Assim começou o ano. Digo o pós-carnaval. Com chuva e o mar ficou amarronzado. E fui a Cabedelo comer umas delícias e fiquei a contemplar o Farol e um navio que passava na linha do horizonte. Praia Formosa, esse lugar do meu passado, da família e das histórias re-contadas. O cheiro da maresia de manhã cedo. Os banhos de mar. Passeios até Ponta de Mato. Assustados. E os navios. Sempre os navios a passar. E eu fiquei a vê-los, mas não como no ditado. Ficar a ver navios não é algo paralisante, e sem nada. Mas contemplativo.
Walter Salles e Fernanda Torres
Mas, o melhor do Carnaval foi assistir a entrega do Oscar. Oscar de Melhor Filme Internacional a Walter Salles e Ainda Estou Aqui. Mas não só. Todo o tapete vermelho, as entrevistas, a emoção dos repórteres brasileiros, Fernanda Torres esplendorosa, Selton, lindo, Walter chiquérrimo, com o discurso potente perdido, mas a fala igualmente forte. E a cereja do bolo foi acompanhar ao vivo, todos os blocos – Salvador, Olinda, Sapucaí, gritando, batucando, e homenageando o filme e a equipe do filme. O país inteiro na zabumba e no compasso do frevo a gritar, sacolejar; bandeiras, estandartes, baterias, caboclinhos, tudo tudo, a tremer, do Arroio ao Chuí, pela linda festa do Cinema Brasileiro e pela luta da democracia. Os direitistas e azedos com a cultura, ficaram mudos, a botar defeito no prêmio, no governo, e sem a grandeza de celebrar uma conquista desse tamanho. Que feio! Já não bastasse o governo anterior ter dito pérolas como: “não sou coveiro para gostar de ossos”, quando perguntado por assunto dos desaparecidos, e cuspiu no busto e chamou o Rubens Paiva de comunista e vagabundo.
Escola de Samba Paraíso do Tuiuti Pilar Olivares
Chorei também com o discurso emocionado do carnavalesco, Milton Cunha, pela Escola Tuiuti, e a sua homenagem a Xica Manicongo, primeira travesti do Brasil. Que força, coragem e potência! e com Milton Nascimento desfilando pela Portela e cantando “Maria Maria”. Dia 8 de março foi Dia Internacional da Mulher, e essa música hino de nós todas. Paolla de Oliveira deu um show à parte, mesmo sob as críticas implacáveis contra o seu corpo escultural. As outras rainhas todas também brilharam, com aquele samba no pé e coreografias de arrepiar. Uma bateria de escola de samba não é para os fracos. Soa em nós um batuque ancestral e das profundezas dos tempos.
Tivemos o Dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. E este ano, quem poderia melhor representar as mulheres que a D. Eunice Paiva, inspiradora do livro, Ainda Estou Aqui, do seu filho, Marcelo Rubens Paiva, e a gigante Fernanda Torres, que interpretou D. Eunice no filme em questão. Salve as Mulheres e as suas lutas, as suas trajetórias, conquistas, e as suas vidas.
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Travamos uma luta inglória contra o Feminicídio. Todos os dias mulheres são mortas pelos seus homens, esses que deveriam amá-las ao lado ou não. Mas os homens acham que tem o poder de ter as mulheres na vida e na morte. Dispõem da vida daquelas que um dia foram os seus amores. Não existe nada mais trágico. E revoltante.
E minha homenagem especial às meninas que são mães solo. Jovens engravidam. Os namorados dão no pé, e dão na cara delas também. E elas enfrentam bravamente o parto difícil, muitas vezes com violência obstetra, solitárias, e se veem com um bebê no colo para cuidar. O útero ainda dilatado, os peitos cheios de leite, os hormônios descabelados, e uma tristeza cósmica. No entanto, a vida é um pouco de magia também. E a chegada de uma criança, não importa o nível de dificuldade de uma jovem mãe, sua mãe também solo, todos na luta insana pela sobrevivência, mas a luz da esperança fala mais alto. Vejo-as falando cheias de ternura, com a alegria do milagre da vida, a recuperação logo logo, e a crença num novo dia. De repente se esquecem da pressão alta, dos intermináveis dias no hospital, com as dores insuportáveis, o parto induzido, o rasgão do períneo, a exaustão, e a pouca empatia dos profissionais da saúde diante de uma menina pobre. De longe acompanho mergulhada nos meus pensamentos contraditórios e por vezes incompreensíveis, e me solidarizo com as mulheres todas.
Acervo da autora
A maternidade não é para todas, com certeza. Para mim foi uma bússola. Uma experiência das entranhas. Por duas vezes, tive dois homens, Lucas e Daniel, e passei a vida tentando transgredir a ordem vigente de que homem pode tudo. Hoje dois homens belos, tenho certeza de que consegui mostrá-los às tantas possibilidades de homens e mulheres, livres e gentis.
Ana Adelaide Peixoto Tavares, João Pessoa 8 de março 2025