Nadja Fernandes e a sua família entraram na nossa vida quando vieram morar na nossa praça Caldas Brandão, no aprazível bairro do Tambiá...

Nadja, de todos os Anjos

Nadja Fernandes e a sua família entraram na nossa vida quando vieram morar na nossa praça Caldas Brandão, no aprazível bairro do Tambiá.

Primogênita de uma família de seis irmãos: ela, Niedja, Marcos, Niara, Múcio e Bernadete, Nadja era tão querida quanto respeitada por todos: seus irmãos, seus parentes, seus amigos.

Pois ela se comportava como uma verdadeira líder, fosse em que ambiente estivesse. Nunca passava despercebida, sem fazer nenhum esforço para isso.

Nadja dos Anjos Leonardo dos Anjos
A convivência com a nossa família foi numa época de ouro para a nossa geração. O Brasil e o mundo viviam um período de muita riqueza cultural, manifestada em todas as atividades humanas: na música, na coreografia, nas artes plásticas, no teatro, na política, na literatura, por exemplo.

Foi exatamente nesse bom momento que Nadja surgiu para nós. A bossa-nova já amadurecida, ela aprendeu a dedilhar o violão, cantando as músicas de Tom, Vinícius, Chico Buarque, Carlinhos Lyra... Todos se calavam para ouvi-la. Ela era a nossa musa da bossa-nova, a nossa Nara Leão.

Nadja era colega da turma de direito, e muito amiga dos meus irmãos Francisca Luiza e Humberto, e da prima Edilma, que morava conosco e também era da mesma turma. Como vocês vêem, a convivência com ela sempre foi muito rica, muito agradável.

Nesse ínterim aconteceu um episódio que aumentou ainda mais o respeito, o carinho e a admiração que já tínhamos por ela.


Neste momento abro parênteses para um esclarecimento muito importante para a compreensão do que escrevo.

John Kennedy UPI
Nesses tempos o Brasil estava sob a vigência de uma ditadura, pois tinha sofrido um golpe militar poucos anos antes.

O golpe foi fomentado pelos Estados Unidos, a pretexto de impedir que o “comunismo soviético” tomasse a América Latina. E promoveu golpes militares em países de todas as Américas. Coincidiu com a invasão do Brasil por uma entidade americana chamada Aliança Para o Progresso.

Era composta por adultos jovens, todos americanos, em grupos ou aos pares, espalhados pelas cidades do interior do Brasil. Nestas cidades eles procuravam entrosar-se com os moradores.

Nós, mais jovens, politizados, dizíamos que eram espiões que enviavam para os Estados Unidos informações sobre o Brasil. É possível, até mesmo provável. Mas nem todos esses jovens eram aquilo que pensávamos: havia exceções.

John Constantino Parascou
Acervo do autor
Uma dessas exceções foi John Constantino Parascou. Este jovem americano, de ascendência grega, entrou na Aliança Para o Progresso simplesmente para escapar do alistamento militar, pois seria inevitavelmente enviado para o Vietnã.

Ele foi designado justamente para Misericórdia, hoje Itaporanga, no Vale do Piancó, alto sertão paraibano. E que era a terra natal da nossa mãe, Nair.

John era uma figura muito simpática, dotado de uma cultura muito acima da média dos jovens americanos, e atendia pelo apelido carinhoso de “João Americano,” colocado pelas garotas da cidade.


Em julho de 1968 nós estávamos de férias em Misericórdia. Lá, as atividades de férias obedeciam a um certo padrão. De dia os rapazes jogavam futebol e depois tomavam banho de rio. À tarde jogavam baralho, e bebiam cerveja na sorveteria de Walter, ou no Bar Cova da Onça, de Amadeu. E bebiam muito, mesmo!

Igreja Matriz (Itaporanga-PB)
GeografiaPB
Após o jantar vinha a missa na igreja Matriz, seguida do quem-me-quer naquela praça. Depois descíamos para a Sorveteria de Walter, onde sempre acontecia um “assustado” (dança improvisada ao som de uma vitrola), regado a cuba libre (coquetel de rum com coca-cola).

Era sempre ao som da boa música de então: bossa nova, jovem guarda, tuíste, bolero e chachachá, e o inevitável disco que Roberto Carlos sempre lançava todas as férias.

Em uma dessas brincadeiras aconteceu o imprevisto. Um conhecido da nossa família, prefeito de cidade vizinha, chegou à sorveteria de Valter acompanhado do seu irmão, ambos embriagados. Tinham fama de violentos, com crimes atribuídos a eles.

O prefeito olhou em torno e viu todos aqueles jovens “da capital,” todos alegres e conversando muito animados nas mesas, ou dançando. Sentou-se numa mesa, sempre acompanhado do irmão, e pediu uma cerveja.

Ele não deve ter gostado mesmo do que viu, pois logo começou a provocar as pessoas, puxando briga. O irmão só assistia aquilo, apoiando.

Humberto Espínola Ivete Espínola
O prefeito notou que numa das mesas estava John Constantino, muito popular na cidade. Ele, então, passou a provocar John. Como este não lhe dava atenção, ele foi engrossando.

Em determinado momento Humberto percebeu que o prefeito levantou-se cambaleando e sacando o seu revólver, se dirigindo para John gritando impropérios.

O rebuliço foi grande. Todos correram da sorveteria, inclusive John. Todos menos Humberto, que se atracou com o prefeito, segurando o revólver e tentando acalmá-lo. E Nadja, que ajudava Humberto, também segurando o prefeito e tentando assim evitar que ele cometesse um crime.

Aos poucos foram conseguindo, o sujeito foi se acalmando, pois respeitava muito o nosso pai, que no passado havia sido juiz da cidade. E respeitava principalmente a nossa avó, Salomé Pedrosa, que não tinha medo de nada nem de ninguém!

Com a sorveteria vazia, terminaram a noite tendo que beber uma cerveja, sentados com o prefeito e seu irmão, com o intuito tão somente de melhorar o clima.

E conseguiram.


Djalma e Nadja dos Anjos
Acervo do autor
O tempo passou, todos nós amadurecemos e partimos cada um para os seus destinos. Cada um assumindo o seu futuro. Conclui o curso médico, e com Ilma fui-me embora para São Paulo, para fazermos pós-graduação.

Durante um longo tempo não tive notícias de Nadja. Apenas fiquei sabendo que ela tinha encontrado a sua cara-metade na figura de Djalma, literalmente um anjo na sua vida: fiel e leal companheiro que soube valorizá-la ao longo da sua existência, até o último momento.

Tempos depois nos reencontramos. Ela não havia mudado nada, nem a bela fisionomia nem o seu jeito bom de ser, sempre alegre, agradável, inteligente. Então a sua família já tinha crescido, sendo enriquecida pelos filhos Leonardo e Vanessa, mais dois Anjos colocados em sua vida!

Porém, não bastasse o quão rica já era a sua personalidade, constatamos que Nadja tinha ainda mais se valorizado: revelou-se uma exímia pintora, com belos quadros, que vez por outra eram expostos.

Nadja dos Anjos
Contribuiu com o belo artigo “A Casa dos Espínola” para o livro comemorativo do centenário do nosso pai, Francisco Espínola (Obra: Doutor Chico Espínola, um Homem Simples e Justo, de autoria de Evandro Nóbrega), seu ex-professor na Faculdade de Direito.

Eis que um dia ela teve que partir. Despediu-se dos seus Anjos daqui da terra, e foi ao encontro dos anjos do Céu. Deixou todos nós morrendo de saudades, mas conformados que ela está num bom lugar.

Essa foi a Nadja Fernandes dos Anjos que eu tive o prazer de conhecer.

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  1. JOSE MARIO ESPINOLA9/3/25 21:52

    Como vocês podem perceber, Nadja foi uma figura marcante para todos da nossa família.
    Essa foi a forma que eu encontrei para homenageá-la,
    Que decanse em paz, entre os seus anjos, lá em cima, no lugar que ela conquistou.
    Agradeço a todos vocês!

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