Tudo que há está se desmanchando, então olho não para a morte de tudo, mas para novos arranjos. É o que acontece, por exemplo, com o ...

Afinal, morrer não é o fim!

morte morrer fe espiritualidade
Tudo que há está se desmanchando, então olho não para a morte de tudo, mas para novos arranjos. É o que acontece, por exemplo, com o que se come.

Fezes também são vidas, não são algo imundo e desprezível, são coisas orgânicas que não nos servem mais, mas servem para alimentar a terra de onde viemos e que também nos alimentará.

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Zdeněk Macháček
Independente da fé de cada um, há um milagre primeiro: o da decomposição, que permite a vida transitar por tantos 'reinos naturais'. O verme que vai comer nossa carne voltará para a carne de outro para torná-la saudável, (trocadilho infame à parte: saudável e gostosa).

O fedor, a podridão, que aliás costumamos associar ao que há de pior, inclusive no comportamento humano, nada mais é do que uma fase do ciclo de reciclagem da vida, e cumpre o seu papel.

Claro que não estamos fazendo apologia ao podre, nem dizendo que devemos conviver com ele, até porque a reciclagem da vida tem suas etapas bem definidas, como a de todos os objetos, e devemos respeitá-las.

Não é porque a vida se alimenta de "vidas mortas" que devemos generalizar o ciclo, porque cada um tem sua função, para que a vida, no sentido lato, seja possível.

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Zdeněk Macháček
Daí que o respeito a todas as formas e manifestações de vida é necessário e fundamental.

O verbo matar é real e necessário, mas ele não é um privilégio humano que pode ser praticado indiscriminadamente para e pelo bel prazer e conforto do dito homosapiens

É claro que para esta espécie é difícil entender isso, uma vez que ele mata a si próprio, por prazer, vingança, ou para se apropriar dos eventuais e fortuitos bens do outro, sem pensar no fato de que aqueles ditos bens, um dia, vão deixá-lo também, ou por consumo, ou por sua própria morte.

É bom lembrar que o que chamamos "bens", compreende não só objetos, mas também algo ainda mais caro para almas que não vislumbram nada além da vida terrena, e que se traduz em poder, que alimenta egos, umbigos, frivolidades, demonstração de superioridade, e que termina, no mais das vezes, em amargura, ainda que muitos se mantenham nesse mundo ilusório e cruel até a morte.

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Celyn Kang
Não custa lembrar que há menos de duzentos anos foi que se extinguiu a instituição da escravidão de homens, ratificada pela poderosa, também instituição, Igreja Católica, que prometia o céu para os escravizadores e negavam a existência de alma aos escravizados.

E a guerra: ação inexplicável exercida por toda a história da humanidade como profissão de fé! Feita pela posse de territórios, por mais poder, ou em nome de algum Deus, e pela paz...

A humanidade não está doente, ela é e sempre foi doente, e de um mal que reside em sua própria conformação e que se traduz pela primeira pessoa do singular em nossa bela língua portuguesa: EU!

O terror da morte não se dá pela incógnita que é, ainda que as religiões prometam vida eterna em Céus e coisas parecidas. O terror se dá quando o ser humano se imagina perdendo a sua identidade.

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Unsp
O fato de sabermos que somos mortais, até por convivermos com a morte em nosso cotidiano, seja com o testemunho da partida de desconhecidos, conhecidos, amigos, familiares e amores, torna-se interessante ao vermos como nossa autodefesa não nos deixa nos fixarmos na nossa própria morte, e ainda usamos de eufemismos quando se trata da morte de quem nos é próximo, ou de quem amamos, daí a supervalorização do material, do efêmero.

Claro que não estamos falando do necessário para nossa sobrevivência, mas sim do ter, pelo prazer de ter.

O que justifica uma alma deter imenso patrimônio que em toda a sua vida terrena jamais vai poder usar, ainda que viva cem anos, enquanto a fome se alastra pelo planeta? E aqui não vou nem falar no conceito milenar de karma, que em linhas gerais, para pessoas sem um mínimo de empatia, justifica a lógica capitalista da exploração e das desigualdades sociais.

Mas é claro que a humanidade não está perdida, até porque toda generalização é injusta e burra.

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GreenForce Staffing
Não creio na caridade como um instrumento de renúncia do que me sobra, sou combatente do modelo de sociedade que temos, que explora e valoriza as desigualdades, mas também acredito que é possível se doar ao outro como um projeto de militância, e que o bem é bem vindo em qualquer circunstância e forma.

Pela minha formação de Historiador, sobretudo pela formação que pude ter da família em que a vida me colocou, e do pouco que pude aprender do ponto de vista espiritual, apesar de perceber que vivo num mundo trágico, ainda consigo ter fé na vida e motivos para lutar por ela.

A vida de uma formiga é tão importante quanto a minha, como são importantes as células que se deformaram e viraram um câncer em mim. Cada um com seu papel.

Afinal, morrer não é o fim!

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  1. Ah, essa dialética de "fim" e começo...porque todo começo tem um fim, e nós no "meio"...parabéns pela exteriorização dessas reflexões existenciais!

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