A colunista Ruth de Aquino, de O Globo, já escreveu tudo sobre o assunto, na edição de 14/3/2025. Não há, definitivamente, o que se a...

Mulher viajando sozinha

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A colunista Ruth de Aquino, de O Globo, já escreveu tudo sobre o assunto, na edição de 14/3/2025. Não há, definitivamente, o que se acrescentar. Mas há matérias, o leitor sabe, que não se esgotam e sempre podem render uma palavrinha a mais, nem que seja para reforçar, mesmo que não seja preciso, o que já foi dito. É o caso.

Um incidente aparentemente banal e corriqueiro, num mundo que desrespeita as mulheres a todo instante, sob os mais diversos motivos, tinha tudo para morrer no nascedouro, sem nenhuma repercussão. Em um avião de companhia aérea americana (mas poderia ser de qualquer outro país), um assento da classe Executiva se quebra, e para não se deixar o passageiro (homem) na mão, determina-se que outro passageiro (mulher viajando sozinha) da classe
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Premium seja deslocado para a classe Econômica, cedendo lugar ao primeiro. Ora, perguntará o leitor, como se deslocar autoritariamente – e com prejuízo - um passageiro que pagou por um assento na classe Premium para outro na classe Econômica? Se fosse o contrário, ainda assim dependeria da aquiescência do passageiro/consumidor, hipotético senhor de tudo no universo de qualquer empresa capitalista, não é mesmo? Pois é. Na American Airlines (guarde o nome, caro leitor) as coisas funcionam assim: se o passageiro for uma mulher viajando sozinha (este é um dos critérios para a discriminação), que se lixe. Principalmente se for para atender aos interesses de outro passageiro homem, da classe Executiva. Dois tipos de preconceitos inadmissíveis a esta altura da história humana, explicitamente praticados por uma empresa aérea dos EUA numa mesma situação (um civilizado voo Nova York – Rio de Janeiro): o econômico e o de gênero. Pode?

Não deve poder, mas, pelo visto, pode. Pois foi o que fez a American Airlines (memorize o nome, leitor) há poucos dias, na frente de todo mundo, ou seja, dos demais passageiros, sem qualquer discrição, cassando os direitos de uma cliente e constrangendo-a acintosamente, inclusive, pelo que li, com a possibilidade de ser desembarcada com algemas.
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A primeira pergunta que não quer calar, logo de cara, é: por que uma passageira mulher e não um passageiro homem? Pois imagino que deveria haver algum homem viajando sozinho na classe Premium, que poderia perfeitamente ser convidado, com alguma compensação, claro, a trocar de classe, para atender o endinheirado da classe Executiva. Se tivesse sido feito assim, talvez o impasse tivesse uma solução tranquila, não sei. Mas nesses casos, soube-se depois, através de um comissário, a praxe é sempre resolver o problema deslocando uma “mulher viajando sozinha”. Esta é a vítima preferencial, o cordeiro a ser imolado no altar da arrogância e do abuso. Aí, coitada, essa hipotética, solitária e desamparada passageira não tem salvação.

Salvo se. Sim, salvo se ela for uma famosa atriz brasileira, mulher talentosa, cosmopolita e independente, que não se intimida com pouco nem leva desaforo para casa. Foi aí que a American Airlines (não esqueça, leitor) tomou o bonde errado, digo, o avião errado. Pois a tal vítima preferencial era ninguém mais ninguém menos que Ingrid Guimarães, nossa premiada artista do cinema e da televisão, mulher altiva e corajosa, que se rebelou contra
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Ingrid Guimarães @instagram
a injustificável e odiosa discriminação. Com elegância, mas com firmeza, nossa conterrânea rodou simbolicamente a baiana e disse não, não aceito trocar de classe, pelo menos pelas razões apresentadas pela companhia. Fosse outra a situação, ela não faria questão; mas simplesmente para atender um marmanjo da classe Executiva, e simplesmente por ser ela uma “mulher viajando sozinha”, paciência: NÃO, assim mesmo, com letras maiúsculas.

A confusão foi grande, pois o comandante quis desembarcar todos os passageiros da aeronave, imagine. No fim, não sei os detalhes, li que Ingrid optou, como uma lady, por uma solução menos traumática. Mas o fato é que o incidente repercutiu amplamente, não só no Brasil, com inegáveis e merecidos prejuízos para a imagem comercial da companhia aérea. Burra companhia aérea que perdeu tanto por tão pouco. Os tempos não estão mais para barbaridades desse tipo. Quem não sabe?

Fiquei pensando. Será que essa postura truculenta e preconceituosa da American Airlines (decore esse nome, leitor) não é um reflexo da mentalidade trumpiana ora em vigor em parte dos EUA? Não duvido. Essas coisas se espalham como vírus, contaminam a sociedade e a adoecem gravemente.

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Ross Sokolovski
Felizmente, existem antídotos. Mulheres como Ingrid Guimarães é um deles. E olhe que ela nem é daquelas feministas profissionais, que se identifica de longe pelo bélico perfil. Ela engana os incautos com a sua indisfarçada feminilidade e senso de humor. Por causa dela, daqui para a frente, acredito, as companhias aéreas respeitarão mais toda e qualquer “mulher viajando sozinha”. Assim esperamos eu e o leitor.

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