Escrevo em 25 de março de 2025, uma terça-feira, exatamente oitenta anos depois do nascimento de Leila Diniz, a eterna musa nacional, falecida aos 27 anos, em acidente aéreo em Nova Delhi. Quem diria? Nem sei se consigo imaginar Leila octogenária. O que sei é que ela seria tão sapequinha aos oitenta quanto foi aos vinte. Pois essa era sua natureza, seu temperamento, dos quais não poderia fugir.
Revista Show da Noite, 1960s ▪ Fonte: MLivre
Morta precocemente aos 27 anos, dura até hoje a influência que exerceu – e exerce - na sociedade brasileira. Não que a tenha pretendido conscientemente, já que nela tudo era espontâneo, com o frescor das coisas naturais. Simplesmente teria sido impossível ela não ser quem foi. Daí o saudável encanto que provocou na maioria das pessoas,
Revista O Cruzeiro, 1960s ▪ Fonte: MLivre
Interessante é que seu começo foi absolutamente inocente, como professorinha de jardim de infância. E pelo visto gostava de casar com cineasta, pois casou sucessivamente com Domingos de Oliveira e com Ruy Guerra, pai de sua única filha, Janaína, criada pelo casal Chico Buarque-Marieta Severo após a morte da mãe. Muito marmanjo quebrou a cara pensando que ela era uma mulher “fácil”. Vanguardista, confundiu muita gente, assim como acontece com todos que estão à frente do seu tempo. Os caretas e os machistas enganaram-se redondamente com aquela mulher livre, sim, mas não ao ponto de transar por interesse, pois ela declarou expressamente, mais de uma vez, que só o fazia com quem queria, ou seja, por mútua atração e não por motivos menores.
Não tinha papas na língua, falava o que queria e como queria, admitindo inclusive palavrões, o que era então inusitado para uma mulher e o que certamente acarretou a não renovação de seu contrato com a Globo, bem como a instauração da censura prévia à imprensa, após uma explosiva entrevista sua ao semanário O Pasquim. Mas isso não a intimidou, sabe-se.
Fonte: Biblioteca Nacional
Salvo engano, foi a primeira mulher grávida a ser fotografada na praia de biquini. Aí é possível que tenha agido conscientemente, numa atitude desafiadora, tomada para fazer avançar os contidos costumes da época. Causou escândalo, como era de esperar, mas nunca mais alguém se escandalizou com idêntico gesto. As mulheres brasileiras estavam, a partir daí, definitivamente libertadas quanto à combinação de biquini e gravidez, em praia ou piscina, o que atesta seu papel social libertário e adiantado, digno das maiores desbravadoras na área do comportamento. Uma pequena ressalva a propósito: se se pode eventualmente
Leila Diniz, em 1971J. Maia
Uma curiosidade. Perseguida pelos militares e com o risco de ser presa, foi escondida pelo apresentador de televisão Flávio Cavalcanti em seu sítio de Petrópolis. Flávio era notoriamente um homem de direita, mas teve esse gesto corajoso e solidário que certamente o redimiu de alguns pecados. Assim como o político Adauto Lúcio Cardoso, assumido liberal-conservador, escondeu em seu carro, em 7 de abril de 1964, o perseguido líder camponês Francisco Julião. Tais gestos nos fazem refletir.
O passar dos anos foi fazendo crescer a figura de Leila entre nós. Morta sem tempo de fazer uma carreira notável, ela garantiu sua posteridade através do vanguardismo comportamental, prestando, nessa área, inestimáveis serviços às mulheres brasileiras, tão devedoras suas quanto as francesas o são de Simone de Beauvoir, por exemplo. As homenagens que tem recebido postumamente são muitas. Ninguém a esquece.
Leila Diniz, em 1971 ▪ Fonte: Arquivo Nacional, via Wikimedia, PD/DP
Viva Leila octogenária e eterna!