O jornalista Sérgio Botelho é pessoense da gema, nascido na Maternidade Cândida Vargas, esquina de João Machado com Coremas, coração ...

A amorosa viagem de Sérgio Botelho

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O jornalista Sérgio Botelho é pessoense da gema, nascido na Maternidade Cândida Vargas, esquina de João Machado com Coremas, coração da cidade. Conhece a velha aldeia de 440 anos como poucos, e sua ciência vai além da história, da arquitetura e da paisagem, pois que é feita de incondicional amor à urbe que o viu nascer. Daí o seu projeto de divulgar a sua e a nossa João Pessoa, através dos meios eletrônicos e de livros, o mais recente dos quais foi publicado na quinta-feira passada, dia 20 de fevereiro, em cordial encontro de seus amigos e admiradores no Bistrô 17, próximo à Catedral de Nossa Senhora das Neves, lugar mais do que adequado para o evento. Refiro-me a João Pessoa – Uma Viagem Sentimental, Editora Ideia, 2025.

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Seu livro anterior também tem a cidade como protagonista. É Memórias da Cidade de João Pessoa, de 2024. Vê-se, assim, que o autor tem se dedicado com afinco a esse trabalho memorialístico, inclusive já anunciando para um futuro próximo o volume que completará sua trilogia pessoense, dessa vez privilegiando as pessoas, os personagens emblemáticos que enriqueceram a história e também o folclore da capital. Como bem observou Hildeberto Barbosa Filho na apresentação por ocasião do lançamento da Viagem, se no livro anterior Sérgio abordou com ênfase os monumentos e os logradouros, e se agora, em sua viagem sentimental, detém-se nos “lugares da alegria” e nos “templos da boemia”, no próximo livro será a vez de resgatar o patrimônio humano aldeão. Não que nas primeiras duas obras não se identifiquem personagens marcantes da vida da cidade, explícita ou implicitamente, já que os lugares têm essa capacidade de evocar aqueles e aquelas que os frequentaram por maior ou menor tempo, confirmando que são de fato as pessoas que emprestam alma aos lugares. Não foi à toa, portanto, que o célebre cronista carioca João do Rio deu ao seu famoso livro o título de A alma encantadora das ruas, misturando liricamente, em seus textos tornados clássicos, a gente e a paisagem urbana do Rio de Janeiro de seu tempo.

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Para quem viveu em João Pessoa nas quatro últimas décadas do século passado, ou seja, dos anos 1970 em diante, o livro de Sérgio é um perfeito guia memorialista. Ele percorre bares, restaurantes e até alguns dos antigos lupanares municipais, estes já dando os derradeiros suspiros, tornados obsoletos que foram pela liberalização sexual pós-1968. E aí vamos, pelas mãos experientes do autor, novamente pisando antigos chãos e erguendo brindes fantasmáticos a um tempo que passou no tempo, mas não na lembrança dos que o viveram. A propósito, alguém escreveu que sem a memória não haveria literatura; eu vou mais longe: sem a memória, não haveria nada. E não foi de graça que Machado de Assis afirmou: “A melhor parte do presente ainda é o passado.”

Alguém poderá achar que o parágrafo acima está muito nostálgico. E está mesmo, reconheço. Mas aqui, asseguro, não se cultiva um saudosismo mórbido, um passadismo incondicional. Longe disso. Não idealizo o que passou, assim como não idealizo o presente nem o que virá. Cada época é o que é, com seu inventário próprio de coisas boas e ruins. Mas a ressurreição do passado pela memória normalmente tem a vantagem de só resgatar, ou quase só resgatar as lembranças mais felizes, dando-nos a impressão
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Sérgio Botelho sergiobotelho1950
provavelmente ilusória de que os dias de outrora foram melhores. É possível que não tenham sido, mas é assim que os vemos e os sentimos, principalmente quando é a velhice – ou a quase velhice – que contempla saudosa os míticos tempos juvenis.

Alceu Amoroso Lima, indo na contramão dos clichês, afirmava que a infância não era uma época necessariamente feliz. Sim, sem dúvida. E a juventude também, digo eu. Como sabemos os que já passaram por ela, é uma fase difícil, até para os privilegiados. A riqueza e o prestígio dos pais, o amor e a união familiar, a beleza física a garantir sucesso entre os/as colegas, a inteligência acima da média, o carisma que é marca dos líderes e assim por diante. Nada disso, apesar de bom, assegura a felicidade do jovem, pois são muitos os seus anseios frustrados, as suas dúvidas, as suas inseguranças e as suas inquietações. Falo por mim – e por uma multidão.

Entretanto, apraz-me voltar àqueles tempos pela mão seletiva de Sérgio Botelho, em sua viagem sentimental à João Pessoa que passou. Da Festa das Neves na General Osório a vários bares e restaurantes que alcancei ainda no auge, passando pelos carnavais do Astréa, por exemplo, onde, de fato,
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Gil Messias e Sérgio Botelho
sergiobotelho1950
ressoava soberana a risada alta de doutor Mororó, grande folião. Não que eu fosse frequentador contumaz, pois a minha boemia era restrita. Mas isso não me impediu de conhecê-los em sua maioria e de saber, pela observação pessoal e por experiências alheias, o quanto eram importantes na vida social e cultural da cidade.

Não pretendeu o autor escrever dissertação de mestrado nem tese de doutorado sobre o assunto. Outros que se ocupem disso. Sérgio Botelho optou pela leveza cronística, quis apenas dividir com os leitores suas amorosas lembranças do velho burgo, tal como as viveu e as recorda, do alto de suas respeitáveis sete décadas de rica existência. Não tenho dúvida de que atingiu – e bem - o seu democrático e estimável intento.


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