A concorrência nos obrigava a entrar pela noite até o fechamento da última página, a primeira. Mas não enfadava, era um jogo.

Deu no jornal

agnaldo almeida jornalismo paraibano
A concorrência nos obrigava a entrar pela noite até o fechamento da última página, a primeira. Mas não enfadava, era um jogo.

Naquela noite, absorvido por qualquer coisa que me pregara ao birô, me surpreendi sozinho, sem nenhum rumor nas salas e gabinetes e sem que Milton Nóbrega ou Agnaldo aparecessem. Sempre fechávamos as portas juntos.

“Algum problema na oficina?”- e saio para ver.

Lá fora, no final da passarela que liga os dois pavilhões, mal iluminada, avisto alguém que tenta se ocultar sentado no pequeno batente de acesso à redação.
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GD'Art
Adapto a vista sondando a área e vejo Agnaldo. Estávamos no mesmo barco, ele na plenitude de editor, eu na direção técnica, estimulados ambos pela mais rica das confianças que era a das nossas equipes, a maioria em formação.

“Algum problema que eu não possa saber?” – cheguei-me, indagando e medindo as palavras, tentando me acomodar numa pontinha do batente. Naqueles nossos sete ou oito anos de amizade, desde sua chegada de Campina à redação do Correio da Paraíba, era a primeira vez que o encontrava de ânimo baixo.

Mantive-me ali tentando ouvi-lo até que desabafasse em poucas palavras, quase inaudíveis. E fiquei em silêncio, evitando pitacos inúteis. Não era fácil. Minha experiência no assunto também não o ajudaria. Até que dali nos levantamos e saímos iguais, no mesmo estado de espírito. Era um elo a mais que vinha juntar-se ao da profissão.

Agora, na última segunda-feira, um ano após sua morte, consigo encontrá-lo ao lado dos que aprenderam com ele não apenas a fazer jornal, o que já é muito, mas a respeitar o leitor e o direito de não
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Gonzaga Rodrigues e Naná Garcez A União
ser traído em sua boa fé de cidadão e ser humano. O tempo do verbo se mantém no presente por não ser outra a luz dos olhos ou das lições recolhidas em “Deu no jornal” (não uma simples memória ou uma seleção antológica de textos do autor) mas uma lição viva e bem presente do jornalismo que Agnaldo praticou nos seus quarenta anos de militância com mudança quase radical de técnicas, nunca de valores essenciais à condição humana. Lição que continua aberta a cada folha do livro.

Para editá-lo, Naná Garcez, esposa e seguidora, ateve-se à coluna mantida por Agnaldo, em A União, entre 2012 e 2018. Seis anos de textos que, na idade em que estou, li da hora em que cheguei em casa até o amanhecer do dia. Revi meu amigo com a vantagem, avaliada ao final, de limitar-me a só ouvir. Está escrito, muito bem diagramado, bom de ler e melhor de aprender, mas era ouvindo que eu lia. Desta vez Agnaldo no meu sofá e não naquele batentezinho remoto.

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Lançamento da coletânea Deu no Jornal na Livraria A União (PB)
Naná Garcez com Ana Maria Lins e Samuel Amaral
Ao sair do lançamento, no Espaço Cultural, veio um jovem repórter e me pediu alguma palavra. Emocionado, não lembro bem o que disse, salvo o que sempre me intrigara: onde Agnaldo aprendera tanto, não só das artes e técnicas da escrita como das ideias que sedimentaram sua visão de mundo. Seu irmão, Arlindo Almeida, falava com certa intimidade de alguns filósofos. Agnaldo escondia o leite, preferia ouvir, por mais que seu texto, suas lições, sua conversa denotassem um saber coerente com a leitura de profundidade e bem refletida.

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  1. Anônimo4/3/25 08:05

    Caro Carlos Romero,

    Visualizando a sua página, ocorreu-me fazer modesto comentário sobre o lançamento do livro “Deu no jornal”. E, diante do ambiente em que me encontro, faço uma ressalva: não sou da área de comunicação, mas sou um apreciador da boa leitura. Sem o português escorreito do eterno ombudsman do jornalismo paraibano, eu fui cativado pelos seus textos e ousei comentar. A leitura me encantou...
    Dessa forma, as minhas palavras são de exaltação a dois ícones do jornalismo paraibano, falo de Gonzaga Rodrigues e de Agnaldo Almeida, no que nomino de “APURADO TATO”.
    Obedecendo ao efeito de primazia, dirijo-me inicialmente a Gonzaga Rodriques, “Um partejador de talentos”, como ele próprio se intitula no prefácio do livro e, em sequência, a Agnaldo Almeida, o nascituro vigoroso. Não à toa, eles se reconheceram mutuamente pelas diversas facetas para que a vida flua e o parto se finde.
    Findo o parto, a afinidade se estabelece pelo apurado tato do partejador, deixando vir o nascituro que tateia sensível à busca do sustento na mama. E aí, não só “Deu no jornal”, mas deu no que deu: o patrimônio cultural da Paraíba tornou-se mais opulento com a obra desses dois artífices na Arte do jornalismo.
    É sabido que o creador* nos concedeu cinco talentos que cabe ao homem comum desenvolvê-los, mas o homem de gênio os tem desenvolvidos, ainda que os possa aprimorar, pois o homem é um ser perfectível. O Tato é um desses talentos.
    A visão interior nos dá a consciência da Verdade que existe em cada um e desenvolve a Vontade de agir conforme essa verdade; o Ouvido outorga-nos a Fé; o Tato revela-nos o Amor. As mãos são os mensageiros da mente; convém ter apurado Tato, tanto material quanto moral, para não ferir.
    Diz o refrão: devemos agir com tato. Agir com tato é coisa relevante, pois de nosso tato depende o êxito ou o malogro: porque agir com tato é agir com prudência, e consequentemente, com amor, que é o terceiro talento dado pelo Íntimo ao homem.
    No prefácio de “Deu no jornal”, Gonzaga Rodrigues retrata o perfil de Agnaldo dessa forma: “seu perfil tranquilo de lidar com as questões do trabalho e de sempre levar ao patamar da filosofia as questões do dia a dia me chamaram a atenção. Havia uma efervescência, discussões acaloradas, mas respeitosas. Foi naquele ambiente, sob a batuta do maestro Agnaldo, que afiei o meu raciocínio crítico questionando os rumos do mundo à nossa volta”.
    Seu irmão, Arlindo Almeida, falava com certa intimidade de alguns filósofos. Agnaldo escondia o leite, PREFERIA OUVIR, por mais que seu texto, suas lições, sua conversa denotassem um saber coerente com a leitura de profundidade e bem refletida.
    O segundo talento é o OUVIDO: o homem determina o que pensa e crê pelo que ouve. O OUVIDO é a base da fé e confiança em todas as suas manifestações.
    Segundo o que vê, o homem SABE e segundo o que ouve, CONHECE; porém o melhor conhecimento é o que nos advém da Voz Interior, da percepção íntima que sempre nos fala e, conforme escutamos, dirige o curso de nossos pensamentos, determinações, palavras e obras.
    Rubem Alves, homem de gênio, na prodigiosa crônica “A ESCUTATÓRIA”, nos impõe uma reflexão sobre a arte de saber escutar.
    Agnaldo agia com acurado tato e apurada audição. Obrigado, Agnaldo pela amizade, pelo tato, por me ouvir.

    *CREADOR – a substituição da palavra latina “CREAR” deturpa o pensamento, ainda que favoreça a alfabetização em nível de cultura primária. CREAR é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O PODER INFINITO é o creador do Universo – um fazendeiro é um criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

    JOSÉ GARCEZ C DÓRIA

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  2. Anônimo4/3/25 08:07

    Retificando o falha no comentário anterior, "Caro Carlos Gonzaga"

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