Tem o nome da mãe de Cristo e desta possui, ainda, um toque de brandura. Aos que por sorte estão na sua lista de relacionamentos, via Internet, nunca faltam suas expressões de carinho, suas palavras ternas. Não se furta ao comentário elogioso a quase tudo que lê neste e noutros espaços, mesmo quando isso não mereçamos.
Veio ao mundo, seguramente, para afagar corações e fazer amigos.
Fala pouquíssimo de si mesma. Catando informações esparsas no perfil que mantém no Facebook, eu deduzi que ela, ao fim de uma jornada em grande parte penosa, abraçou a carreira de professora. Não poderia ser diferente, dada a missão compatível com a grandeza do seu espírito. Estudou na Universidade Cândido Mendes e lecionou na Escola Técnica Ferreira Viana, no Rio de Janeiro. Se for o que penso, trata-se de uma unidade de ensino vinculada à Faetec, instituição de educação básica, profissional e superior.
A Rede Faetec abriga, no Rio, unidades de excelência, uma delas a Escola Técnica Estadual República (ETER) reconhecida como uma das melhores, neste gênero, do País. Nossa Maria tem evitado a visita àquela onde ministrou suas aulas, a fim de não chorar. “O lugar é lindo, cheio de verde e a saudade de lá é imensa”, anotou. Embora fale pouco, fala de tombos e soerguimentos, de resiliência e superação.
Escola Técnica Estadual Ferreira Viana, Rio de Janeiro ▪ Imagens: Gmaps + FAETEC
Tem um filho, nora e neto. E tem irmãos de cuja aproximação não estou bem certo. De todo modo, nossa amiga não é sozinha no mundo. Está longe da personagem traçada por Rachel de Queiroz na crônica “Vitalinas” publicada em exemplar da Revista O CRUZEIRO, com data de 1959.
Os não nordestinos e os aqui nascidos há pouco tempo terão dificuldade para entender o significado do termo “caritó”, expresso na crônica de Rachel. Pois bem, caritó dá nome a uma prateleira das antigas
GD'Art
salas do sertão com altura suficiente para impossibilitar o alcance de linhas, agulhas, tesouras, remédios, espelhos e talco pelas crianças da casa. Com o tempo, virou sinônimo de donzela, de moça que não casou, não saiu da prateleira, como traduz o cancioneiro regional dos anos de 1960, por aí assim, uma vez, pelo menos, com a voz de Jackson.
Nossa Maria tem uma história triste, se não passar de ficção o que escreve no Facebook. Se o que ali conta não for além das ânsias de escritora por ela habitualmente reveladas. Se assim, de fato, aconteceu, apanhava de correia na casa dos tios ricos, com os quais fora morar aos sete anos de idade para que a prima mais nova tivesse uma acompanhante.
Caso assim haja ocorrido, como eu sou levado a crer, aprendeu a ler sozinha em livro doado por um irmão. Subia ao telhado e, à luz da lua e das estrelas, decifrava, pouco a pouco, letras e palavras. Tinha na mente a voz do pai a incentivá-la. Uma voz que a remetia ao convívio familiar, em Coimbra, de onde saíra aos cinco anos: “Filha, você consegue”.
GD'Art
E Maria conseguiu. “Voei por um mundo que nunca mais abandonei: o da leitura”, conta ela. Lia de tudo sem que disso ninguém ao seu redor, inicialmente, desse conta. Descobriria, posteriormente, a biblioteca da Escola José Pedro Varela, que, segundo ela, ainda existe.
Maria conta histórias da Bíblia. Fala de conversões. Reproduz textos de João e, num deles, o testemunho da santidade de Cristo pela mulher samaritana. Vai mais fundo: narra a saga de Daniel nos tempos de Nabucodonosor cujos sonhos interpretava. E fala de hábitos perdidos pela Igreja moderna, entre os quais o testemunho da fé.
GD'Art
Uma criança a cuidar da outra. Foi isso o que me fez associar o drama da menina Maria ao das garotas de Rachel. Ao das pequenas afilhadas sertanejas abrigadas por padrinhos desejosos da mão de obra gratuita ou, quando muito, ao custo de vestidos de chita. As Marias de Rachel viviam no caritó. Não se casavam nem tinham filhos. A nossa Maria é vitoriosa. Venceu, floresceu e pôs no mundo os seus descendentes.
O Facebook informa que ela tem 1,1 mil amigos. Comigo, 58 em comum. Certamente, tem muito mais. O Facebook não costuma saber dessas coisas. Não sabe que nossa Maria nasceu para a consideração e as amizades. Duvido de que alguém replique, tanto quanto ela, o que todos nós, sem exceção, aqui escrevemos. É a Maria, portanto, que meu grato coração oferece estas parcas linhas.