Inspirado na vida de Santa Clara Na vastidão das terras de Dom Henrique de Alencar, um homem próspero e obstinado, erguiam-se os ...

As filhas do destino

conto austeridade vaidade orgulho
Inspirado na vida de Santa Clara

Na vastidão das terras de Dom Henrique de Alencar, um homem próspero e obstinado, erguiam-se os muros imponentes de uma casa onde duas jovens, belas como o alvorecer, viviam sob a vigília de um destino já traçado. Verônica, a primogênita, tinha olhos que pareciam conter o próprio céu, mas neles brilhava uma luz que seu pai jamais compreendia: a devoção por uma vida de renúncia, fé e espiritualidade. Sua irmã, Sophia, embora fosse religiosa, amava o riso e os pequenos prazeres da vida, além de possuir um coração que ansiava por liberdade.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
Certa noite, na sala de pedra iluminada apenas pelo bruxulear das velas, Dom Henrique discorria seus planos diante de seu fiel administrador.

— Verônica não me dará problemas. Ela sabe que seu dever é casar-se com Matteo de Noronha. Um homem de posses e linhagem, que garantirá nossa posição. Amanhã mesmo ele virá conhecê-la, e logo selaremos esse compromisso.

Mal sabia ele que, do outro lado da porta entreaberta, a criada Matilde ouvia atentamente. Seu coração se apertou ao imaginar a tristeza de Verônica. Esperou o momento certo e, quando a casa jazia adormecida, foi ao quarto da jovem e sussurrou-lhe o que ouvira.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
Verônica não hesitou. Seu caminho já estava traçado, mas não pelo pai. Na calada da noite, fugiu para um convento, onde encontrou refúgio entre as irmãs que compartilhavam de sua crença e missão de vida.

Seu pai, tomado pela fúria, tentou resgatá-la, mas os muros sagrados do convento e a coragem da filha o impediram.

O tempo passou. O jejum rigoroso de Verônica, combinado com sua vida de extrema austeridade e penitência, enfraqueceu seu corpo ao longo dos meses. Sua saúde se deteriorou, levando-a a longos períodos de doença. Todos no convento se preocupavam.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
— Como poderá cuidar dos pobres sem saúde? — diziam as irmãs.

Sophia rezava por ela, queria estar ao seu lado para lhe ajudar e fazê-la se alimentar melhor, mas seu pai ainda a mantinha sob vigília.

Restava-lhe ela, Sophia, a mais nova, a última esperança de um casamento vantajoso. Mas Sophia havia entregado seu coração a Tomás, um jovem de origem simples, mas de alma nobre. Para Dom Henrique, isso era inaceitável. Em mais uma noite de conversas secretas, ele revelou sua decisão ao administrador.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
— Giovanni Vasques será seu marido. Um comerciante forte, influente, que garantirá nossa prosperidade. Ela se submeterá, goste ou não.

Desta vez, Francesco, o velho criado que ajudara a criar as meninas, ouviu tudo. Seu coração pesou. Não poderia permitir que Sophia tivesse o mesmo destino que tantas outras moças condenadas a um casamento sem amor. Sem demora, procurou Sophia e contou-lhe a verdade.

O coração da jovem bateu acelerado. Não poderia ser enjaulada num destino que não lhe pertencia. Com mãos trêmulas, escreveu uma carta para Verônica, pedindo-lhe proteção. Na noite seguinte, sob as mesmas sombras que haviam coberto a fuga da irmã, Sophia partiu.

Quando Dom Henrique soube da fuga de sua segunda filha, sua ira transformou-se em algo mais feroz do que antes. Ele perdera não uma, mas duas filhas para o que considerava uma insurreição sem sentido. Não permitiria que a mão do destino o vencesse. Com seus homens, marchou até o convento, decidido a trazer Sophia de volta.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
Mas ao chegar aos portões sagrados, encontrou não apenas a filha caçula, mas também Verônica e todas as irmãs de fé postadas diante dele, formando uma muralha humana de coragem e determinação.

A voz de Verônica ecoou frágil pela doença, mas doce:
— Pai, não nos tome aquilo que não lhe pertence. Nosso coração pertence a Deus e à nossa própria vontade. Nada que faça poderá mudar isso.

Dom Henrique hesitou. Nunca vira suas filhas com tamanha convicção. O fogo de sua cólera vacilou diante da fé inabalável delas. Em silêncio, voltou-se e partiu, carregando a dor de sua perda, mas também sua revolta e um propósito inabalável: tirar Sophia de lá, nem que fosse à força.

Preparou seu plano. Esperou. Verônica estava cada vez mais debilitada. Sophia estava dividida entre cuidar da irmã nos limites do convento e a liberdade que a vida lá fora podia oferecer. Queria começar a vida, talvez com Tomás, um sonho agora impossível.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art
Sem que ela soubesse, seu pai iniciou os preparativos. Chamou o administrador, e os dois tramaram em segredo. Mas alguém ouviu a conversa e, às pressas, correu para avisá-las.

Quando Dom Henrique chegou ao convento com seus homens, era tarde demais. Tomás e Sophia haviam fugido por uma passagem secreta, com a ajuda de uma freira a pedido de Verônica. Eles nunca mais foram vistos na região.

Verônica faleceu na semana seguinte, consumida pela fraqueza, mas com a certeza de que sua irmã encontrara a liberdade que tanto desejou. Dom Henrique, derrotado não apenas pelo destino, mas pelo amor e pela fé inabalável de suas filhas, jamais pronunciou o nome delas novamente. Restou-lhe apenas o peso de uma casa vazia e de um orgulho que, no fim, não lhe serviu de nada.

conto austeridade vaidade orgulho
GD'Art

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Belíssima história! Quanta coragem tiveram essas meninas em contrariar o pai em uma época em que as mulheres não mandava em seus destinos.

    ResponderExcluir

leia também