente, enfrento e me adapto ao mundo moderno com a paz com que suporto minhas saudades. E são muitas. O idoso que me tornei gostaria, agorinha mesmo, de rever aquela velha Olivetti e nela escrever coisas do mundo e do coração. Gostaria, por exemplo, de receber cartas e despachá-las, como fazia antigamente.
ICM
Mas apenas por um breve momento. Logo, o espírito que tenho me traz a consciência de que sou um navegante do tempo. Como o velho Emmett, saio do futuro e nele reingresso, ao bel prazer. Até que parta, definitivamente, desta para melhor – o que não está longe – serei um homem, também, com os pés e a cabeça no Século 21. Despacharei meus escritos sem levantar da cadeira e me deliciarei, sem sair da rede, com a zanga da minha amiga, aquela esquecida por Clotildes. Não digo isso sempre, mas, no devido contexto, digo agora: Ô tempo bom.