... no modo de ser de ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA, grande mulher do imenso escritor. Em 2011, lendo “O Vale de Solombr...

Ambiguidades femininas...

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... no modo de ser de ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA, grande mulher do imenso escritor.


Em 2011, lendo “O Vale de Solombra”, de Eustáquio Gomes, fiquei sabendo que Guimarães Rosa, vice—cônsul brasileiro de Hamburgo, ("depois escritor traduzido e celebrado”) – facilitava a fuga de judeus para o Brasil, inclusive lhes oferecendo vistos e passaportes sem a “estrela de Davi” e o “J” vermelho. E que, na verdade não era iniciativa dele, mas de sua companheira, a paranaense Aracy Moebius — chefe da seção de passaportes do consulado — que liberava tudo em prazos recordes, sendo conhecida, nos círculos judaicos, como “o anjo de Hamburgo”.

Segundo Eustáquio Gomes, a Concise Encyclopedia of the Holocaust conta que nem a KristallnachtNoite dos Cristais, de 09/11/1938 — , em que os nazistas destruíram sinagogas, residências, e estabelecimentos comerciais de judeus na Alemanha e
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Aracy Moebius de Carvalho IEB/USP
na Áustria, dando início ao que seria a chamada de “solução final”, nem a ordem do Itamarati – então pró—Hitler – que, na Circular Secreta Nº 1.127, de Getúlio, determinava que não se mandassem hebreus pro Brasil, fizeram com que essa Aracy parasse. Metia os vistos no meio da papelada que o cônsul—geral – coisa bem de brasileiro — assinava sem ler, e chegava a esconder seus protegidos em casa, para, depois, transportá—los no porta—malas do carro do consulado, um Opel Olympia alemão. Isso até o casal Aracy/Guimarães Rosa ser obrigado a voltar pro Brasil, em 42, quando o virandum, numa virada de casaca muito misteriosa, declarou guerra ao Deutschland über Alles.

Bela filha de português com alemã, Aracy Moebius separara—se do primeiro marido, alemão, em 1934, e se mandara com o filho Eduardo Tess para a terra do Führer, onde se empregou no consulado brasileiro de Hamburgo, cujo cônsul adjunto era o jovem Guimarães Rosa, que também vinha de um casamento arruinado.

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Aracy Moebius e Guimarães Rosa (Hamburgo) @elfikurten
Amaram—se, casaram—se no México, viveram juntos até a morte do escritor em 1967, aos 59 anos. Mas, voltando à dedicatória no Grande Sertão: Veredas, olha que pergunta cavilosa de Alfredo Fressia, num pequeno ensaio sobre a mulher do escritor:

Por qué Guimaraes le dedicó ese libro, de 1956, y no los precedentes, como Sagarana, de 1946? La historia de Grande Sertao..., recreada por la memoria caprichosa de Riobaldo, quien va recomponiendo su amor por otro hombre — que se revelará un travesti masculino —, tiene una parte de desobediencia, un juego entre la rebeldía y la aparente aceptación, que podría contener algo de Aracy, la mujer que supo desafiar el orden y las órdenes de su tiempo.
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Alfredo Fressia @fekt.org
Claro.

Ela não dera a mínima pros nazistas, pro Estado Novo, nem daria pra nossa ditadura pós—64, quando, por exemplo, um ano após a morte de Guimarães Rosa, escondeu em seu apartamento, no Arpoador, ninguém menos do que o paraibano Geraldo Vandré, perseguido por causa da canção “Pra não dizer não falei das flores” . Bem.

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Maragarethe Levy @psicenter
A judia alemã Maria Margarethe Bertel Levy “era filha de pais ricos e liberais, falava sete línguas e viajava muito. Até Hitler chegar ao poder. Aí, com a ajuda de Aracy Moebius, ela e seu marido Hugo partiram da Alemanha no navio Cap Ancona e chegaram ao Brasil com a fortuna intacta. Uma — brasileira, católica —, a outra — alemã, judia, as duas, belíssimas, iniciaram ali uma amizade que se prolongaria no Rio até o fim de suas longas vidas. Na entrevista que deu à repórter Eliane Brum, da Revista Época, já no fim da vida, Margarethe disse:

Entre mim e Aracy foi um golpe de amor. Só que entre duas mulheres. Eu era sexy. E Aracy? Linda, provocante, um corpo maravilhoso.

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Margarethe e Aracy CC0
"Quando uma ficava doente – conta a reportagem — , a outra também ficava. Parecia que sentiam as mesmas coisas. Em 2003 as duas caíram, uma em casa, outra na rua, e acabaram ficando de cama até o final."

Enquanto Margarethe morria no hospital, a respiração de Aracy Moebius, em casa, começava a falhar. Maria Margarethe Bertel Levy morreu em 21 de fevereiro de 2011 – e Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa em 3 de março. Ambas com 102 anos.


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  1. JOSE MARIO ESPINOLA1/3/25 15:55

    Puxa, que história, Solha!!
    Ela foi, realmente, uma mulher diferente, para todas as épocas

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  2. Anônimo1/3/25 18:48

    Amei 👏👏👏👏👏👏👏🙏🙏🙏🙏🙏🙏❤️❤️❤️❤️❤️✂️

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