“Vinho nada. Padre não bebe. Isso é suco de uva”, jurava Paulinho, menino de mente pura. Foi dele que me lembrei quando, já adulto, tive uma discussão com parentes evangélicos acerca do teor alcoólico daquele vinho do primeiro milagre. “Não continha uma gota de álcool”, assim decidira um primo querido.
“Pois contam que era vinho dos bons a que nada faltava, apesar de surgir daqueles seis potes d’água com capacidade mínima de 80 litros, cada um”, respondi. E ele, indignado: “Quem conta isso?”. Então, eu o fiz ler João. Vinho tão bom que o mestre de cerimônia das Bodas de Caná, na Galileia, cumprimentou, assim, o noivo: “É costume servir primeiro o bom vinho e, somente depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o de pior qualidade. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora”. Quem desmentiria João? Eu, não. De todo modo, perdoem meus desvios. E tomem isso como uma conversa de varanda, um papo de rede com idas e voltas.
Casamento marcado, os céus pareciam conspirar para sua realização. Ele, a quem o pai já havia reservado uma parte da fazenda, fora aprovado em seleção do Banco do Brasil para uma agência sertaneja. Que maravilha. Os futuros sogros quase soltaram fogos. Imaginem o que significava casar uma filha com um bancário desses. Mas entendam que eram outros os tempos e outros os salários pagos pelo banco criado por Dom João VI.
Belos, mesmo, aquele moço e aquela moça. Namoravam a sério desde os 15 anos dele e, dela, os 14. “Dois lindos biscuits”, dizia minha mãe em referência à perfeição daqueles rostos: uns bonequinhos de massa feitos para a eternidade, abraçadinhos, em móveis de salas de visita.
Regina, Maria e Conceição – as três moças de Campina Grande tocadoras de ganzá nas feiras livres em busca de esmolas e irmanadas, também, na cegueira congênita – tinham em seus lamentos que “a pessoa é para o que nasce”. Cláudio, que nunca soube da existência desse trio, ensinava o contrário: “Cada um faz seu destino”. Sei não... Basta ver a fama das três irmãs a partir do filme de 2005 com o qual o roteirista Maurício Lissovsky e os diretores Roberto Berliner e Leonardo Domingues as projetaram no mundo. As irmãs cegas não ficaram ricas, mas tiraram os pés da lama.
Sei, contudo, por assim ter ouvido no meu tempo de menino, que aquele noivo parou numa borracharia quando o pneu murcho interrompeu a viagem que então fazia a fim de conhecer a agência na qual iniciou a carreira vitoriosa, pois ocuparia, ao passar dos anos, uma superintendência regional no banco projetado pelo rei.
As mãos que lhe serviram um bom queijo de manteiga e a melhor pamonha que até então já experimentara (deve tê-la comido com o coração) não o encantaram menos do que aqueles olhos castanhos, aqueles lábios carnudos, aquele belo corpo de mulher. Puxou conversa, disse de onde vinha e para onde ia sem, em momento nenhum, falar da noiva e do casamento já próximo. A moça, que também o escutava visivelmente encantada, alegrou-se ao ouvir dele a promessa das paradas semanais em seu balcão, com ou sem pneu furado.
A noiva logo percebeu que aquele relacionamento esfriava. E esfriava, mesmo, no exato espaço de tempo em que, no caminho do noivo, as pamonhas se faziam mais quentes, fartas e saborosas. Ele dera para diminuir os retornos a seus braços. Substituía os beijos por telegramas concisos, lacônicos. Coisas do tipo: “Muito trabalho. Fico por aqui esta semana”.
Conceição, Regina, Maria, vocês estão cobertíssimas de razão, estejam onde estiverem. As pessoas são, mesmo, para o que nascem.