Daqui do meu apartamento, que fica no segundo andar, infelizmente não tenho uma vista privilegiada, digo, a visão do mar, a amplitu...

Um pedacinho do céu

joao pessoa paraiba
Daqui do meu apartamento, que fica no segundo andar, infelizmente não tenho uma vista privilegiada, digo, a visão do mar, a amplitude da vizinhança, das ruas etc. Mas sou muito agradecida por ter conseguido um teto todo meu, depois de vender a minha casinha aqui perto também.

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@adelaideana
Assim, da minha varanda, vejo a rua e o seu movimento. E quando olho para cima, tenho um pedaço de céu até grande, para ver o azul infinito, as nuvens a passear, e quando é lua cheia e ela insiste em me visitar, sento-me para admirá-la e vê-la esplendorosa, a nos brindar com a beleza platinada, as nuances das fases minguante, crescente e mais uma estrela grande e iluminada que gosto de pensar que é Marte, Vênus... sabe-se lá.

De uns tempos para cá, tomei um susto ao ver um prédio que se levantava no meu horizonte. Primeiro uns tijolos ao léu, algo que parecia um vislumbre. Pensei: Ah! Uma construçãozinha no horizonte não me fará diferença. Ledo engano. A cada dia que eu me sentava para tomar café, almoçar, lá estavam os tijolinhos a crescerem feito massa de bolo. Um acima do outro, em crescimento da massa, digo dos andares. Como cresce um prédio! Ainda mais se esse prédio me rouba o meu pedacinho do céu.

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@adelaideana
Nesse calor escaldante, vejo aqueles operários em miniatura, de chapéu, pendurados em cordas, a construírem os tijolos, digo, os andares. Na hora do almoço, me parte o coração, eu aqui na minha sombra, na minha mesa farta, no fresquinho, a olhar para esse céu azul de brigadeiro, e aqueles homenzinhos a trabalharem, com as suas marmitas de comida requentada e salários baixos. E quanto risco!

Só sei que o meu pedacinho de céu, que tinha para toda a minha contemplação do infinito, está comprometido. Essa construção insiste em ocupá-lo, tirando a minha vista que, está com os dias contados. Há outros terrenos por perto; e outras ocupações com certeza virão.

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@adelaideana
Já não reconheço mais a praia do Cabo Branco, nem o Manaíra nem o Bessa. Não tivemos a ideia de fotografar a cidade inteira. Talvez Petrônio Souto tenha. Eu me vejo perdida pelas ruas de uma cidade que um dia foi minha. Não é mais, pois não me reconheço mais como doutora dessas mesmas ruas e casas. Sabia de cada morador, ou pelo menos da maioria. Nas avenidas (Epitácio Pessoa, João Machado, Maximiano Figueredo, Coremas, Almirante Barroso, Palmeiras, Tambíá e mais um monte) sabíamos das casas e dos seus muros. Algumas vidas. Umas próximas, outras mais distantes.

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Avenida Almirante Barroso, Paraíba ▪ AcervoAna Adelaide Peixoto
Hoje, a cada prédio que ocupa uma residência, muitas famílias substituem uma só. Vidas alheias. E a paisagem dos quarteirões se modifica em um outro espaço. Novos tempos. Novas equações. Novos perímetros urbanos. E eu, perdida em uma cidade cujo trânsito me leva a crer que estou numa cidade grande.
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@adelaideana
E estamos. Com motos a jato, avoadas e audaciosas, por vezes suicidas, que atropelam a cada minuto, com a certeza de que o carro irá desviar. Muitas vezes o cálculo é errado e temos acidentes fatais. Triste sina!

Há algumas semanas, me aventurei a Cabedelo. Num quiosque de frente para o meu rumo ao farol. Não o de Virginia Woolf, mas o da minha infância em Praia Formosa. O farol dos veraneios do meu pai e da minha tia Margarida. Ou o do Tio Celso, que, quando menino de 12 anos, nadava até lá, para pensar na vida. Tempos filosóficos praieiros! Enquanto dirigia pela estrada beirando o mar, vi uma Praia do Poço que não é mais a minha. A minha? Ainda com casas de palhas, casas de veraneio, Areia Vermelha a nos convidar com os botes que alugávamos, e os pés de araçá pelas ruínas de uma igrejinha pelas bandas de Ponta de Campina.

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Praia do Poço, Paraíba ▪ @adelaideana
Fiquei a ver uma praia cheia de prédios de luxo, carrões nas garagens, vidros fumês, e as ruazinhas até a pista da BR em ocupação. Se formos à beira mar, uma população vestida na última moda das saídas/entradas de praia, chapéus de palha de grife, moda praia do último desfile, tendências tantas, aglomerados, bares cheíssimos, calor insano, cerveja quente e outros horizontes que não mais me pertencem. Sim, o tempo passou. A especulação imobiliária chegou com tudo. Apartamentos minúsculos para venderem aos estrangeiros que têm dinheiro para investir. Fico a pensar: onde a população local, famílias, com ou sem filhos, vão morar nesse aperto que não cabe um guarda-roupa ou uma mesinha de cabeceira?

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@adelaideana
Mas comecei falando do meu pedacinho de céu e encerro atestando sobre um pedacinho de chão.

Seja lá que pedacinho for, vou cuidar em correr, enquanto ainda consigo ver uma nuvem passageira, anunciando uma chuvinha de verão, ou simplesmente um fragmento das condições desse céu que, já já, não será mais meu.

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